Expresso - Lusa
O ex-líder
socialista diz que o Presidente da República tem sido contraditório e escolhe
os momentos errados para intervir e alerta para as consequências que esta
situação de impasse pode ter para a democracia.
O
ex-secretário-geral do PS, Ferro Rodrigues, acusa o Presidente da República de
não saber ouvir a vontade dos portugueses, de dualidade na atuação face aos
executivos de Passos e de Sócrates e de escolher momentos desadequados para
intervir.
"O Presidente
da República não tem sabido ouvir a vontade do país. Como se demonstra, nos
últimos meses, a evolução tem sido dramática para o prestígio das instituições
democráticas, não apenas do próprio Presidente da República, como do Governo e
da Assembleia da República", aponta Ferro Rodrigues em entrevista à
agência Lusa.
Entre outros
pontos, Ferro Rodrigues discorda da interpretação de Cavaco Silva sobre os
poderes presidenciais em relação à manutenção dos governos.
"Compreendemos
quando diz que desde a revisão constitucional de 1982 há uma mudança nos
poderes do chefe de Estado na relação do Presidente com o Governo. Mas, depois
disso - e embora tenha havido algumas divergências com ele por parte de mim
próprio -, o ex-presidente da República Jorge Sampaio utilizou os seus
poderes presidenciais em determinado momento com generalizado aplauso da
opinião pública", argumenta, numa alusão à queda do executivo de Pedro
Santana Lopes no final de 2004.
Relação do
Presidente da República e do Governo é "diferente"
Ferro Rodrigues
entende que Cavaco Silva "está neste momento bastante mais envolvido nas
políticas do Governo, o que é um pouco contraditório com aquilo que tem vindo a
dizer".
"O Presidente
da República não apenas alertou para a espiral recessiva que estava a fazer o
seu caminho, como também mandou para o Tribunal Constitucional um pedido de
fiscalização sucessiva [do Orçamento]. Há uma atitude que parece
contraditória", aponta o ex-líder socialista.
O
ex-secretário-geral considera ainda que "óbvio" que há "uma
relação, pelo menos do ponto de vista público, bastante diferente entre o
Presidente da República e este Governo e o Presidente da República, o mesmo, e
o anterior Governo".
"Penso também
que os silêncios quando se deve intervir e intervenções que não são adequadas
quando se deve estar em silêncio não têm contribuído para um aumento do
prestígio do Presidente da República. Ainda falta muito tempo para o seu
mandato terminar e há que admitir que, compreendendo melhor os impasses
que esta situação pode ter para a democracia portuguesa, o Presidente da
República poderá mudar de rumo", ressalva Ferro Rodrigues.
Questionado se
considera que foi o processo Casa Pia e a decisão do ex-Presidente da República
Jorge Sampaio de nomear o Governo de Pedro Santana Lopes em 2004 os fatores que
o impediram de ser depois primeiro-ministro, Ferro afirma que considera
essas "etapas encerradas".
É evidente que se
pode especular o que teria acontecido neste ou naquele cenário, mas não passa
de especulações, porque não foi feita a prova dos factos", argumenta.
Relações normais
com Jorge Sampaio
O atual
vice-presidente da Assembleia da República aceita que, caso não se tivesse
demitido da liderança do PS em 2004 (dando depois lugar a José Sócrates), o
percurso do país "teria sido certamente diferente".
"Mas sobre
quais as diferenças e como, é possível fazermos um romance de ficção sobre
isso, mas não nenhuma tese política a apresentar para doutoramento",
refere, numa nota de humor.
Interrogado se
teria sido um primeiro-ministro mais consensual do que José Sócrates, Ferro
Rodrigues responde: "Essa questão não se pode colocar assim. Da prática
política do ex-primeiro-ministro José Sócrates, entendo que houve muita coisa
positiva. As pessoas são diferentes, mas não é altura neste momento de me
pôr em bicos dos pés falando sobre o que é que teria acontecido há dez
anos", alega.
Já quando
questionado se perdoou a Jorge Sampaio não ter dissolvido o parlamento no verão
de 2004, optando antes por nomear Santana Lopes primeiro-ministro, Ferro
Rodrigues reagiu: "o verbo [perdoar] é excessivo".
"Neste
momento, as minhas relações [com Jorge Sampaio] são normais. Encontramo-nos
várias vezes por ano. Evidentemente que na amizade há também evoluções, há
patamares diferentes e as coisas não se esquecem. Mas eu penso que hoje em dia
tanto eu como ele nos consideramos amigos", refere.
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