Tomás Vasques –
Jornal i, opinião
Este governo está
esgotado, mas vai manter a mesma linha de afundamento do país, com custos
pesados para Portugal
O governo colheu,
em três dias, a grande tempestade formada pelos ventos que andou a semear
durante quase dois anos. Na quarta-feira, o PS formalizou, através da
apresentação de uma moção de censura, a ruptura completa com o rumo escolhido
por Vítor Gaspar e Passos Coelho para o país tirar o pé da lama. Para trás,
ficaram os tempos, não muitos distantes, da “abstenção violenta” com que o
maior partido da oposição votou o Orçamento do Estado de 2012 ou a recusa de
António José Seguro em envolver-se no pedido de inconstitucionalidade de normas
do orçamento do ano anterior. Este distanciamento do PS foi, em grande parte,
motivado pela arrogância do governo. Na quinta-feira, Miguel Relvas, o homem
que transportou ao colo Passos Coelho até à liderança do PSD e, depois, até
primeiro-ministro, como o próprio afirmou, e que tinha por missão coordenar o
governo, foi obrigado, literalmente, a demitir-se por causa das irregularidades
da “sua vida académica”, apesar das patéticas justificações que engendrou numa
conferência de imprensa. Foi Passos Coelho que deixou arrastar, até apodrecer,
o “caso Relvas”. Finalmente, na sexta-feira, como era previsível, para a
generalidade da opinião pública e publicada, sobretudo tendo em conta decisões
anteriores, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade de
algumas normas do Orçamento do Estado em vigor. O Orçamento é da competência do
governo, o Tribunal apenas verifica a sua conformidade com a lei, aliás a
pedido, entre outros, pelo próprio Presidente da República. Se o governo já
estava moribundo, sobrevivendo com a respiração boca a boca feita por Paulo
Portas e ligação ao ventilador de Belém, a partir de sábado entrou em estado de
coma.
A declaração de
inconstitucionalidade de algumas normas do Orçamento do Estado, que
paradoxalmente, parece ter apanhado o governo desprevenido, tem vários méritos,
sobretudo na situação em que vivemos e no estado em que a Europa se encontra. Primeiro, revela uma prova de vida da nossa democracia, apesar das suas
debilidades estruturais, que tanto se devem a governantes, que tomam o freio
nos dentes como se o acto eleitoral legitimasse todos os desmandos, como a
governados que abdicam dos seus direitos e deveres de participação democrática
na vida pública; segundo, é uma excelente oportunidade para o governo mudar a
política da “austeridade custe a quem custar”, que nos pauperiza em vão,
afastando-nos cada vez mais do cumprimento dos nossos compromissos
internacionais; terceiro, mostra à Alemanha (e ao FMI) que não chega ter uma duquesa
de Mântua do agrado de Berlim para fazer da lei alemã a nossa cartilha; é
preciso, também, que a medida do ajustamento que nos é exigido se conforme com
a legalidade democrática e com a Constituição da República portuguesa, com o
mesmo respeito que o governo alemão tem pela sua Constituição. Só assim é
possível a difícil situação em que nos encontramos.
Contudo, é
preocupante que um governo - este ou qualquer outro - num Estado democrático,
perante uma decisão do Tribunal Constitucional, em linha com jurisprudência já
firmada, sacuda a água do capote e atribua a outros responsabilidades que só ao
governo cabem, como se o Orçamento tivesse sido elaborado no Palácio Ratton ou
como se a nossa Carta Magna fosse alinhavada nas reuniões da troika com o ministro
das Finanças. A encenação dramática feita pelo governo, no sábado, correndo
para Belém, e a declaração do primeiro-ministro, no Domingo à tarde, atribuindo
ao Tribunal Constitucional todos os males dos insucessos do governo, revelam
bem a incapacidade do governo reconhecer o falhanço das suas políticas e de ter
ignorado, com arrogância, por mais de uma vez, a Constituição da República,
numa tentativa de a alterar por “facto consumado”.
Este governo está
esgotado, mas vai manter a mesma linha de afundamento do país, com custos
pesados para Portugal. Nesta situação, o que de pior nos pode acontecer é o
líder do maior partido da oposição cair na tentação de repetir a fábula que
Passos Coelho contou ao país, em 2011: que eleições antecipadas e um novo
governo seriam suficientes para resolver a crise financeira e económica em que
nos encontramos. Portugal precisa de um novo governo, mas sobretudo de soluções
realistas e consistentes.
Jurista. Escreve à
segunda-feira
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