Perícia da Visanet
ficou guardada no inquérito sigiloso e só foi incorporado à AP 470 quase um ano
depois de pronta. Ela poderia ter evitado a aceitação da denúncia contra
Pizzolato pelo STF. Por Maria Inês Nassif, para Jornal GGN e Carta Maior
Maria Inês Nassif -
Jornal GGN e Carta Maior
São Paulo - Um
laudo feito pelo Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, que
fez uma perícia nas contas da Visanet e foi concluído em 20 de dezembro de
2006, não foi tornado público até 14 de novembro do ano seguinte, dois dias
depois da publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) que
oficializou a aceitação das acusações do então procurador-geral da República,
Antonio Fernando de Souza, contra os 40 réus do chamado caso do Mensalão. Até
que isso acontecesse, o laudo ficou guardado no Inquérito 2474, mantido sob
sigilo pelo ministro Joaquim Barbosa paralelamente ao Inquérito 2245 – que, a
partir de 12 de novembro de 2007, com a publicação do acórdão, transformou-se
na Ação Penal 470. No ano passado, essa ação condenou 38 dos denunciados.
Barbosa foi o relator dos dois inquéritos.
A base da acusação que resultou na condenação de 40 réus do chamado Mensalão
foi o dinheiro destinado pelo Fundo Visanet de Incentivos para as campanhas
publicitárias do Banco do Brasil, cuja agência era a DNA Propaganda, do
empresário Marcos Valério. Segundo a denúncia do então procurador - acatada por
Joaquim Barbosa em seu voto que, no ano passado, iria condenar os réus - o dinheiro
da Visanet, desviado pela DNA, abasteceu os cofres do Partido dos
Trabalhadores, que teria usado o dinheiro para comprar apoio de partidos ao
governo no Congresso. A pessoa chave do PT nessa história seria Henrique
Pizzolato, diretor de Marketing do BB, condenado por esse crime.
O laudo de 2006, todavia, afirma que os procedimentos de liberação do dinheiro
eram os mesmos desde 2001, dois anos antes de Pizzolato assumir, e não cita o
diretor como responsável por eventuais irregularidades na destinação do fundo.
A comprovação de que o laudo dormiu no inquérito secreto até as denúncias
contra os envolvidos no chamado Mensalão serem aceitas pelo STF é um
requerimento do então procurador ao ministro Joaquim Barbosa. Nele, Souza
solicita ao ministro encaminhar o laudo à Receita Federal e ao delegado da
Polícia Federal, Eduardo de Melo Gama.
“O Procurador-Geral da República vem perante Vossa Excelência, nos autos do
Inquérito no. 2474 [o sigiloso], requerer...”, diz o documento.
Gama é o delegado do Inquérito 4.555/2006, da 12ª. Vara Criminal de Brasília,
que foi aberto contra Cláudio de Castro Vasconcelos, gerente-executivo de
Propaganda do BB à época, que assinou solidariamente com Pizzolato as Notas
Técnicas que condenaram o diretor no STF (junto com os dois, assinaram as notas
o diretor de Varejo e o gerente-executivo de Varejo do BB). Souza enviou o
pedido de inquérito contra Vasconcelos para a Justiça comum e pediu segredo de
Justiça, ao mesmo tempo em que incluía Pizzolato no inquérito que foi para o STF.
O laudo 2828, portanto, em junho de 2007, foi encaminhado do inquérito secreto
do STF para outro inquérito sigiloso, que corre até hoje na 12ª. Vara Criminal
de Brasília e trata da responsabilidade de Vasconcelos sobre a gestão do
dinheiro da Visanet.
O laudo 2828 só vai existir oficialmente, para efeito do inquérito do Mensalão,
em 14 de novembro de 2007. Foi quando o procurador-geral da República mandou
outro requerimento a Barbosa, desta vez dando ciência oficial da existência do
documento, para efeito do inquérito já transformado em Ação Penal. Naquele
momento, não existia mais a possibilidade de a defesa de Pizzolato usar o laudo
em seu favor. O ex-diretor do BB já havia sido denunciado pelo crime.
Além disso, a descrição do documento enviado oficialmente para ser apensado à
AP 470 não guardava nenhuma correspondência com o que o laudo efetivamente
dizia.
O segundo item do requerimento nº 3505-PGR-AF diz respeito ao “Laudo de Exame
Contábil nº 2828/2006-INC”. Na descrição do item, Souza afirma que o documento
“corrobora os fatos descritos na inicial penal acerca das transferências do
Banco do Brasil para a empresa DNA Propaganda Ltda. por Meio da Companhia
Brasileira de Meios de Pagamentos – Visanet”.
E continua: “Em que pese o teor completo ser de leitura obrigatória, ante a
profundidade da análise empreendida, alguns trechos do Laudo Pericial (...)
merecem destaque, pois a imputação feita na denúncia de que Henrique Pizzolato
e Luiz Gushiken beneficiaram a empresa de Marcos Valério, ao fazer adiantamento
de valores sem a devida contraprestação de serviços, foi confirmada pelos dados
levantados”.
Não é o que dizem os auditores do INC-PF. O laudo tem 43 páginas e em nenhuma
delas consta o nome de Pizzolato, ou do então ministro Luiz Gushiken, responsável
pela publicidade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva quando estourou o
escândalo do Mensalão.
O laudo conclui que existem problemas escriturais nas relações entre a Visanet
e a Agência DNA, mas que eles ocorrem em todo o período que compreende a
existência do Fundo de Incentivo, de 2001 a 2005. E que, no período do fato sob
investigação, o responsável pela gestão do fundo era o Gestor do Fundo de
Incentivo, indicado pelo Diretor de Varejo junto ao Fundo de Incentivo Visanet.
No período de 19/8/2002, antes, portanto, da posse do novo governo, até
19/4/2005, pouco antes do escândalo do Mensalão, o responsável era Léo Batista
dos Santos (a tese da procuradoria era a de que o responsável era Pizzolato,
mas o laudo sequer se refere a ele, visto que, quando assumiu a diretoria de
Marketing, Santos já geria o fundo, por indicação do diretor de Varejo).
Cláudio de Castro
O requerimento enviado pelo procurador a Barbosa em maio revela algo mais além
do fato de que o Laudo 2828 ficou guardado em um inquérito sigiloso até que se
formalizasse a aceitação da denúncia contra os acusados do Mensalão. Revela que
Barbosa sabia exatamente qual era a investigação que estava sendo feita pelo
delegado da Polícia Federal, Eduardo de Melo Gama.
Gama era o delegado do Inquérito 4.555/2006, que até hoje tramita na 12ª. Vara
Criminal de Brasília, sob a responsabilidade do juiz Marcus Vinicius Reis
Bastos, contra Cláudio Castro Vasconcelos.
Quando Pizzolato assumiu a Diretoria de Marketing do BB, em fevereiro de 2003,
Vasconcelos já era gerente-executivo de Publicidade. Ele, Pizzolato, o diretor
de Varejo, na época Fernando Barbosa de Oliveira, e o gerente-executivo de
Varejo Douglas Macedo assinaram juntos, solidariamente, no período de 2003 a
2004, quatro Notas Técnicas com recomendação de veiculação publicitária ou
patrocínio com o dinheiro do Fundo de Incentivo Visanet. Essas notas técnicas
foram tomadas por Barbosa como provas de que Pizzolato havia favorecido a DNA
(embora as notas tivessem poder apenas indicativo) e o ex-diretor do BB foi
condenado por causa delas.
A existência de um representante legal do BB junto ao Fundo de Incentivo
Visanet e de decisão colegiada, com a participação de mais três gestores do BB
na assinatura das Notas Técnicas (configuração de coautoria), foi afirmado pela
defesa de Pizzolato e objeto de arguição por Joaquim Barbosa no momento da
sustentação oral do seu advogado no julgamento. Sobre este ponto, a decisão de
Joaquim Barbosa não tece uma linha sequer, nem para dizer que não é verdadeira
a tese da defesa.
Antonio Fernando de Souza incluiu Pizzolato no inquérito e mandou para a
Justiça de Brasília a denúncia contra Vasconcelos sob o fundamento de que este
não detém prerrogativa de foro. A base da acusação é a mesma: a assinatura das
notas técnicas (co-autoria). E foi para esse inquérito que pediu a remessa do
Laudo 2828 para o delegado responsável pelo inquérito contra Vasconcelos.
Na sessão de 17 de dezembro do ano passado, sobre um agravo interposto pela
defesa de Pizzolato para ter acesso ao processo que tramita em segredo de
Justiça em Brasília, o ministro Marco Aurélio Mello perguntou se o objeto era o
mesmo da Ação Penal 470. Barbosa respondeu: “Ele (advogado) acha que sim”. Mas
o ministro sabia a resposta.
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