José Pacheco
Pereira - Abrupto
OS ENORMES ESTRAGOS
FEITOS AO PSD (1)
Como Sócrates fez
ao PS, mas agora numa dimensão muito mais vasta, o governo Passos Coelho,
construído por Relvas, e comandado por Gaspar, está a destruir o PSD para
muitos e bons anos. O recente voto de louvor aprovado quase por unanimidade a
Miguel Relvas é um exemplo do divórcio dos dirigentes do partido com o país, um
verdadeiro acto de seita fechada para os "seus", sem nenhuma
consideração com o que o pensam os portugueses e muitos e muitos milhares de
militantes e simpatizantes do PSD.
O sinal é que
quando se está "dentro" e se vem de "dentro", pode-se fazer
o que se quiser sem qualquer sanção, bem pelo contrário, com louvor. Dias
Loureiro, Duarte Lima, Arlindo de Carvalho, nunca foram, nem serão sancionados
por dentro, onde todos puderam manter carreiras políticas mesmo depois de haver
uma severa condenação pública aos seus actos, antes ou depois de haver
consequências legais. As excepções como Isaltino de Morais, ou Valentim
Loureiro, não os divorciaram da sua base partidária, que levaram consigo no
plano autárquico, mantendo cumplicidades e apoios. No PSD não há sanção
política para as malfeitorias de quem está ou vem de "dentro", em
contraste com leis da rolha, e hostilidade à livre opinião.
OS ENORMES ESTRAGOS
FEITOS AO PSD (2)
Faça-se a justiça
de dizer que as raízes dessa destruição já vem de antes. Cavaco, Barroso,
Santana Lopes e Menezes ajudaram muito a um processo simultâneo de
aparelhizaçao e descaraterização política do partido, que de um modo geral
actuam em conjunto. Perda
de identidade política-ideológica, de modo a abrir caminho a todas as manobras
de sobrevivência do aparelho e às suas carreiras, é um processo que caminha a
par e par. A tentação que Loureiro passou a Cavaco de um discurso de back
to basics, de "Deus, Pátria e Família", o culto de personalidade
pessoal do "menino guerreiro", a displicência de Barroso e Lopes com
um PSD classificado como de "direita", são precursores do processo de
revisão constitucional de Teixeira Pinto / Passos Coelho, e do abandono flagrante
de toda a tradição social-democrata no PSD de Passos.
Tudo se abandonou:
desde a noção meta-política da "dignidade humana", ao valor ético do
trabalho, substituídos por um discurso economês e uma prática de voltar costas
à classe média, esteio do partido, e ao seu core de self made
man, entregues ao desemprego estrutural, à destruição do tecido das pequenas e
médias empresas, e a todos os mecanismos que deveriam garantir, na tradição
social-democrata, a mobilidade social para cima e não o empobrecimento para
baixo. Se se tratasse apenas de identificar um processo tido como inevitável,
ou uma impotência de momento, não se admitiria, mas compreenderia. Mas não,
este "ajustamento" é visto como uma simultânea punição da classe
média e um instrumento de "libertação" da sociedade que nada mais é
do que uma co-gestão governativa com a troika e a banca, cuja única
racionalidade é a interiorização dos interesses dos credores. Do programa
genético do PSD, ou da sua tradição com origem a Sá Carneiro, já quase que não
há nada no topo do partido. Estamos no período do "programa da troika é o
programa do PSD", como disse Passos. Mas não é.
OS ENORMES ESTRAGOS
FEITOS AO PSD (3)
As excepções a este
processo de aparelhização, umas indo mais longe, outras não, foram Marcelo,
Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite. De todos eles, foi Marcelo que tomou
as medidas mais profundas, permitindo e incentivando a "refiliação"
conduzida por Rio. Este processo foi o único momento na história partidária dos
últimos vinte anos em Portugal em que, de forma consciente e deliberada, se
tentou pôr termo ao processo de aparelhização dos partidos, cujos efeitos perversos
para a democracia estão hoje à vista de todos. Marcelo acabou por ceder às
pressões de Menezes e Valentim Loureiro, e dos seus aliados no interior do PSD
e, pouco a pouco, todas as medidas de moralização partidária e de
"verdade" interna, acabaram por ser travadas e depois diluídas, delas
nada restando.
Marques Mendes, que
vinha do aparelho e o conhecia muito bem, também compreendeu que o caminho que
o PSD estava a tomar o afastaria da sociedade e sabia que a sucessão de casos
de corrupção, principalmente a nível autárquico, eram devastadoras para a
imagem nacional do PSD. O autarca X ou Y podia ganhar todas as eleições
possíveis, mas fazia enormes danos à credibilidade nacional do partido e
fazia-o perder muito mais votos a nível nacional. Mesmo que fosse apenas por um
cálculo político de perdas e vantagens, - e não foi, - Mendes não agravou a
situação, bem pelo contrário. Acabou por cair, pelas mãos de Menezes, que foi o
desastre de todos conhecido, e o verdadeiro símbolo da "honra perdida"
do PSD.
Manuela Ferreira
Leite não foi, em matéria partidária, reformista, não só porque teve pouco
tempo, estava cercada por uma fracção organizada por Menezes, Relvas e Passos
Coelho mas também porque tinha o seu aparelho manchado de vícios de
aparelhismo. Mas Manuela Ferreira Leite supriu essa limitação por um discurso
nacional corajoso, anti-situacionista e que "deu razão" ao PSD no
plano político.
OS ENORMES ESTRAGOS
FEITOS AO PSD (4)
Está o PSD
irremediavelmente perdido no seu papel histórico na sociedade e espaço político
português como partido do centro-esquerda e centro-direita, associando numa
combinação única em Portugal, o liberalismo político, o personalismo, e a ideia
de justiça social, apoiado no dinamismo social da classe média e na mobilidade
vertical da pobreza para uma vida digna, e dentro dessa vida digna numa
melhoria constante de expectativas, um partido de tradição reformista,
moderado, laico, patriótico sem ostentação nacional, europeu sem ser
europeísta, com que milhões de portugueses muitas vezes se identificaram? Penso
que ainda não, mas os riscos são muitos. Mas uma coisa é para mim certa: todos
os que votaram o "louvor" a Relvas estão activamente a cavar-lhe a
sepultura.
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