Tomás Vasques –
Jornal i, opinião
O aumento do
desemprego continua a sua marcha imparável, dizem as estatísticas, e não cobrem
a totalidade das situações. Desde que este governo tomou posse, quase meio
milhão de portugueses perderam o seu trabalho. Para a dupla que nos pastoreia,
Vítor Gaspar e Passos Coelho, “desemprego” é apenas uma palavra hipocritamente
usada no discurso político ou uma insensível variável numa folha de cálculo –
um amontoado de números no “complexo processo de ajustamento”. No dia-a-dia de
centenas de milhares de portugueses, mais do que a humilhação e a afronta de
não ter trabalho, representa o sofrimento, quase sempre em silêncio, da miséria
onde nunca antes pensaram cair. Rendas ou prestações de casa que não se
conseguem pagar – moradas de família de onde, mais tarde ou mais cedo, serão
despejados, enxotados para casa de familiares, quartos alugados ou barracas;
alimentos ou medicamentos que não se podem adquirir; transportes ou
electricidade que se tornaram bens quase inacessíveis; a educação dos filhos
feita miragem, a dignidade amarrotada e atirada ao lixo e a infelicidade como
horizonte de muitas vidas. Uma morte lenta que, nos próximos anos, crescerá e
atingirá inevitavelmente muitos mais portugueses. Mas o drama não acaba nos
desempregados. Alcança a maioria dos portugueses, trabalhadores com salários
cada vez mais baixos e impostos cada vez mais altos ou reformados e
pensionistas alvos de um Estado predador. Este é o caminho que está traçado aos
países debaixo da mira alemã, entre os quais Portugal se inclui, se esta
podridão política, financeira e económica em que a Europa se atola se mantiver.
Enquanto tudo isto se passa, irremediavelmente, assistimos a um autêntico
bacanal – um festim de despudor e engodo, uma orgia de hipocrisia política dos
membros do governo e dos dirigentes dos partidos que o sustentam. Vítor Gaspar,
o “ministro das finanças da troika”, o emblema do empobrecimento do país, tem o
desplante de ir a Bruxelas falar na importância dos “direitos sociais”. Por sua
vez, o ministro Poiares Maduro, em Florença, fala da “insustentabilidade social
e política” dos custos da austeridade impostas por Berlim. Dias antes, Paulo
Portas, na qualidade de dirigente do CDS--PP, tinha rejeitado a “TSU dos
pensionistas” que o governo, onde é ministro de Estado, se prepara para
aprovar. O lunático ministro Santos Pereira anda, em peregrinação, por
“partidos e parceiros sociais” a vender banha da cobra sob a fórmula de
“crescimento e fomento industrial”. Tudo isto, quando o governo, reunido em
conselho de ministros, no momento em que escrevo, se prepara para aprovar um
plano sem precedentes de austeridade e de despedimento de milhares e milhares
de funcionários públicos, cujas consequências são, exactamente, o
empobrecimento, a destruição da economia e de direitos sociais e a
insustentabilidade social e política do regime. Mas, durante a semana, este
deboche não se ficou por aqui. Carlos Abreu Amorim, vice-presidente do
grupo parlamentar do PSD e candidato à câmara de Gaia, disse que “o tempo
político de Vítor Gaspar terminou”, considerando que as políticas do governo
até agora, que ele, Amorim, aprovou no parlamento, enfermam de uma “visão
tecnocrática afunilada”, opinião corroborada por Marques Mendes, a picareta
falante do PSD, que já atribuiu, com ar sério e sem a mínima noção do ridículo,
em comentário televisivo, o cargo de comissário europeu ao excelentíssimo
ministro das Finanças. Entretanto, Jorge Moreira da Silva, vice-presidente do
PSD já veio pedir explicações a Carlos Abreu Amorim, dizendo que tais declarações
são “do ponto de vista dos princípios, inaceitáveis”. Não se percebe a que
princípios se refere, mas regista-se a esquizofrenia, em regime de
internamento, a que este governo e esta maioria chegaram.
Em Belém, o Presidente participa neste bacanal que corrói Portugal, enquanto
nação, e destrói a dignidade dos portugueses, enquanto povo. É preciso,
rapidamente, inscrever numa lápide: aqui jaz um Presidente, um governo, uma
maioria.
Jurista, escreve à segunda-feira
Sem comentários:
Enviar um comentário