Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Vítor Gaspar
deixou, em relação às suas previsões, um buraco orçamental de 1,9% do PIB (em
vez de 4,5% de défice, 6,4%). Quase três vezes mais do que o que está em
causa na decisão do Tribunal Constitucional.
Sem nenhuma
possibilidade de lançar mais impostos, Passos Coelho já tinha anunciado
cortes na saúde, na educação e na segurança social, que sempre fizeram parte
dos seus objectivos políticos. Até criou uma comissão parlamentar para o
efeito. Mesmo com estas medidas era cada vez mais evidente que teria de ser
feita uma renegociação das metas e prazos do memorando e do pagamento da
dívida, que poderia ganhar ou não a forma de um novo resgate. Até
porque todas as previsões para o Orçamento deste ano, do crescimento ao
desemprego, estavam a sair falhadas, com ou sem decisão do TC.
Perante a
inconstitucionalidade do seu orçamento, o que nos informa o primeiro-ministro?
Que, por responsabilidade da decisão do Tribunal Constitucional, que abre
um buraco três vezes inferior ao que foi deixado pelo seu ministro das
finanças, terá de fazer os mesmos cortes na saúde, na educação e na
segurança social que já tinha decidido. Perante uma cratera, diz que a
culpa da queda é do buraco que, também por responsabilidade sua, nasceu ao lado.
Quem tivesse
dúvidas sobre o aldrabice desta desculpa, bastaria estar atento à intervenção
de Passos. Ele mesmo disse que fez um corte na despesa primária de 13 mil
milhões de euros. Sabendo que o estamos a falar de 1.200 milhões (800 milhões
líquidos), percebemos a desproporção entre o impacto que o governo, em período
de propaganda para impor a sua visão do que deve ser o Estado Social, atribui a
esta decisão do Tribunal Constitucional e a realidade.
Nessa
"narrativa", a falta de 1.200 milhões de euros destrói o trabalho de
dois anos e o futuro para os próximos anos, que estava tão bem encaminhado. E
assim, a decisão do Tribunal Constitucional, que envolve apenas 0,7% do
PIB, ficará a ser responsável pelo encerramento de escolas e hospitais e por
cortes nas pensões. Já os 1,9% em falta por culpa direta de Vítor Gaspar serão
meros desvios irrelevantes. E ainda tem a suprema lata de afirmar que o
Tribunal Constitucional defende o aumento de impostos (como se o tribunal fosse
um partido político com um programa eleitoral). Isto, vindo do governo que mais
impostos aumentou na nossa história democrática.
A verdade é
simples: Pedro Passos Coelho precisava de um bode expiatório para os seus
próprios erros, de um pretexto para avançar sem oposição para o programa de
"refundação" do Estado Social e de criar o fantasma necessário para
instalar o medo: o segundo resgate que, se vier, virá por causa dos
resultados das políticas de austeridade e não devido a esta decisão do TC. Este
é o único talento do nosso primeiro-ministro: construir um enredo onde se
escondem as suas responsabilidades e as suas intenções.
Sem comentários:
Enviar um comentário