Será ótimo se
Edward Snowden conseguir chegar ao Equador, tanto para ele quanto
para o mundo. O governo equatoriano, incluindo o presidente Rafael Correa e o
ministro Ricardo Patiño, provou sua firmeza ao enfrentar as ameaças e abusos
ocorridos ano passado quando garantiu asilo a Julian Assange, fundador do WikiLeaks.
Na ocasião, a mídia
se aproveitou do fato de que a maior parte do mundo conhece muito pouco sobre o
Equador para desinformar sua audiência, dizendo que aquele governo “reprime a
mídia”. E já estão tentando fazer a mesma coisas no caso de Snowden. Sem
necessariamente defender tudo o que existe no Equador (como as leis de
difamação e a linguagem vaga da nova lei de comunicações), qualquer um que
tenha ido ao país sabe que a mídia internacional apresentou uma caricatura grosseira
do estado da liberdade de imprena de lá. A mídia privada equatoriana é mais
oposicionista que a dos EUA, detona o governo todos os dias.
Infelizmente,
grupos como o Americas Watch (do Human Rights Watch) e o Comitê de Proteção aos
Jornalistas, que fazem um bom trabalho em alguns países, se juntaram a campanha
de Washington contra o Equador, publicando exageros grosseiros. Esses grupos
deveriam estar um pouco mais preocupados sobre o “efeito coercitivo” que a
acusação a um denunciante, sem precedentes no governo Obama, teria sobre o
jornalismo investigativo nos EUA.
Não há ironia
alguma no fato de que Snowden peça ajuda logo ao Equador, ou até mesmo à Russia
ou à China, para escapar de uma perseguição política. Algum jornalista ou
advogado dos direitos humanos criticou os milhares de refugiados salvadorenhos
que escaparam dos assassinatos e da repressão patrocinada pelos EUA no final
dos anos 1970 e início dos anos 1980 fugindo justamente para os Estados Unidos,
“o maior provedor mundial de violência”, como um dia disse Martin Luther King?
Refugiados
políticos não escolhem seus países anfitriões de acordo com a política
governamental deles. A grande ironia neste caso é que o Equador é arrastado na
lama por considerar asilo a um denunciador que está sendo processado sob a Lei
de Espionagem e que provavelmente não terá direito a um julgamento justo nos
EUA porque a mídia de lá já o condenou.
É quase certo que
Washington retaliará o Equador se este conceder asilo a Snowden. Em adição às
sanções comerciais, poderá haver ações secretas. Em 2010 houve uma tentativa de
golpe contra Correa, e mesmo que não haja evidências diretas do envolvimento
norte-americano, a polícia que conduziu a revolta tinha um longo relacionamento
com oficiais dos EUA, incluindo apoio monetário. Muitos no governo equatoriano
acreditam que Washington estava envolvida, e se não estivesse, esta seria a
primeira tentativa de golpe nos últimos 60 anos contra um governo
latino-americano de esquerda onde Washington não se envolveu.
A administração
Obama conduziu uma campanha midiática muito bem sucedida para ressignificar o
caso de Snowden dentro de termos da Guerra Fria, e muitos na mídia seguem o
mesmo rumo, retratando um Equador com vontade de “enfiar o dedo no olho de
Washington”. Correa deve estar fazendo isso para ter algum ganho político, eles
dizem. Este é exatamente o mesmo cardápio que foi servido quando o Equador
garantiu asilo a Assange, onde uma visão primitiva proclamava que estes
“anti-americanos” encrenqueiros do sul deveriam ter um novo “chefão” para
substituir a figura de Hugo Chávez.
Mas qualquer um dos
novos governos de centro-esquerda da América do Sul teria dado asilo a Assange.
O ex-presidente Lula foi um de seus primeiros (antes de Correa) e mais fortes
defensores, e o Brasil provavelmente aprovaria um pedido de asilo de Snowden
também. Snowden, como Assange, teme, com razão, sofrer perseguição política –
especialmente após ter sido acusado de espionagem, um crime que ele claramente
não cometeu. Então, dentro da lei internacional e de princípios de soberania –
incluindo o princípio de autodeterminação – nenhum destes governos
participariam no que o WikiLeaks tem chamado, corretamente, de “entrega de
bandeja” de Snowden aos EUA.
Se ultimamente
Washington tem sido forçado a respeitar a lei internacional neste caso, será
porque muitos países, principalmente na América do Sul, não mais temem a
retaliação norte-americana. Desde
que Snowden realizou um gigantesco serviço público ao revelar os
mal-feitos do governo, este é um exemplo de como os cidadãos norte-americanos –
ao contrário do que nossa mídia nos diz todos os dias – se beneficiam do
desenvolvimento de um mundo multipolar.
Mark Weisbrot é
co-diretor, junto com Dean Baker, do Center for Economic and Policy Research,
em Washington.
Tradução de Roberto
Brilhante para a agência brasileira de notícias Carta Maior.
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