Carlos Santos Neves
- RTP
Retratar a “grave
crise” é um objetivo assumido no Relatório de Primavera de 2013 que o
Observatório Português dos Sistemas de Saúde apresenta esta terça-feira em
Lisboa, um documento que questiona a política de “restrição” para o sector.
Desde logo os 710 milhões de euros em cortes definidos no ano passado, montante
“superior aos 550 milhões de euros necessários para implementar as medidas da troika”.
Ao mesmo tempo, é destacada a “preocupação” da tutela com a “sustentabilidade
financeira do SNS”. Mas o país, concluem os relatores, contém “dois mundos”: o
“oficial, dos poderes”, e o “da experiência real das pessoas”.
“Previa-se uma
redução da despesa total em saúde de 710 milhões de euros, superior aos 550
milhões de euros necessários para implementar as medidas da troika. Porquê
e para quê?”, perguntam os autores do documento Duas faces da saúde, ao debruçarem-se sobre
o Relatório do Orçamento do Estado para 2012.
Um ano depois da publicação de um polémico relatório intitulado Um país em
sofrimento, então fortemente criticado pelo Ministério de Paulo Macedo, o
Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) volta à carga com a
denúncia de um país que vive duas realidades distintas. De um lado, estimam em
2013 os relatores, estão “os poderes”. Do outro está a “experiência real das
pessoas”.
Enquanto a vertente “oficial” entende que “as coisas vão mais ou menos bem,
previsivelmente melhorando a curto prazo, malgrado os cortes orçamentais
superiores ao exigido pela troika e a ausência de estratégia de
resposta às consequências da crise na saúde da população”, a “experiência real
das pessoas” caracteriza-se por um quadro de “empobrecimento, desemprego
crescente, diminuição dos fatores de coesão social e também uma considerável
descrença em relação ao presente e também ao futuro com todas as consequências
previsíveis sobre a saúde”.
“É altura destes dois mundos falarem um com o outro, aceitando a necessidade de
reconhecer a realidade tal como ela é, para que todos possamos partilhar e
colaborar numa resposta atempada e efetiva, que considere e atenue os efeitos
da crise na saúde das pessoas e no sistema de saúde”, defende o Relatório de
Primavera do OPSS.
“Constrangimento”
Uma das sugestões dos relatores do Observatório é a de que os responsáveis pelo
sector da Saúde passem a responder “prospetivamente”, o que passa por avaliar
“previamente o impacte das diversas medidas na saúde dos cidadãos, preservando
o sistema de saúde enquanto estabilizador automático social, monitorizando
sistematicamente o impacte das diversas medidas adotadas e criando estruturas
de resposta rápida, principalmente com base em estratégias de saúde”.
Nota negativa também para as políticas de cuidados de saúde primários (CSP), de
cuidados paliativos e do Plano Nacional de Saúde.
Quanto aos cuidados primários, o Observatório conclui que “não parece ter sido
cumprida” a meta de uma melhoria da rede. Mesmo tendo em conta que haveria
espaço no Orçamento do Estado de 2012 para incrementar as unidades de Saúde
Familiar.
Outra das críticas incide sobre a persistência de disparidades no acesso a
serviços de saúde. Neste capítulo, o OPSS aponta para um “constrangimento” à
descentralização administrativa para os Agrupamentos dos Centros de Saúde,
“parecendo a autonomia de gestão ser um aspeto desvalorizado pela
administração”. Tal “constrangimento”, prossegue o relatório, “assume
particular importância”. Isto porque o próprio Orçamento para 2012 previa que
“o desenvolvimento dos CSP seguiria uma visão primordialmente local e adaptada
às situações próprias e necessidades de cada região, o que de facto não se está
a verificar”.
Em matéria de cuidados paliativos domiciliários, o Observatório Português dos
Sistema de Saúde assinala também a diferença entre as recomendações europeias e
a realidade portuguesa – o país dispõe de uma equipa para 750 mil a 1,17
milhões de cidadãos, ao passo que os números recomendados são de uma equipa por
100 mil pessoas.
No relatório, o OPSS denuncia o abandono do Plano Nacional de Saúde no discurso
político: “Por outro lado, tem sido desenvolvido de forma fragmentada e
descontínua, não se reconhecendo, nas opções políticas, um compromisso
explícito para a concretização dos seus objetivos”.
Sustentabilidade
Mas há também pontos positivos no documento agora divulgado. Entre os quais a
extensão dos programas de doenças crónicas, a melhoria nos cuidados
domiciliários e os rastreios de oncologia. Assim como a produção de normas de
orientação clínica por parte da Direção-Geral da Saúde.
É igualmente salientada “a efetiva baixa de preços que se tem observado” no
domínio da política do medicamento, que “contribuiu para uma ligeira diminuição
dos encargos dos utentes”.
“Mesmo antes da intervenção externa, foram tomadas diversas medidas ao nível do
sistema de preços e comparticipações que reduziram acentuadamente o valor do
mercado de medicamentos em ambulatório, em 9,1 por cento em valor e em 19,2 por
cento nos encargos do SNS em 2011”, refere o relatório, para enfatizar que,
decorrido um ano, “continua a assistir-se à degradação do valor de mercado
ambulatório, com nova redução de 11,7 por cento em valor e diminuição de 11,4
por cento dos encargos do SNS”.
“O mercado hospitalar continua com o mesmo nível de despesa pública observado
em 2010, com um aumento nos encargos do SNS de 1,2 por cento em 2011 e redução
de 1,1 por cento em 2012”, acrescentam os relatores.
Uma “característica fundamental” do atual Governo isolada pelo Observatório é a
“preocupação pela garantia de sustentabilidade financeira do SNS. Sublinha
ainda o OPSS que, “apesar da conjuntura económico-financeira profundamente
marcada pela restrição e contenção orçamental, o Ministério da Saúde foi capaz
de gerir os recursos disponíveis de forma a pagar parte da dívida do Serviço
Nacional de Saúde e com isso atenuar as limitações que daí advinham”.
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