sábado, 20 de abril de 2013

Portugal: PSD, UMA “SEITA FECHADA PARA OS SEUS” – escreve Pacheco Pereira




José Pacheco Pereira - Abrupto

OS ENORMES ESTRAGOS FEITOS AO PSD (1)

Como Sócrates fez ao PS, mas agora numa dimensão muito mais vasta, o governo Passos Coelho, construído por Relvas, e comandado por Gaspar, está a destruir o PSD para muitos e bons anos. O recente voto de louvor aprovado quase por unanimidade a Miguel Relvas é um exemplo do divórcio dos dirigentes do partido com o país, um verdadeiro acto de seita fechada para os "seus", sem nenhuma consideração com o que o pensam os portugueses e muitos e muitos milhares de militantes e simpatizantes do PSD. 

O sinal é que quando se está "dentro" e se vem de "dentro", pode-se fazer o que se quiser sem qualquer sanção, bem pelo contrário, com louvor. Dias Loureiro, Duarte Lima, Arlindo de Carvalho, nunca foram, nem serão sancionados por dentro, onde todos puderam manter carreiras políticas mesmo depois de haver uma severa condenação pública aos seus actos, antes ou depois de haver consequências legais. As excepções como Isaltino de Morais, ou Valentim Loureiro, não os divorciaram da sua base partidária, que levaram consigo no plano autárquico, mantendo cumplicidades e apoios. No PSD não há sanção política para as malfeitorias de quem está ou vem de "dentro", em contraste com leis da rolha, e hostilidade à livre opinião.

OS ENORMES ESTRAGOS FEITOS AO PSD (2)

Faça-se a justiça de dizer que as raízes dessa destruição já vem de antes. Cavaco, Barroso, Santana Lopes e Menezes ajudaram muito a um processo simultâneo de aparelhizaçao e descaraterização política do partido, que de um modo geral actuam em conjunto. Perda de identidade política-ideológica, de modo a abrir caminho a todas as manobras de sobrevivência do aparelho e às suas carreiras, é um processo que caminha a par e par. A tentação que Loureiro passou a Cavaco de um discurso de back to basics, de "Deus, Pátria e Família", o culto de personalidade pessoal do "menino guerreiro", a displicência de Barroso e Lopes com um PSD classificado como de "direita", são precursores do processo de revisão constitucional de Teixeira Pinto / Passos Coelho, e do abandono flagrante de toda a tradição social-democrata no PSD de Passos. 

Tudo se abandonou: desde a noção meta-política da "dignidade humana", ao valor ético do trabalho, substituídos por um discurso economês e uma prática de voltar costas à classe média, esteio do partido, e ao seu core de self made man, entregues ao desemprego estrutural, à destruição do tecido das pequenas e médias empresas, e a todos os mecanismos que deveriam garantir, na tradição social-democrata, a mobilidade social para cima e não o empobrecimento para baixo. Se se tratasse apenas de identificar um processo tido como inevitável, ou uma impotência de momento, não se admitiria, mas compreenderia. Mas não, este "ajustamento" é visto como uma simultânea punição da classe média e um instrumento de "libertação" da sociedade que nada mais é do que uma co-gestão governativa com a troika e a banca, cuja única racionalidade é a interiorização dos interesses dos credores. Do programa genético do PSD, ou da sua tradição com origem a Sá Carneiro, já quase que não há nada no topo do partido. Estamos no período do "programa da troika é o programa do PSD", como disse Passos. Mas não é.

OS ENORMES ESTRAGOS FEITOS AO PSD (3)

As excepções a este processo de aparelhização, umas indo mais longe, outras não, foram Marcelo, Marques Mendes e Manuela Ferreira Leite. De todos eles, foi Marcelo que tomou as medidas mais profundas, permitindo e incentivando a "refiliação" conduzida por Rio. Este processo foi o único momento na história partidária dos últimos vinte anos em Portugal em que, de forma consciente e deliberada, se tentou pôr termo ao processo de aparelhização dos partidos, cujos efeitos perversos para a democracia estão hoje à vista de todos. Marcelo acabou por ceder às pressões de Menezes e Valentim Loureiro, e dos seus aliados no interior do PSD e, pouco a pouco, todas as medidas de moralização partidária e de "verdade" interna, acabaram por ser travadas e depois diluídas, delas nada restando. 

Marques Mendes, que vinha do aparelho e o conhecia muito bem, também compreendeu que o caminho que o PSD estava a tomar o afastaria da sociedade e sabia que a sucessão de casos de corrupção, principalmente a nível autárquico, eram devastadoras para a imagem nacional do PSD. O autarca X ou Y podia ganhar todas as eleições possíveis, mas fazia enormes danos à credibilidade nacional do partido e fazia-o perder muito mais votos a nível nacional. Mesmo que fosse apenas por um cálculo político de perdas e vantagens, - e não foi, - Mendes não agravou a situação, bem pelo contrário. Acabou por cair, pelas mãos de Menezes, que foi o desastre de todos conhecido, e o verdadeiro símbolo da "honra perdida" do PSD. 

Manuela Ferreira Leite não foi, em matéria partidária, reformista, não só porque teve pouco tempo, estava cercada por uma fracção organizada por Menezes, Relvas e Passos Coelho mas também porque tinha o seu aparelho manchado de vícios de aparelhismo. Mas Manuela Ferreira Leite supriu essa limitação por um discurso nacional corajoso, anti-situacionista e que "deu razão" ao PSD no plano político.

OS ENORMES ESTRAGOS FEITOS AO PSD (4)

Está o PSD irremediavelmente perdido no seu papel histórico na sociedade e espaço político português como partido do centro-esquerda e centro-direita, associando numa combinação única em Portugal, o liberalismo político, o personalismo, e a ideia de justiça social, apoiado no dinamismo social da classe média e na mobilidade vertical da pobreza para uma vida digna, e dentro dessa vida digna numa melhoria constante de expectativas, um partido de tradição reformista, moderado, laico, patriótico sem ostentação nacional, europeu sem ser europeísta, com que milhões de portugueses muitas vezes se identificaram? Penso que ainda não, mas os riscos são muitos. Mas uma coisa é para mim certa: todos os que votaram o "louvor" a Relvas estão activamente a cavar-lhe a sepultura.

Leia também em Abrupto

Sem comentários:

Mais lidas da semana