Rodolpho Motta Lima
– Direto da Redação
Volto ao assunto da
coluna anterior, porque ele é mesmo instigante. É interessante verificar como
incomoda a alguns a simples menção às categorias “esquerda” e “direita” no
campo da política. Mais interessante ainda é perceber que a reação quase sempre
parte daqueles que, pelo que pensam e praticam, seriam de direita...
É uma discussão
estéril, concordo, mas por motivos diferentes dos normalmente levantados. Em
países considerados modelares por esses mesmos críticos , a terminologia
esquerda x direita, com suas variações, é empregada sem os traumas que provoca
aqui. Então, é mesmo uma discussão estéril, porque não há como negar o óbvio.
Há – e desde sempre – no Brasil e no mundo, pensamentos e atitudes de esquerda
e de direita, em maior ou menor profundidade, gerando maiores ou menores
consequências. Os termos remontam à Revolução Francesa: os Girondinos, à
direita no plenário da Assembleia nacional, representavam os nobres e os
burgueses ricos; os Jacobinos, sentados à esquerda, eram representantes da pequena
burguesia e do povo. Mas as duas posturas ideológicas vêm de muito antes.
Não sei se ajuda
como argumento mencionar as recentes declarações do ministro Joaquim Barbosa, o
herói da vez na mídia, afirmando, na Costa Rica, que, em nosso país, os três
maiores jornais impressos são , todos eles, “mais ou menos inclinados para
a direita no campo das ideias”. De onde será que ele tirou essa palavra? E
como chegou a essa conclusão?
Mencionei o
adjetivo “ideológicas”, porque é mesmo disso que se trata: ideologia, ou seja,
um conjunto de ideias (ou ideais?) que as pessoas acabam assumindo em função da
visão do mundo que absorveram, dos valores que aprenderam, das vivências que
experimentaram. Todos precisam de uma ideologia pra viver (e não apenas o
Cazuza), e mesmo os que a recusam já assumem uma, no ato mesmo de recusá-la...
Em cada momento, em
cada lugar, as posições de esquerda e de direita podem até apresentar
variações, nuances, matizes. Mas há sempre como enxergar os dois campos. E não
é, seguramente, desqualificando um dos dois com a análise de processos de
corrupção (um certo “corruptômetro” que anda por aí), que iremos separar os
dois lados. Se esse ou aquele político de esquerda é corrompido, esse ou aquele
político de direita também o é. Se funcionários de órgãos públicos cedem às
propinas, empresários da iniciativa particular é que os compram...
O destaque que se
dá a um ou outro desses lados corre por conta dos interesses de quem destaca.
No Brasil, por exemplo, a tal mídia de direita apontada pelo Presidente do STF
destaca os erros da esquerda e omite os da direita a que pertence. Por esse
caminho, então, não chegamos a lugar algum, a não ser à convicção de que a
corrupção é nefasta, onde existir, e deve ser combatida. E que valeria a pena
discutir que tipo de sociedade é essa que, calcada no lucro e nos valores
materiais, gera, a todo momento, fraudes, negociatas e corrupção...
Se quisermos
realmente qualificar posturas de direita e de esquerda, temos que verificar
como as pessoas se posicionam, por exemplo, frente ao capital e ao trabalho.
Não é interessante verificar que ruralistas e latifundiários se autointitulam e
são rotulados pela mídia como membros das “classes produtoras”? Onde ficam os
que realmente produzem, os trabalhadores do campo, explorados e às vezes
escravizados? Dependendo de para onde façamos pender a nossa “balança
ideológica”, seremos, sim, de direita ou de esquerda.
Quem aceita, por
exemplo, passivamente, o rótulo de “consumidor” e não percebe a gradativa
ascendência dessa palavra sobre o nome “cidadão”, seguramente está absorvendo
valores da direita, do mercado, do consumo individualista a qualquer preço, em
detrimento de valores sociais que se perdem a cada dia... Um problema de
esquerda ou direita, podem crer...
As cotas , e o
posicionamento que se assume sobre elas, são um outro tema que permite a
identificação ideológica. Elas colocam de um lado os que as rejeitam como algo
contrário à “meritocracia”, que não premiaria os “melhores”. Uma espécie de
“seleção natural” que de natural não tem nada, porque esquece,
convenientemente, que o “mérito” , em um país perversamente desigual como o
nosso, já começa no berço, e acaba sendo, com exceções que confirmam a regra,
um mecanismo de perpetuação de elites. Do outro lado, há os que lutam pelas
cotas como instrumento de correção social, um pagamento de dívidas históricas
contraídas pelos poderosos. Direita x esquerda, sem dúvida...
Nessa esteira
haveria muitos outros exemplos. Um, bem emblemático: a bolsa-família. A posição
de direita considera que a bolsa estimula a inércia, uma espécie de “dolce far
niente” dos premiados com as “polpudas” importâncias, um bando de desocupados
que o Governo subsidia... Nada mais perverso do que os bem alimentados ousando
discorrer sobre o problema dos que têm fome, aquela mesma fome que o saudoso
Betinho dizia que “não podia esperar”. O que interessa, para a esquerda, é que
dezenas de milhões de brasileiros saíram da miséria e vão mais longe do que
isso, muito mais, a julgar pelas recentes notícias que dão conta que 1,3 milhão
de “bolsistas” devolveram a sua bolsa ao Governo porque já conseguem caminhar
com os próprios pés...
Segmentos de
direita podem, aqui e ali, ter posicionamentos mais à esquerda, até por
demagogia. Da mesma forma, por fraqueza ideológica, a esquerda pode ter
momentos de direita. Não devia ser assim, mas acontece. Mais cedo ou mais tarde,
essa confusão de quem entra em contradição com a própria visão do mundo pode
provocar irreversíveis problemas de consciência. Nesse quesito, felizmente, e
desde garoto, a minha consciência vai seguindo em paz...
*Advogado formado
pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa
do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições
do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura,
particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do
Brasil.
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