Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Sobre o debate de
ontem, na apresentação da moção de censura do Partido Socialista, de tão
miserável que foi na discussão política das grandes opções que o País tem pela
frente, pouco ou nada tenho para dizer. Em filinha, os deputados do PSD
resolveram apresentar um avulso de medidas que consideram positivas, tentando
que o País se convença que o que a situação dramática que está a viver é uma
mera ilusão. Os desafios na nossa relação com a Europa e com a moeda única
e o rumo para combater a crise e o desastre social a que assistimos, ou seja,
os grandes debates políticos para o País, foram uma nota de rodapé no meio
da mercearia de pequenas discussões parcelares e troca de galhardetes. Na
maioria, o CDS acabou por ser o único que mostrou ainda ter alguma relação com
a realidade.
Sobre a intervenção
de Passos Coelho, nada de especial pode ser dito. O delírio é tal, na avaliação
da situação nacional, que não parece que estejamos a ouvir alguém que esteja na
posse de todas as suas capacidades cognitivas. O primeiro-ministro vive
num País imaginado por si próprio, que não está a cair num abismo social e
económico sem precedentes na nossa democracia e a agravar todos os indicadores
económicos e financeiros relevantes. Passos Coelho é o único português que
ainda acredita que as metas do memorando são possíveis de cumprir. Quando
alguém não vê a realidade dificilmente pode ter um rumo para a mudar.
Interessa-me, por isso, dar mais atenção ao que disse António José Seguro,
possível futuro primeiro-ministro.
"Alguns dizem
que o PS não faria diferente", reconheceu Seguro. Contrariou: se o PS
fosse governo parava com a austeridade. E explicou de onde viriam os recursos
para a travar: do crescimento económico. Mas acaba por concluir que, sem
uma renegociação das condições de reajustamento (do memorando,
portanto) e da dívida é irrealista cumprir as metas definidas e ter
folga para incentivar o crescimento.
Essa renegociação passa,
como se pode ler na carta que enviou aos parceiros da troika, pelas
"condições de ajustamento com metas e prazos reais; do alargamento dos
prazos de pagamento de parte da dívida pública; do diferimento do pagamento de
juros dos empréstimos obtidos; dos juros a pagar pelos empréstimos obtidos e do
reembolso dos lucros obtidos pelo Banco Central Europeu pelas operações de
compra da dívida soberana". Medidas acertadas que representam uma
importantíssima clarificação e evolução das posições do PS. Mas que, como
insiste nesta missiva, não põem em causa o fundamental dos objetivos e
estratégias definidos com a troika. E que são a receita para a austeridade
que supostamente se quer abandonar.
Percebe-se bem
porque não o faz. Francisco Assis, numa das melhores intervenções da bancada
socialista (a par com a do deputado João Galamba, noutro sentido), acabou por
chegar ao ponto central: a nossa posição na Europa é minoritária e é
extremamente difícil conseguir ganhar os parceiros europeus para a
indispensável alteração na forma como lida com os países periféricos, a crise e
a moeda única. Resta-nos, portanto, iniciar uma luta que dificilmente será
vencida. Melhor isto do que a submissão do bom aluno, é verdade. Mas o PS, seja
o de Seguro, seja o de Assis, não nos responde ao mais importante: e se
essa luta for perdida? Que é o mais provável.
A linha de Assis e
Seguro passa por negociar algumas coisas no memorando e nas condições de
pagamento da dívida, que nos aliviariam um pouco, ganhando tempo para
cumprir a mesma política no mesmo quadro europeu e numa moeda com as mesmas
distorções estruturais. Ou seja, aplicar a austeridade de forma mais lenta e
faseada para conseguir a mesma desvalorização de salários e preços que
substitua a impossível desvalorização cambial.
Os resultados, numa
moeda que, mantendo-se como está, agrava os problemas estruturais que os países
periféricos já tinham quando a adoptaram, serão os mesmos. Apenas virão mais
tarde e de forma um pouco mais ordenada. Teremos de reduzir drasticamente
as funções sociais do Estado e aceitar que a nossa estrutura produtiva estará
condenada a basear-se em salários baixos, com, na melhor hipótese, um
crescimento medíocre durante décadas e a redução profunda da qualidade de
vida dos portugueses. Resta a esperança de que, no meio deste processo,
aconteça um milagre na Europa.
É este o impasse
dos socialistas, que os fragiliza quando apresentam uma alternativa: pondo
o cenário de qualquer ruptura com a loucura que domina a Europa de lado,
aceitam as condições que são, na prática, o que torna o essencial da política
de Vítor Gaspar, em versão grotesca ou suave, numa inevitabilidade.
Claro que há sempre
a ténue possibilidade da Europa mudar de rumo a tempo de nos salvarmos. Mas com
isso ninguém sério pode contar. Porque não depende de nós. No que de nós
depende, a honestidade obriga a não enganar as pessoas. Não há, ao
contrário do que alguma esquerda defende, negociações unilaterais. Não há rupturas
com a troika sem a forte possibilidade de sermos obrigados a sair do
euro. Também não há um regresso ao crescimento dentro do quadro da austeridade.
E não há uma ruptura com a via da austeridade no quadro de uma moeda única sem
mutualização da dívida.
Fazer cair este
governo só poderia ser positivo. Porque pelo menos nos livrávamos da sua
infinita estupidez e incompetência. Mas os principais debates estão por fazer. Para
iniciar um novo ciclo económico e social não basta iniciar um novo ciclo
político. Não basta fazer cair Passos Coelho. É preciso que todos sejam
claros nas escolhas que querem fazer. Só assim as pessoas acreditarão que há,
realmente, alternativas. E que a crise política provocada pela queda de um
governo é o começo de qualquer coisa.
A questão central
que aqui levanto - a saída do euro - deverá, se não for a tempo de tratar da
deliberação do Tribunal Constitucional, ser tratada na minha coluna do Expresso
de sábado.
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