Tomás Vasques –
Jornal i, opinião
Hoje, em Portugal,
ainda estamos no tempo em que os comunistas derrubam os governos socialistas
para permitir a ascensão da direita mais reaccionária e troglodita
Na quinta-feira,
realizou-se na Aula Magna uma conferência (eufemismo para designar um acto
político contra as políticas do actual governo), sob o lema "Libertar
Portugal da Austeridade", promovido por Mário Soares, e que juntou na
mesma mesa, como oradores, representantes dos três partidos que se reclamam da
"esquerda", seja isso o que for: PS, PCP e BE e dirigentes das duas
centrais sindicais - o que não é irrelevante. Desta reunião pública, onde se
destacou, também, o reitor da Universidade de Lisboa, Sampaio da Nóvoa, como
arauto de novas, mas vagas esperanças, há duas ilações mais visíveis a tirar.
A primeira, tem a
ver com o promotor da reunião, Mário Soares. Indomável, em 2013, depois de
intervir mais de meio século na nossa vida política, sem pausas, nem retiros,
continua a bater-se pelas suas convicções, pelo que acredita que melhor serve
os portugueses, com a mesma firmeza e empenho com que o fez nos dias em que
tomou conta da rua, em 1975, já lá vão quase quarenta anos, na Alameda, contra
a unicidade sindical exigida pelo PCP. Só Mário Soares era capaz de reunir no
mesmo abraço "todos os portugueses honrados" contra este governo,
desde o PCP ao PSD, sob o olhar condescendente de Vasco Pulido Valente, que fez
questão de estar presente, tratando José Pacheco Pereira por camarada (talvez
por lapso, mas com toda a propriedade), elogiando a postura social-democrata de
Sá Carneiro, e recebendo aplausos de toda a sala, o que não é irrelevante,
sobretudo nos dramáticos tempos que correm, por cá e na Europa.
Sabemos - e esta é
a segunda ilação - que este encontro, na Aula Magna, independentemente dos
esforços do seu promotor, se esgotou no momento do seu encerramento, apesar de
não deixar de limar algumas arestas, pelo menos no domínio do simbólico, no
profundo contencioso da "esquerda" portuguesa. E, na passada, lançar
algum pânico na direita mais troglodita, hoje no poder. O passado, as soluções
propostas no presente e as aritméticas eleitorais determinam os comportamentos
políticos de socialistas e comunistas, e o Bloco não consegue, por razões
óbvias, fazer a ponte entre os dois. António José Seguro teme - com razão - que
qualquer aproximação aos comunistas reduza o potencial eleitorado socialista,
que lhe permitirá ganhar folgadamente as próximas eleições, enquanto Jerónimo
de Sousa não pode abalar as motivações dos seus eleitores, "educados"
nos últimos trinta e tal anos a olhar os socialistas como os algozes da sua
"revolução". A desconfiança, senão mesmo o desprezo, com que António
José Seguro e Jerónimo de Sousa viram esta conferência é disso prova, o que
significa que à "esquerda" não há nada de novo, desde a gigantesca
manifestação dos socialistas na Fonte Luminosa, em 1975, até ao voto dos
comunistas e bloquistas, ao lado do PSD e do CDS-PP, há dois anos, para
derrubar um governo socialista e abrir caminho ao PSD e ao grupo neoliberal de
Passos Coelho.
Na realidade, todos
os partidos de "esquerda" têm culpas no cartório e enquanto não
surgirem soluções inovadoras à "esquerda" que mobilizem os cidadãos para
um projecto coerente que se constitua como alternativa ao projecto que a
direita impõe a todos os povos europeus, a possibilidade de unir, numa frente,
os "partidos de esquerda", não passa de um mito político, alimentado
por um romantismo serôdio de almas bem-intencionadas. A situação na Europa, a
presente e a futura, exige um esforço de mudança, mas o passado funciona como
uma pedra tumular.
Quando os
comunistas europeus "descobriram", em 1935, através do relatório de
Dimitrov, apresentado ao Congresso da Internacional Comunista, que "os
governos burgueses" não são todos iguais e apelou à frente única com os
socialistas e sociais-democratas contra o fascismo, já era tarde. Hoje, em
Portugal, ainda estamos no tempo em que os comunistas derrubam os governos
socialistas para permitir a ascensão da direita mais reaccionária e troglodita.
Espero que venham aí tempos melhores, enquanto é tempo.
Jurista - Escreve à
segunda-feira
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