segunda-feira, 10 de junho de 2013

O PRESIDENTE TRANQUILO

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - O Presidente da Republica de Angola foi entrevistado pela estação portuguesa SIC. A entrevista conduzida por Henrique Cymerman desenrolou-se com o mínimo de formalidade e onde o Presidente José Eduardo dos Santos, apresentou-se descontraído e manteve com o entrevistador momentos de um bom diálogo e de alguma interacção, coisa nem sempre fácil de obter nas entrevistas com responsáveis máximos dos estados.
 
O Presidente da Republica de Angola explicou de forma concisa e com precisão o actual momento que atravessa o país, nesta fase da reconstrução nacional, os objectivos fundamentais e estratégicos do executivo angolano, as concretizações e o muito que ainda há para concretizar. Referiu também o posicionamento político do MPLA, no quadro politico geral actual e o respectivo posicionamento político do executivo saído das eleições de 2012.
 
Revelou, o presidente, uma imagem de governante responsável, que actua dentro do quadro constitucional angolano, empenhado no desenvolvimento e progresso da nação e nas políticas socias criadoras do bem-estar do povo angolano. Não escondeu o muito que há para realizar, assumindo uma posição e um discurso realista.
 
Esta imagem e atitude do Presidente José Eduardo dos Santos são conhecidas e reconhecidas pela grande maioria do povo angolano, que confia no seu presidente, de forma redundante, conforme tem sido demonstrado nos actos eleitorais, onde o Presidente e o MPLA têm obtido vitórias decisivas e maiorias absolutas. Mas esta atitude e imagem, que inspira a confiança da grande maioria dos angolanos, não são conhecidas no estrangeiro, principalmente na U.E. onde as campanhas de intoxicação contra a Republica de Angola continuam a ser intensas e a confundir a opinião pública internacional.
 
É, assim, importante esta entrevista, no sentido em que transmite uma imagem do presidente angolano que não é comum ser passada á opinião pública internacional. Uma imagem de um governante confiante, comprometido com as políticas de desenvolvimento, atento á realidade social e á satisfação das necessidades do povo angolano. Mas também a de um homem que assume a sua cidadania plena, que não está encerrado numa torre de marfim e que convive com os outros cidadãos enquanto cidadão, um angolano entre angolanos, um cidadão consciente dos seus deveres e cioso dos seus direitos, descontraído, simples e que gosta de rir.
 
II - Não faz sentido algum que os jornalistas angolanos sintam-se insultados, por a entrevista ter sido cedida á estação privada portuguesa. É demonstrativo de uma motivação xenófoba a acusação de que o responsável máximo do Estado angolano tenha preferido um órgão de comunicação estrangeiro, em detrimento da comunicação social nacional. Mas ser a Voz da América a expressar a “indignação” dos jornalistas nacionais, “insultados” pela entrevista presidencial á comunicação portuguesa raia o absurdo, o “political nonsense”.            
 
Aliás as leituras efectuadas por diversos sectores minoritários da sociedade angolana pautam-se por este estrito sentido político absurdo e acrítico. Abel Chivukuvuku, por exemplo, líder da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE, uma dissensão da UNITA) concluiu da entrevista que o presidente angolano deu mostras que “está no poder para ficar ali toda a vida”. Mais á frente o líder da CASA-CE, referiu que “teria sido melhor que o presidente tivesse falado á comunicação social angolana” (estas declarações, curiosamente, foram feitas á LUSA) . Depois referiu que o presidente demonstrou que não tinha projecto para o país e que vive numa Angola Irreal (Abel passou do conceito da Angola Profunda, de que foi porta-voz , ao da Angola Irreal, a Angola vista pelo poder, de maneira que só ele, Abel, o que defendeu a “somalização” de Angola, é o único que conhece a profunda realidade angolana).
 
Portanto para Abel Chivukuvuku a entrevista revelou um “vazio”, que o presidente é “autoritário”, concentra em si todas as decisões e não tem “convicções democráticas”. Quando li estas declarações do líder da CASA-CE, pensei que ele estaria a falar de alguma outra entrevista concedida pelo PR angolano, mas depois verifiquei que estava a falar da mesma entrevista que eu vi. Falei com alguns amigos que tinham gravado a entrevista e revia-a várias vezes, não conseguindo nela encontrar as “maleitas” referidas por Abel Chivukuvuku: o vazio, a ausência de convicções democráticas, o autoritarismo, a ansia de poder, etc. Terão sido alucinações?
 
Decidi concluir, a bem da questão, que as alucinações do Abel são consequência da mudança de conceitos: do conceito vagamente fascizante da Angola Profunda - chavão politico e farol iluminado dos senhores da guerra, preconizadora da “somalização” - para o conceito “modernaço” com sabor a marketing barato, a pretender dar uma noção de “Matrix” e “tecno-politica”, da Angola Irreal - a Angola que, segundo Abel, é distorcida pelo poder - é uma conversão de respeito e que revela o esforço do mano Abel em acompanhar as alterações verificadas na política internacional da Casa Branca, de Bush para Obama.
 
Mudam-se os amos, mudam-se os discursos (e por vezes, a vontade).    
 
III - Este deserto de ideias por parte da oposição e a ausência de espirito crítico, são uma das maiores preocupações para a democracia política angolana e o maior obstáculo ao seu aprofundamento. Ouve três pontos essenciais nesta entrevista, que são reveladores das dificuldades com que a democracia angolana se debate. São eles: o combate á pobreza, a corrupção e o aprofundamento do processo democrático constitucional, que na entrevista foi abordado, entre outros exemplos, pela questão sobre os “protestos”.     
 
Estes três factores estão interligados, interagem e são culminantes para o desenrolar de uma estratégia de desenvolvimento. O combate á pobreza é uma frente ampla, que a práctica e a História demonstram ser um processo de longa duração, nem sempre dependente das performances económicas nacionais, muitas vezes causados por factores e fenómenos da economia-mundo e onde a boa vontade não conta.
 
Não é um combate que seja ganho apenas pela aplicação de políticas distributivas ou redistributivas, embora estas sejam uma componente da solução. Mas estas políticas, que são uma pequena parte da solução, obrigam a um aparelho fiscal e a uma política fiscal que não podem ser construídas, arquitectadas no curto ou no médio-prazo, difíceis de concretizar num país como Angola, que viveu mais de 4 décadas de guerra, cerca de 5 séculos espezinhado pelo colonialismo e que tenta livrar-se das armadilhas neocoloniais, que foram minando o funcionamento do aparelho central da nação.
 
Ora, o cavalo de troia do neocolonialismo é a corrupção. E aqui entramos na outra vertente do assunto. O combate á corrupção é, também ele, uma frente ampla, um combate de longa duração, uma guerra prolongada, travada a vários níveis da estrutura social e que passa por múltiplas e diversificadas medidas, politicas, procedimentos e fases. É que a corrupção é um fenómeno que se estende pelas superestruturas e que adquire, raízes, hábitos, e que torna-se cultura.
 
E aqui entramos no terceiro ponto, no aprofundamento democrático e na praxis do mecanismo constitucional, o contracto social, garante das liberdades e dos direitos e baliza das obrigações reciprocas entre o cidadão e o Estado. São as reformas necessárias ao aparelho de Estado, são as reformas institucionais, são as garantias de funcionamento dos poderes, é a plenitude constitucional, ou seja a performance do Estado, a definição dos seus limites e obrigações. A necessidade de um poder judicial que dê as respostas necessárias às dinâmicas impostas pelo desenvolvimento e que funcione como fulcro do poder da cidadania. A necessidade de um poder legislativo, que seja como estrutura representativa, um processador de procedimentos participativos, pois a soberania popular tem como cerne a participação e não a representação, que é apenas um mecanismo de equilíbrio. E por fim a necessidade de um poder executivo que exerça o poder, porque tem como fonte a soberania popular e o poder é coisa que se exerce, que não se negoceia, nem se partilha, mas que se assume de forma legítima, pela legitimidade concedida pela soberania popular. A partilha e a negociação são fontes da elaboração e da concepção do poder, não do seu exercício.
 
Estes três vectores complementam-se e completam-se. Não podemos combater a pobreza se tivermos índices de corrupção que minam o aparelho central da nação, porque deixamos de ser nação soberana e se não tivermos um aparelho constitucional que garanta o contracto social e instituições fortes para cumprir com esse combate. Não podemos combater a corrupção se os índices de pobreza forem avassaladores e se não tivermos um Estado legitimado na soberania popular. Não podemos aprofundar a democracia e aperfeiçoar o funcionamento dos poderes públicos se tivermos um índice de pobreza destrutivo da soberania popular (base do Estado Democrático) e se tivermos índices de corrupção elevados, que impedem o exercício da soberania nacional.
 
O Presidente José Eduardo dos Santos abordou todas estas questões, na entrevista em causa, de forma leve tranquila e séria. Exemplificou-as bem, apresentou o que já foi feito e nunca deixou de fazer sentir o muito que há por fazer. Até na questão dos “protestos” o exemplo foi muito bem referido e abordado de forma inteligente, demonstrando que em Angola não há assuntos tabus.   
 
IV - É evidente que não há fumo sem fogo e há muita mina na lavra. A riqueza é demasiado concentrada e esse fenómeno tem muito a ver com a via de desenvolvimento preconizada e com o crescimento económico. É que as políticas distributivas e redistributivas ainda são incipientes e a velocidade da sua execução não pode acompanhar o rápido  crescimento do PIB. Mas mesmo que não o fossem, mesmo que estivessem numa fase avançada de aplicação e os mecanismos redistributivos estivessem todos a funcionar em pleno, seria insuficiente para combater essa concentração excessiva, porque na concentração de riqueza existem dinâmicas que são exclusivas do processo de globalização.
 
Por isso saliento uma referência, que a muitos passou despercebida (pelo menos nos comentários que li), feita pelo presidente na entrevista: a produção. Este é o ponto fulcral de qualquer política de desenvolvimento. A produção. A requalificação dos processos produtivos e dos sectores básicos produtivos, é um processo que tem ficado para trás. O relançamento das actividades produtivas directas é crucial para a manutenção da soberania nacional e popular, porque irão implicar a reapropriação dos recursos e irão introduzir todo um processo de dinâmicas de trabalho, onde factores como a produtividade, a cultura de trabalho, o cumprimento de horários, a necessidade de uma mão-de-obra especializada e disciplinada, etc. constituirão, esse sim, o factor nacional de desenvolvimento.
 
Mas para além da questão da concentração da riqueza em poucas (pouquíssimas) mãos, existem  questões que em alguns sectores da comunidade internacional, são focados diariamente e que poderão constituir calcanhares de Aquiles da democracia angolana, se não forem vistos e analisados de forma realista e objectiva. Associado á concentração de riqueza está a pobreza e associado a ambos a corrupção e pelo conjunto destes factores o problema da transparência dos negócios. Este é um dos problemas onde muito há para fazer e muitas prácticas têm de ser alteradas, para mal de uma camada de oportunistas que durante muitos anos se aproveitaram da situação nacional, da desgraça do outro, em proveito próprio, utilizando o erário publico a seu belo prazer. É evidente que essa é uma escumalha que tem de ser levada a julgamento e cujos bens devem  retornar ao erário público, facto que o Estado de Direito Democrático não deixará passar em branco.
 
Uma outra questão é o problema da liberdade politica e dos direitos básicos de cidadania. Esta é uma questão fundamental para a democracia angolana. A Constituição da Republica de Angola é perentória nestas questões, sendo o exercício dos direitos de cidadania e das liberdades uma praxis da democracia nacional. E isso implica a participação dos cidadãos e os procedimentos da democracia participativa, equilibrados com os mecanismos de representatividade. Implica que os sindicatos funcionem em pleno, como força autónoma dos trabalhadores, que os salários em atraso, no sector público e no sector privado, deixem de ser a norma e passem a ser uma excepção judicialmente punida, que os camponeses tenham formas efectivas de organização, de acordo com os seus interesses e necessidades.
 
Implica que as comunidades tenham estruturas que melhor permitam  o seu posicionamento, que melhor as insiram no todo nacional e que reflictam a sua participação nos assuntos locais e nacionais,  que os parceiros sociais não sejam meras figuras de retorica e que a concertação social seja mais fluente e um espelho dos diferentes interesses, onde as discussões sejam francas e abertas, sem medo do conflito e sempre com o objectivo de ampla negociação. Implica o melhor apetrechamento do aparelho judicial, do funcionamento dos tribunais, da existência de uma estrutura policial e operacional de investigação, sob tutela da Justiça, para além da estrutura policial nacional sob tutela do Interior, que deverá ser significativamente melhorada e mesmo depurada, principalmente ao nível dos seus quadros superiores.
 
Implica que os casos dúbios, que servem de campanha de agitação e propaganda para os sectores que pretendem a desestabilização do país (nacionais e externos), casos mal esclarecidos como os de Emiliano Catumbela, Isaías Cassule, Alves Kamulingue e outros, sejam devidamente julgados, cumpram as penas em que incorreram, ou sejam soltos, caso sejam inocentes e que os seus eventuais torturadores sofram as consequências judiciais dos actos de tortura cometidos que, se de facto foram cometidos, constituem um grave crime anticonstitucional, logo crime contra o Estado.
 
Implica que, de uma vez por todas, se averigue e se tire conclusões, que seja apurado e judicialmente resolvido  o caso de homicídio e torturas nas zonas diamantíferas, apresentados pelo Dr. Rafael Marques, que o homem não pode continuar a viver á conta de ser uma vítima do “regime angolano”. Se ele tem razão que condenem os responsáveis por ele mencionados, se ele não tem razão que seja condenado e se chegue á conclusão para quem trabalha. Há que terminar com estas prácticas dúbias e anticonstitucionais, que revelam graves insuficiências de funcionamento do Estado e que apenas fornecem munições aos adversários da democracia nacional e do processo de desenvolvimento democrático,  da mesma forma que há que colocar um fim á actividade antinacional como ganha-pão de alguns.
 
Ou seja , é fundamental que a sociedade angolana sinta a igualdade perante a lei e que sinta um aparelho judicial que funcione em todos os sentidos. Tal como é essencial que a democracia angolana tenha uma estrutura de informação (serviço de Inteligência), que funcione de forma inteligente, dentro dos limites impostos pela constituição e não propicie argumentos aos que representam interesses antinacionais.
 
É isto o aprofundamento da democracia politica e do Estado de Direito democrático, que a oposição nem quer ouvir falar, sequer, embora seja nestes vastos sectores da vida nacional que a sua participação se torna essencial para o apetrechamento da sociedade angolana.    
 
V - Por último, o assunto dos estrangeiros que trabalham em Angola. O presidente referiu e bem, a necessidade que o país tem de quadros qualificados. E este é um assunto premente, se considerarmos o nosso, ainda, baixo nível de desenvolvimento, mas rápido crescimento económico. Só que temos um problema de fundo. No início da independência, recorremos durante muitos anos, á cooperação. Os cooperantes vinham, trabalhavam, formavam e partiam (alguns, poucos, ficaram por cá e são hoje, residentes, gente que trabalha com afinco, profundamente integrada na sociedade angolana e que é importante para o país, embora a sua maioria já esteja numa faixa etária bastante avançada e começam a regressar, aos pouco aos seus países de origem).Com o tempo, as alterações da política externa e dos mercados internacionais, obrigaram-nos a recorrer a uma figura que é o expatriado.
 
A noção do expatriado é retirada da figura do funcionário da multinacional, que chega a um pais, está por lá uns tempos, os salários são pagos no exterior e não paga impostos no país para onde vai exercer a sua função. É um estranho á terra onde trabalha, para a qual não sente quaisquer obrigações. E esta é uma figura que não nos interessa. Principalmente porque é alguém que não traz riqueza ao país.
 
Nesta fase actual necessitamos de comunidades de imigrantes, de quadros qualificados que venham para Angola, inseridos em programas vastos de reconstrução e que queiram fazer aqui a sua vida. Gente que fique, que construa aqui a sua riqueza e que nos ajude a construir a nossa. Gente que tenha aqui as suas poupanças e pague aqui as suas obrigações. Gente que se torne nossa, com a sua longa permanência e que fale de Angola nos seus países de origem, como segunda família, como uma mátria, porque foi aqui que construíram ou reconstruiram condignamente as suas vidas e porque sentem o nosso calor e a nossa amizade, a nossa humanidade.
 
E este é um factor que para acontecer obriga-nos a alterar comportamentos e legislação, assuntos que com toda a certeza serão devidamente tratados nas instâncias próprias. A felicitar o presidente angolano, por também aqui, neste assunto, demonstrar o quão atento está.
 
VI - Demonstrou o Presidente da Republica de Angola, na entrevista cedida á SIC, o melhor do povo angolano (o Povo heroico e generoso). A sabedoria, a serenidade e uma imensa tranquilidade, associadas á perspicácia e á inteligência. Mas, acima de tudo, um profundo humanismo e uma singela simplicidade. Concluiu da melhor maneira, afirmando que queria ficar na História, apenas como um Patriota. E ficará, Presidente. Como um Patriota Angolano, que como todos os Patriotas Angolanos, pratica os valores do humanismo e são portadores de uma mensagem cosmopolita de fraternidade.
 
Um abraço respeitoso e cordial, de quem tem a honra de o chamar Camarada Presidente.
 
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