Rui Peralta, Luanda
I - O Presidente da
Republica de Angola foi entrevistado pela estação portuguesa SIC. A entrevista
conduzida por Henrique Cymerman desenrolou-se com o mínimo de formalidade e
onde o Presidente José Eduardo dos Santos, apresentou-se descontraído e manteve
com o entrevistador momentos de um bom diálogo e de alguma interacção, coisa
nem sempre fácil de obter nas entrevistas com responsáveis máximos dos estados.
O Presidente da
Republica de Angola explicou de forma concisa e com precisão o actual momento
que atravessa o país, nesta fase da reconstrução nacional, os objectivos
fundamentais e estratégicos do executivo angolano, as concretizações e o muito
que ainda há para concretizar. Referiu também o posicionamento político do
MPLA, no quadro politico geral actual e o respectivo posicionamento político do
executivo saído das eleições de 2012.
Revelou, o
presidente, uma imagem de governante responsável, que actua dentro do quadro
constitucional angolano, empenhado no desenvolvimento e progresso da nação e
nas políticas socias criadoras do bem-estar do povo angolano. Não escondeu o
muito que há para realizar, assumindo uma posição e um discurso realista.
Esta imagem e
atitude do Presidente José Eduardo dos Santos são conhecidas e reconhecidas
pela grande maioria do povo angolano, que confia no seu presidente, de forma
redundante, conforme tem sido demonstrado nos actos eleitorais, onde o
Presidente e o MPLA têm obtido vitórias decisivas e maiorias absolutas. Mas
esta atitude e imagem, que inspira a confiança da grande maioria dos angolanos,
não são conhecidas no estrangeiro, principalmente na U.E. onde as campanhas de
intoxicação contra a Republica de Angola continuam a ser intensas e a confundir
a opinião pública internacional.
É, assim,
importante esta entrevista, no sentido em que transmite uma imagem do
presidente angolano que não é comum ser passada á opinião pública
internacional. Uma imagem de um governante confiante, comprometido com as
políticas de desenvolvimento, atento á realidade social e á satisfação das
necessidades do povo angolano. Mas também a de um homem que assume a sua
cidadania plena, que não está encerrado numa torre de marfim e que convive com
os outros cidadãos enquanto cidadão, um angolano entre angolanos, um cidadão
consciente dos seus deveres e cioso dos seus direitos, descontraído, simples e
que gosta de rir.
II - Não faz
sentido algum que os jornalistas angolanos sintam-se insultados, por a
entrevista ter sido cedida á estação privada portuguesa. É demonstrativo de uma
motivação xenófoba a acusação de que o responsável máximo do Estado angolano
tenha preferido um órgão de comunicação estrangeiro, em detrimento da
comunicação social nacional. Mas ser a Voz da América a expressar a “indignação”
dos jornalistas nacionais, “insultados” pela entrevista presidencial á
comunicação portuguesa raia o absurdo, o “political nonsense”.
Aliás as leituras
efectuadas por diversos sectores minoritários da sociedade angolana pautam-se
por este estrito sentido político absurdo e acrítico. Abel Chivukuvuku, por
exemplo, líder da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação
Eleitoral (CASA-CE, uma dissensão da UNITA) concluiu da entrevista que o
presidente angolano deu mostras que “está no poder para ficar ali toda a vida”.
Mais á frente o líder da CASA-CE, referiu que “teria sido melhor que o
presidente tivesse falado á comunicação social angolana” (estas declarações,
curiosamente, foram feitas á LUSA) . Depois referiu que o presidente demonstrou
que não tinha projecto para o país e que vive numa Angola Irreal (Abel passou
do conceito da Angola Profunda, de que foi porta-voz , ao da Angola Irreal, a
Angola vista pelo poder, de maneira que só ele, Abel, o que defendeu a
“somalização” de Angola, é o único que conhece a profunda realidade angolana).
Portanto para Abel
Chivukuvuku a entrevista revelou um “vazio”, que o presidente é “autoritário”,
concentra em si todas as decisões e não tem “convicções democráticas”. Quando
li estas declarações do líder da CASA-CE, pensei que ele estaria a falar de
alguma outra entrevista concedida pelo PR angolano, mas depois verifiquei que
estava a falar da mesma entrevista que eu vi. Falei com alguns amigos que
tinham gravado a entrevista e revia-a várias vezes, não conseguindo nela encontrar
as “maleitas” referidas por Abel Chivukuvuku: o vazio, a ausência de convicções
democráticas, o autoritarismo, a ansia de poder, etc. Terão sido alucinações?
Decidi concluir, a
bem da questão, que as alucinações do Abel são consequência da mudança de conceitos:
do conceito vagamente fascizante da Angola Profunda - chavão politico e farol
iluminado dos senhores da guerra, preconizadora da “somalização” - para o
conceito “modernaço” com sabor a marketing barato, a pretender dar uma noção de
“Matrix” e “tecno-politica”, da Angola Irreal - a Angola que, segundo Abel, é
distorcida pelo poder - é uma conversão de respeito e que revela o esforço do
mano Abel em acompanhar as alterações verificadas na política internacional da
Casa Branca, de Bush para Obama.
Mudam-se os amos,
mudam-se os discursos (e por vezes, a vontade).
III - Este deserto
de ideias por parte da oposição e a ausência de espirito crítico, são uma das
maiores preocupações para a democracia política angolana e o maior obstáculo ao
seu aprofundamento. Ouve três pontos essenciais nesta entrevista, que são
reveladores das dificuldades com que a democracia angolana se debate. São eles:
o combate á pobreza, a corrupção e o aprofundamento do processo democrático
constitucional, que na entrevista foi abordado, entre outros exemplos, pela
questão sobre os “protestos”.
Estes três factores
estão interligados, interagem e são culminantes para o desenrolar de uma
estratégia de desenvolvimento. O combate á pobreza é uma frente ampla, que a
práctica e a História demonstram ser um processo de longa duração, nem sempre
dependente das performances económicas nacionais, muitas vezes causados por
factores e fenómenos da economia-mundo e onde a boa vontade não conta.
Não é um combate
que seja ganho apenas pela aplicação de políticas distributivas ou
redistributivas, embora estas sejam uma componente da solução. Mas estas
políticas, que são uma pequena parte da solução, obrigam a um aparelho fiscal e
a uma política fiscal que não podem ser construídas, arquitectadas no curto ou
no médio-prazo, difíceis de concretizar num país como Angola, que viveu mais de
4 décadas de guerra, cerca de 5 séculos espezinhado pelo colonialismo e que
tenta livrar-se das armadilhas neocoloniais, que foram minando o funcionamento do
aparelho central da nação.
Ora, o cavalo de
troia do neocolonialismo é a corrupção. E aqui entramos na outra vertente do
assunto. O combate á corrupção é, também ele, uma frente ampla, um combate de
longa duração, uma guerra prolongada, travada a vários níveis da estrutura
social e que passa por múltiplas e diversificadas medidas, politicas,
procedimentos e fases. É que a corrupção é um fenómeno que se estende pelas
superestruturas e que adquire, raízes, hábitos, e que torna-se cultura.
E aqui entramos no
terceiro ponto, no aprofundamento democrático e na praxis do mecanismo
constitucional, o contracto social, garante das liberdades e dos direitos e
baliza das obrigações reciprocas entre o cidadão e o Estado. São as reformas
necessárias ao aparelho de Estado, são as reformas institucionais, são as
garantias de funcionamento dos poderes, é a plenitude constitucional, ou seja a
performance do Estado, a definição dos seus limites e obrigações. A necessidade
de um poder judicial que dê as respostas necessárias às dinâmicas impostas pelo
desenvolvimento e que funcione como fulcro do poder da cidadania. A necessidade
de um poder legislativo, que seja como estrutura representativa, um processador
de procedimentos participativos, pois a soberania popular tem como cerne a
participação e não a representação, que é apenas um mecanismo de equilíbrio. E
por fim a necessidade de um poder executivo que exerça o poder, porque tem como
fonte a soberania popular e o poder é coisa que se exerce, que não se negoceia,
nem se partilha, mas que se assume de forma legítima, pela legitimidade
concedida pela soberania popular. A partilha e a negociação são fontes da
elaboração e da concepção do poder, não do seu exercício.
Estes três vectores
complementam-se e completam-se. Não podemos combater a pobreza se tivermos
índices de corrupção que minam o aparelho central da nação, porque deixamos de
ser nação soberana e se não tivermos um aparelho constitucional que garanta o
contracto social e instituições fortes para cumprir com esse combate. Não
podemos combater a corrupção se os índices de pobreza forem avassaladores e se
não tivermos um Estado legitimado na soberania popular. Não podemos aprofundar
a democracia e aperfeiçoar o funcionamento dos poderes públicos se tivermos um
índice de pobreza destrutivo da soberania popular (base do Estado Democrático)
e se tivermos índices de corrupção elevados, que impedem o exercício da
soberania nacional.
O Presidente José
Eduardo dos Santos abordou todas estas questões, na entrevista em causa, de forma
leve tranquila e séria. Exemplificou-as bem, apresentou o que já foi feito e
nunca deixou de fazer sentir o muito que há por fazer. Até na questão dos “protestos”
o exemplo foi muito bem referido e abordado de forma inteligente, demonstrando
que em Angola não há assuntos tabus.
IV - É evidente que
não há fumo sem fogo e há muita mina na lavra. A riqueza é demasiado
concentrada e esse fenómeno tem muito a ver com a via de desenvolvimento
preconizada e com o crescimento económico. É que as políticas distributivas e
redistributivas ainda são incipientes e a velocidade da sua execução não pode
acompanhar o rápido crescimento do PIB.
Mas mesmo que não o fossem, mesmo que estivessem numa fase avançada de
aplicação e os mecanismos redistributivos estivessem todos a funcionar em
pleno, seria insuficiente para combater essa concentração excessiva, porque na
concentração de riqueza existem dinâmicas que são exclusivas do processo de
globalização.
Por isso saliento
uma referência, que a muitos passou despercebida (pelo menos nos comentários
que li), feita pelo presidente na entrevista: a produção. Este é o ponto
fulcral de qualquer política de desenvolvimento. A produção. A requalificação
dos processos produtivos e dos sectores básicos produtivos, é um processo que
tem ficado para trás. O relançamento das actividades produtivas directas é
crucial para a manutenção da soberania nacional e popular, porque irão implicar
a reapropriação dos recursos e irão introduzir todo um processo de dinâmicas de
trabalho, onde factores como a produtividade, a cultura de trabalho, o
cumprimento de horários, a necessidade de uma mão-de-obra especializada e
disciplinada, etc. constituirão, esse sim, o factor nacional de
desenvolvimento.
Mas para além da
questão da concentração da riqueza em poucas (pouquíssimas) mãos, existem questões que em alguns sectores da comunidade
internacional, são focados diariamente e que poderão constituir calcanhares de
Aquiles da democracia angolana, se não forem vistos e analisados de forma
realista e objectiva. Associado á concentração de riqueza está a pobreza e
associado a ambos a corrupção e pelo conjunto destes factores o problema da
transparência dos negócios. Este é um dos problemas onde muito há para fazer e
muitas prácticas têm de ser alteradas, para mal de uma camada de oportunistas
que durante muitos anos se aproveitaram da situação nacional, da desgraça do
outro, em proveito próprio, utilizando o erário publico a seu belo prazer. É
evidente que essa é uma escumalha que tem de ser levada a julgamento e cujos
bens devem retornar ao erário público,
facto que o Estado de Direito Democrático não deixará passar em branco.
Uma outra questão é
o problema da liberdade politica e dos direitos básicos de cidadania. Esta é
uma questão fundamental para a democracia angolana. A Constituição da Republica
de Angola é perentória nestas questões, sendo o exercício dos direitos de
cidadania e das liberdades uma praxis da democracia nacional. E isso implica a
participação dos cidadãos e os procedimentos da democracia participativa,
equilibrados com os mecanismos de representatividade. Implica que os sindicatos
funcionem em pleno, como força autónoma dos trabalhadores, que os salários em
atraso, no sector público e no sector privado, deixem de ser a norma e passem a
ser uma excepção judicialmente punida, que os camponeses tenham formas
efectivas de organização, de acordo com os seus interesses e necessidades.
Implica que as
comunidades tenham estruturas que melhor permitam o seu posicionamento, que melhor as insiram
no todo nacional e que reflictam a sua participação nos assuntos locais e
nacionais, que os parceiros sociais não
sejam meras figuras de retorica e que a concertação social seja mais fluente e
um espelho dos diferentes interesses, onde as discussões sejam francas e
abertas, sem medo do conflito e sempre com o objectivo de ampla negociação.
Implica o melhor apetrechamento do aparelho judicial, do funcionamento dos
tribunais, da existência de uma estrutura policial e operacional de
investigação, sob tutela da Justiça, para além da estrutura policial nacional
sob tutela do Interior, que deverá ser significativamente melhorada e mesmo
depurada, principalmente ao nível dos seus quadros superiores.
Implica que os
casos dúbios, que servem de campanha de agitação e propaganda para os sectores
que pretendem a desestabilização do país (nacionais e externos), casos mal
esclarecidos como os de Emiliano Catumbela, Isaías Cassule, Alves Kamulingue e
outros, sejam devidamente julgados, cumpram as penas em que incorreram, ou
sejam soltos, caso sejam inocentes e que os seus eventuais torturadores sofram
as consequências judiciais dos actos de tortura cometidos que, se de facto
foram cometidos, constituem um grave crime anticonstitucional, logo crime
contra o Estado.
Implica que, de uma
vez por todas, se averigue e se tire conclusões, que seja apurado e
judicialmente resolvido o caso de
homicídio e torturas nas zonas diamantíferas, apresentados pelo Dr. Rafael
Marques, que o homem não pode continuar a viver á conta de ser uma vítima do “regime
angolano”. Se ele tem razão que condenem os responsáveis por ele mencionados,
se ele não tem razão que seja condenado e se chegue á conclusão para quem
trabalha. Há que terminar com estas prácticas dúbias e anticonstitucionais, que
revelam graves insuficiências de funcionamento do Estado e que apenas fornecem
munições aos adversários da democracia nacional e do processo de
desenvolvimento democrático, da mesma
forma que há que colocar um fim á actividade antinacional como ganha-pão de
alguns.
Ou seja , é
fundamental que a sociedade angolana sinta a igualdade perante a lei e que
sinta um aparelho judicial que funcione em todos os sentidos. Tal como é
essencial que a democracia angolana tenha uma estrutura de informação (serviço de
Inteligência), que funcione de forma inteligente, dentro dos limites impostos
pela constituição e não propicie argumentos aos que representam interesses
antinacionais.
É isto o
aprofundamento da democracia politica e do Estado de Direito democrático, que a
oposição nem quer ouvir falar, sequer, embora seja nestes vastos sectores da
vida nacional que a sua participação se torna essencial para o apetrechamento
da sociedade angolana.
V - Por último, o
assunto dos estrangeiros que trabalham em Angola. O presidente referiu e bem, a
necessidade que o país tem de quadros qualificados. E este é um assunto
premente, se considerarmos o nosso, ainda, baixo nível de desenvolvimento, mas
rápido crescimento económico. Só que temos um problema de fundo. No início da
independência, recorremos durante muitos anos, á cooperação. Os cooperantes
vinham, trabalhavam, formavam e partiam (alguns, poucos, ficaram por cá e são
hoje, residentes, gente que trabalha com afinco, profundamente integrada na
sociedade angolana e que é importante para o país, embora a sua maioria já
esteja numa faixa etária bastante avançada e começam a regressar, aos pouco aos
seus países de origem).Com o tempo, as alterações da política externa e dos
mercados internacionais, obrigaram-nos a recorrer a uma figura que é o
expatriado.
A noção do
expatriado é retirada da figura do funcionário da multinacional, que chega a um
pais, está por lá uns tempos, os salários são pagos no exterior e não paga
impostos no país para onde vai exercer a sua função. É um estranho á terra onde
trabalha, para a qual não sente quaisquer obrigações. E esta é uma figura que
não nos interessa. Principalmente porque é alguém que não traz riqueza ao país.
Nesta fase actual
necessitamos de comunidades de imigrantes, de quadros qualificados que venham
para Angola, inseridos em programas vastos de reconstrução e que queiram fazer
aqui a sua vida. Gente que fique, que construa aqui a sua riqueza e que nos
ajude a construir a nossa. Gente que tenha aqui as suas poupanças e pague aqui
as suas obrigações. Gente que se torne nossa, com a sua longa permanência e que
fale de Angola nos seus países de origem, como segunda família, como uma
mátria, porque foi aqui que construíram ou reconstruiram condignamente as suas
vidas e porque sentem o nosso calor e a nossa amizade, a nossa humanidade.
E este é um factor
que para acontecer obriga-nos a alterar comportamentos e legislação, assuntos
que com toda a certeza serão devidamente tratados nas instâncias próprias. A
felicitar o presidente angolano, por também aqui, neste assunto, demonstrar o
quão atento está.
VI - Demonstrou o
Presidente da Republica de Angola, na entrevista cedida á SIC, o melhor do povo
angolano (o Povo heroico e generoso). A sabedoria, a serenidade e uma imensa
tranquilidade, associadas á perspicácia e á inteligência. Mas, acima de tudo,
um profundo humanismo e uma singela simplicidade. Concluiu da melhor maneira,
afirmando que queria ficar na História, apenas como um Patriota. E ficará,
Presidente. Como um Patriota Angolano, que como todos os Patriotas Angolanos,
pratica os valores do humanismo e são portadores de uma mensagem cosmopolita de
fraternidade.
Um abraço
respeitoso e cordial, de quem tem a honra de o chamar Camarada Presidente.
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