José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Porque é que a
direita se entende facilmente para formar governo? A resposta é simples: porque
tem um programa. Para lá das diferenças de sensibilidade, de linhagem e de
ambição, a direita toda tem um só programa. A facilidade com que se une vem,
aliás, da simplicidade extrema desse programa: contrarreforma, desregulação,
apropriação do Estado para o docilizar no serviço aos donos de sempre de
Portugal.
Esse programa de
direita para o País tem no atual Governo um intérprete de invulgar convicção: o
Governo decide o que decide e faz o que faz não porque "tem que ser",
não porque "o mundo mudou e temos de nos adaptar às novas circunstâncias
ainda que não gostemos delas", mas porque assume que quer diminuir os
direitos do trabalho (a começar pelos seus rendimentos), porque assume que os
serviços públicos devem dar lugar a áreas de negócio, porque assume a convicção
de que há democracia a mais em Portugal - a democracia social, económica e
cultural - e que, nesse sentido, o desígnio nacional é mesmo diminuir o espaço
da democracia.
A austeridade é a
pedra de toque desse programa. Cortar salários e pensões, privatizar serviços
públicos, diminuir prestações sociais, flexibilizar a regulação das relações
laborais são os seus eixos. O balanço da sua aplicação está aí: um país mais
pobre, com uma economia mais débil, com um endividamento cada vez maior, com
pessoas desanimadas e desesperançadas, um desemprego gigantesco e uma
precarização sempre mais acentuada das vidas da grande maioria. O que estava
mau há dois anos está hoje bem pior - essa é a avaliação que cada vez mais
gente faz da aplicação do programa da direita para Portugal e para a Europa.
A política de
punhos de renda insistirá na alternância. Mas este programa não comporta
alternância possível. Só alternativa. Essa é a responsabilidade da esquerda:
dar ao País um programa realmente alternativo ao que nos tem governado. O
estado do País e o sofrimento das pessoas não exigem menos do que isso. E ou é
um programa claro, que parta de opções inequívocas, ou é um embuste.
Há duas opções
fundacionais que delimitam o campo da convergência necessária. A primeira é a
de que à austeridade bruta não se opõe austeridade "razoável". Manter
a carga fiscal arrasadora sobre o trabalho e juntar-lhe depois uns salpicos de
políticas sociais para contenção de danos não é alternativa, é um embuste.
Cortar um bocadinho menos no Serviço Nacional de Saúde e desqualificar um bocadinho
menos a escola pública não é alternativa, é um embuste. A segunda opção
delimitadora do espaço da convergência é a de que os compromissos
internacionais não são mais importantes do que os compromissos internos. Pelo
contrário: ou servem para honrar os compromissos internos ou não os queremos. E
para honrar os compromissos com uma vida inteira de descontos dos reformados ou
dos desempregados, para honrar os compromissos com um povo pobre e castigado em
matéria de educação, de saúde ou de habitação, um governo corajoso tem de
denunciar o memorando da troika porque ele serve os interesses dos credores mas
opõe-se à dignidade dos cidadãos. E é para honrar os seus compromissos com as
pessoas que um governo corajoso tem de afastar o País de um pacto orçamental
europeu que, ao impor o diktat do défice zero, proíbe na prática um país como
Portugal de ter democracia social.
É do compromisso
com um programa claro, fundado em escolhas fortes, que se trata cada vez mais.
Todas as convergências que vão neste sentido são importantes. Todas as outras
são criadoras de ruído. E é de clareza e não de ruído que precisamos.
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