LIBÉRATION, PARIS
- Presseurop
O filósofo italiano
Giorgio Agamben propõe relançar a ideia de uma união entre os países do Sul da
Europa elaborada por Alexandre Kojève em 1945. Poderiam assim contrabalançar o
peso preponderante adquirido pela Alemanha no seio da UE.
Em 1945, Alexandre
Kojève, um filósofo que também desempenhava a função de alto funcionário no
seio do Estado francês, publicou um ensaio intitulado L’Empire latin (O
Império latino), subtitulado Esboço de uma doutrina da política
francesa, é um memorando dirigido ao general de Gaulle. Este ensaio
corresponde de tal a forma à nossa atualidade que é do nosso interesse
analisá-lo.
Com uma presciência
rara, Kojève defende categoricamente que a Alemanha tornar-se-á num futuro
próximo a principal potência económica europeia e deixará a França a ocupar o
segundo lugar no seio da Europa Ocidental. Kojève via com lucidez o fim dos
Estados-nações que tinham até à data determinado a história da Europa: tal como
o Estado moderno veio em resposta ao declínio das formações políticas feudais e
ao nascimento dos Estados nacionais, os Estados-nações também tiveram
inexoravelmente de ceder o lugar a formações políticas que superavam as
fronteiras nacionais e que este qualificou de “impérios”.
Urgência em
regressar às ligações culturais
Segundo Kojève, na
base destes impérios deixaria de haver uma unidade abstrata, indiferente às
ligações reais de cultura, língua, modo de vida e religião: os impérios – os
que prevaleciam nessa altura, quer o Império anglo-saxónico (Estados Unidos e
Inglaterra) ou o Império soviético – deveriam ser “unidades políticas
transnacionais, mas formadas por nações aliadas”.
É a razão pela qual
Kojève propunha à França que se colocasse à frente de um “Império latino” que teria
unido económica e politicamente as três grandes nações latinas (isto é, a
França, a Espanha e a Itália), com o apoio da Igreja católica e abrindo-se ao
Mediterrâneo.
Segundo Kojève, a
Alemanha protestante que se tornaria a nação mais rica e poderosa da Europa (o
que de facto aconteceu), ficaria inexoravelmente atraída pela sua vocação extra
europeia voltando-se para as formas do Império anglo-saxão. Mas, nesta
hipótese, a França e as nações latinas ficariam mais ou menos afastadas,
reduzidas necessariamente a um papel secundário.
Hoje em dia,
enquanto a União Europeia (UE) se formou ignorando as ligações culturais
concretas que possam existir entre certas nações, pode ser útil e urgente
refletir na proposta de Kojève. O que este tinha previsto acabou por se
verificar. Uma Europa que pretende existir numa base rigorosamente económica,
deixando de lado as ligações entre as formas de vida, de cultura e de religião,
ainda está longe de ter revelado todas as suas fraquezas, sobretudo no plano
económico.
Um grego não é um
alemão
No caso presente, a
suposta união denunciou as diferenças e limita-se a impor à maioria dos mais
pobres os interesses da minoria dos mais ricos, que coincide muitas vezes com
os de uma única nação, que nada, na história moderna, permite considerar
exemplar. Não tem lógica pedir a um grego ou italiano que viva como um alemão;
mas mesmo que fosse possível, isto levaria ao desaparecimento de um património
cultural e de uma forma de vida. E uma política que prefere ignorar as formas
de vida não está apenas condenada à extinção, mas, como a Europa demonstra de
forma eloquente, nem sequer é capaz de se constituir como tal.
Se não queremos que
a Europa se dissolva definitivamente, como é possível prever através da análise
de vários sinais, convinha questionarmo-nos o mais rapidamente possível como é
que a Constituição Europeia (que, lembremos, não é uma constituição do ponto de
vista do direito público, porque não foi submetida a um voto popular, e nos
casos em que foi – em França, por exemplo – foi claramente rejeitada [por 54,
67% dos votos]) poderia ser novamente alterada.
Desta forma,
poderíamos tentar fazer com que a nossa realidade política se assemelhe um
pouco ao que Kojève qualificou de Império latino.
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