Desde o início dos
anos 90, com o conflito da Irlanda do Norte, que o Reino Unido não sofria uma
condenação tão inequívoca de sua política de direitos humanos. E o informe não
se limita aos casos de tortura, mas se estende ao sistema legal britânico, à polêmica
reforma da Justiça e do asilo político. Governo considera que Convenção contra
a Tortura se aplica no interior do Reino Unido, mas não a britânicos que vivem
fora do país. Por Marcelo Justo, de Londres.
Marcelo Justo - Carta Maior
Londres - O Comitê
contra a Tortura, da Organização das Nações Unidas, criticou duramente a
política de direitos humanos do Reino Unido desde os atentados de 11 de
setembro de 2011. “O Comitê está seriamente preocupado ante o crescente número
de denúncias de tortura e maus tratos como parte da intervenção no Iraque e
Afeganistão”, assinalou o Comitê que exigiu uma investigação pública sobre o
tema.
O Comitê deu ao governo de David Cameron um prazo de 12 meses para explicar as medidas que adotará a respeito das conclusões do informe publicado na última sexta-feira. O Ministério da Justiça britânico emitiu um comunicado no qual negou que o governo “torture, incentive ou perdoe o uso da tortura” e assinalou que estava analisando “as recomendações”.
O certo é que desde o início dos anos 90, com o conflito da Irlanda do Norte como pano de fundo, que o Reino Unido não sofria uma condenação tão inequívoca de sua política de direitos humanos. E o informe não se limita aos casos de tortura, mas se estende ao sistema legal britânico, à polêmica reforma da Justiça e do asilo político.
O Comitê contra a Tortura da ONU criticou o governo por não investigar as denúncias de tortura e, nas escassas oportunidades em que o fez, pela benevolência dos julgamentos dos supostos responsáveis. Um exemplo citado é a corte marcial que se seguiu às denúncias jornalísticas pelo assassinato, em 2003, de um empregado de hotel, Baha Moussa, em Basra, no Iraque, que terminou com seis absolvições e um ano de condenação para um soldado que admitiu sua participação em “trato desumano”.
Um segundo caso de investigação pública, a tortura, mutilação e assassinato de vários detidos depois de uma batalha no sul do Iraque, em 2004, começou só agora em março e o resultado deve ser publicado no final de 2014. Essa data, porém, é provisória e, muito provavelmente, dependa das conclusões e considerações político-diplomáticas. Nestes casos, a demora ou postergação é habitual. O primeiro ministro David Cameron não publicou ainda um informe que recebeu há mais de nove meses sobre a participação britânica em casos de tortura e nos chamados voos de rendição (transporte secreto de prisioneiros).
O informe, preparado por um juiz aposentado, Sir Peter Gibson, deveria servir para uma investigação que o próprio primeiro-ministro ordenou logo depois de assumir o governo em maio de 2010. Desde então foi ficando cada vez mais claro que a intervenção britânica nos voos secretos foi muito mais ampla do que se pensava. O “The Rendition Project” – uma página interativa que desenha um mapa dos voos de “rendição” – identificou 1622 voos que aterrissaram ou partiram do Reino Unido como parte da “luta contra o terrorismo” da CIA. Neste contexto, o Comitê contra a Tortura lamentou que “o governo resista a uma investigação pública sobre a tortura e não estabeleça uma cadeia de responsabilidades em nível político e militar”.
O Comitê identificou cláusulas especiais no sistema judicial britânico que servem como via de escape para as obrigações contraídas ao incorporar a legislação contra a tortura em 1988. Uma cláusula estipula que um britânico não será julgado por tortura sempre que “possa mostrar uma autorização legal, justificação ou desculpa”. O governo britânico procurou minimizar a importância dessa cláusula dizendo que nunca ninguém a havia invocado, mas para a ONU isso se deve a que outra lei, a dos serviços de inteligência, de 1994, protege em termos semelhantes a qualquer britânico. Mais preocupante ainda, o governo considera que a Convenção contra a Tortura se aplica no interior do Reino Unido, mas não a britânicos que vivem fora do país.
O Comitê também atacou a política de silo que levou o governo a devolver refugiados para Sri Lanka que foram posteriormente torturados. O informe mostrou sua preocupação com a reforma da Justiça que entra em vigor em julho e que poderá permitir a utilização judicial de testemunhos obtidos sob tortura. Entre as recomendações do Comitê ao governo britânico está a capacitação de efetivos militares e de segurança com cursos de direitos humanos que mostrem que a tortura está absolutamente proibida, um novo manual para oficiais de inteligência sobre interrogatórios e que não sejam levadas em conta as promessas “pouco efetivas e confiáveis” de países sobre a tortura de refugiados deportados.
Tradução: Katarina Peixoto
O Comitê deu ao governo de David Cameron um prazo de 12 meses para explicar as medidas que adotará a respeito das conclusões do informe publicado na última sexta-feira. O Ministério da Justiça britânico emitiu um comunicado no qual negou que o governo “torture, incentive ou perdoe o uso da tortura” e assinalou que estava analisando “as recomendações”.
O certo é que desde o início dos anos 90, com o conflito da Irlanda do Norte como pano de fundo, que o Reino Unido não sofria uma condenação tão inequívoca de sua política de direitos humanos. E o informe não se limita aos casos de tortura, mas se estende ao sistema legal britânico, à polêmica reforma da Justiça e do asilo político.
O Comitê contra a Tortura da ONU criticou o governo por não investigar as denúncias de tortura e, nas escassas oportunidades em que o fez, pela benevolência dos julgamentos dos supostos responsáveis. Um exemplo citado é a corte marcial que se seguiu às denúncias jornalísticas pelo assassinato, em 2003, de um empregado de hotel, Baha Moussa, em Basra, no Iraque, que terminou com seis absolvições e um ano de condenação para um soldado que admitiu sua participação em “trato desumano”.
Um segundo caso de investigação pública, a tortura, mutilação e assassinato de vários detidos depois de uma batalha no sul do Iraque, em 2004, começou só agora em março e o resultado deve ser publicado no final de 2014. Essa data, porém, é provisória e, muito provavelmente, dependa das conclusões e considerações político-diplomáticas. Nestes casos, a demora ou postergação é habitual. O primeiro ministro David Cameron não publicou ainda um informe que recebeu há mais de nove meses sobre a participação britânica em casos de tortura e nos chamados voos de rendição (transporte secreto de prisioneiros).
O informe, preparado por um juiz aposentado, Sir Peter Gibson, deveria servir para uma investigação que o próprio primeiro-ministro ordenou logo depois de assumir o governo em maio de 2010. Desde então foi ficando cada vez mais claro que a intervenção britânica nos voos secretos foi muito mais ampla do que se pensava. O “The Rendition Project” – uma página interativa que desenha um mapa dos voos de “rendição” – identificou 1622 voos que aterrissaram ou partiram do Reino Unido como parte da “luta contra o terrorismo” da CIA. Neste contexto, o Comitê contra a Tortura lamentou que “o governo resista a uma investigação pública sobre a tortura e não estabeleça uma cadeia de responsabilidades em nível político e militar”.
O Comitê identificou cláusulas especiais no sistema judicial britânico que servem como via de escape para as obrigações contraídas ao incorporar a legislação contra a tortura em 1988. Uma cláusula estipula que um britânico não será julgado por tortura sempre que “possa mostrar uma autorização legal, justificação ou desculpa”. O governo britânico procurou minimizar a importância dessa cláusula dizendo que nunca ninguém a havia invocado, mas para a ONU isso se deve a que outra lei, a dos serviços de inteligência, de 1994, protege em termos semelhantes a qualquer britânico. Mais preocupante ainda, o governo considera que a Convenção contra a Tortura se aplica no interior do Reino Unido, mas não a britânicos que vivem fora do país.
O Comitê também atacou a política de silo que levou o governo a devolver refugiados para Sri Lanka que foram posteriormente torturados. O informe mostrou sua preocupação com a reforma da Justiça que entra em vigor em julho e que poderá permitir a utilização judicial de testemunhos obtidos sob tortura. Entre as recomendações do Comitê ao governo britânico está a capacitação de efetivos militares e de segurança com cursos de direitos humanos que mostrem que a tortura está absolutamente proibida, um novo manual para oficiais de inteligência sobre interrogatórios e que não sejam levadas em conta as promessas “pouco efetivas e confiáveis” de países sobre a tortura de refugiados deportados.
Tradução: Katarina Peixoto
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