quinta-feira, 4 de abril de 2013

Portugal: O DEBATE QUE NÃO SE FEZ NO PARLAMENTO




Daniel Oliveira – Expresso, opinião

Sobre o debate de ontem, na apresentação da moção de censura do Partido Socialista, de tão miserável que foi na discussão política das grandes opções que o País tem pela frente, pouco ou nada tenho para dizer. Em filinha, os deputados do PSD resolveram apresentar um avulso de medidas que consideram positivas, tentando que o País se convença que o que a situação dramática que está a viver é uma mera ilusão. Os desafios na nossa relação com a Europa e com a moeda única e o rumo para combater a crise e o desastre social a que assistimos, ou seja, os grandes debates políticos para o País, foram uma nota de rodapé no meio da mercearia de pequenas discussões parcelares e troca de galhardetes. Na maioria, o CDS acabou por ser o único que mostrou ainda ter alguma relação com a realidade.

Sobre a intervenção de Passos Coelho, nada de especial pode ser dito. O delírio é tal, na avaliação da situação nacional, que não parece que estejamos a ouvir alguém que esteja na posse de todas as suas capacidades cognitivas. O primeiro-ministro vive num País imaginado por si próprio, que não está a cair num abismo social e económico sem precedentes na nossa democracia e a agravar todos os indicadores económicos e financeiros relevantes. Passos Coelho é o único português que ainda acredita que as metas do memorando são possíveis de cumprir. Quando alguém não vê a realidade dificilmente pode ter um rumo para a mudar. Interessa-me, por isso, dar mais atenção ao que disse António José Seguro, possível futuro primeiro-ministro.

"Alguns dizem que o PS não faria diferente", reconheceu Seguro. Contrariou: se o PS fosse governo parava com a austeridade. E explicou de onde viriam os recursos para a travar: do crescimento económico. Mas acaba por concluir que, sem uma renegociação das condições de reajustamento (do memorando, portanto) e da dívida é irrealista cumprir as metas definidas e ter folga para incentivar o crescimento.

Essa renegociação passa, como se pode ler na carta que enviou aos parceiros da troika, pelas "condições de ajustamento com metas e prazos reais; do alargamento dos prazos de pagamento de parte da dívida pública; do diferimento do pagamento de juros dos empréstimos obtidos; dos juros a pagar pelos empréstimos obtidos e do reembolso dos lucros obtidos pelo Banco Central Europeu pelas operações de compra da dívida soberana". Medidas acertadas que representam uma importantíssima clarificação e evolução das posições do PS. Mas que, como insiste nesta missiva, não põem em causa o fundamental dos objetivos e estratégias definidos com a troika. E que são a receita para a austeridade que supostamente se quer abandonar.

Percebe-se bem porque não o faz. Francisco Assis, numa das melhores intervenções da bancada socialista (a par com a do deputado João Galamba, noutro sentido), acabou por chegar ao ponto central: a nossa posição na Europa é minoritária e é extremamente difícil conseguir ganhar os parceiros europeus para a indispensável alteração na forma como lida com os países periféricos, a crise e a moeda única. Resta-nos, portanto, iniciar uma luta que dificilmente será vencida. Melhor isto do que a submissão do bom aluno, é verdade. Mas o PS, seja o de Seguro, seja o de Assis, não nos responde ao mais importante: e se essa luta for perdida? Que é o mais provável.

A linha de Assis e Seguro passa por negociar algumas coisas no memorando e nas condições de pagamento da dívida, que nos aliviariam um pouco, ganhando tempo para cumprir a mesma política no mesmo quadro europeu e numa moeda com as mesmas distorções estruturais. Ou seja, aplicar a austeridade de forma mais lenta e faseada para conseguir a mesma desvalorização de salários e preços que substitua a impossível desvalorização cambial.

Os resultados, numa moeda que, mantendo-se como está, agrava os problemas estruturais que os países periféricos já tinham quando a adoptaram, serão os mesmos. Apenas virão mais tarde e de forma um pouco mais ordenada. Teremos de reduzir drasticamente as funções sociais do Estado e aceitar que a nossa estrutura produtiva estará condenada a basear-se em salários baixos, com, na melhor hipótese, um crescimento medíocre durante décadas e a redução profunda da qualidade de vida dos portugueses. Resta a esperança de que, no meio deste processo, aconteça um milagre na Europa.

É este o impasse dos socialistas, que os fragiliza quando apresentam uma alternativa: pondo o cenário de qualquer ruptura com a loucura que domina a Europa de lado, aceitam as condições que são, na prática, o que torna o essencial da política de Vítor Gaspar, em versão grotesca ou suave, numa inevitabilidade.

Claro que há sempre a ténue possibilidade da Europa mudar de rumo a tempo de nos salvarmos. Mas com isso ninguém sério pode contar. Porque não depende de nós. No que de nós depende, a honestidade obriga a não enganar as pessoas. Não há, ao contrário do que alguma esquerda defende, negociações unilaterais. Não há rupturas com a troika sem a forte possibilidade de sermos obrigados a sair do euro. Também não há um regresso ao crescimento dentro do quadro da austeridade. E não há uma ruptura com a via da austeridade no quadro de uma moeda única sem mutualização da dívida.

Fazer cair este governo só poderia ser positivo. Porque pelo menos nos livrávamos da sua infinita estupidez e incompetência. Mas os principais debates estão por fazer. Para iniciar um novo ciclo económico e social não basta iniciar um novo ciclo político. Não basta fazer cair Passos Coelho. É preciso que todos sejam claros nas escolhas que querem fazer. Só assim as pessoas acreditarão que há, realmente, alternativas. E que a crise política provocada pela queda de um governo é o começo de qualquer coisa.

A questão central que aqui levanto - a saída do euro - deverá, se não for a tempo de tratar da deliberação do Tribunal Constitucional, ser tratada na minha coluna do Expresso de sábado.

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