Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião
O FMI resolveu dar
ao Governo um presentinho de aniversário. É certo que, ao admitir ter sido o
programa de resgate da Grécia mal desenhado, não disse aplicar-se o mesmo aos
outros, mas como a lógica é de que houve austeridade a mais e que a Comissão
Europeia não tinha qualquer experiência em operações do género (nem, já agora,
o FMI - nunca tinha "resgatado" um país sem moeda própria) e portanto
fez disparate (sendo a palavra certa outra), é lícito inferir que o mesmo se
aplica a Portugal. O que vai ao encontro da última desculpa que Gaspar e Passos
tiraram da sua inesgotavelmente descarada cartola: aquela que, além de
responsabilizar o anterior Governo pelo "estado a que chegámos", lhe
atribui também a culpa por "um memorando mal desenhado".
Ou seja: a culpa de
o País estar como está é de toda a gente - governo anterior, Tribunal
Constitucional, agora também troika e, no futuro, quiçá a Virgem Maria, que
segundo Cavaco anda também a meter o bedelho nestes assuntos - menos do Executivo
em funções vai para dois anos. O que não se entende então é de que
"trabalho feito" se orgulha tanto, como anteontem fez questão de nos
dizer, o PM. Que orgulho retira de, alegadamente, seguir um plano que agora
(antes assumia-o como seu) deu em reputar de malfeito? Não pode ser o orgulho
de cumprir as metas - nenhuma foi cumprida, a não ser que fosse sua meta
(secreta) chegar o mais depressa possível a 18% de desemprego, a 130% de dívida
e a 3% de recessão (a OCDE prevê 2,7% este ano). Não pode ser o orgulho das
"reformas estruturais", porque só logrou uma, expressa nos três
valores anteriores: o empobrecimento turbo. Não pode ser, sequer, o orgulho de
"cumprir o défice": afinal, o único ano em que conseguiu cumpri-lo,
aliás até menor que o acordado (graças às receitas extraordinárias que jurara
nunca usar), foi aquele em que só governou seis meses - mal começou a fazer
orçamentos para anos inteiros a coisa borregou, e à grande. E não pode, claro,
ser o orgulho das promessas cumpridas.
É orgulho de quê,
então? Só pode ser o de, rapazola impreparado, ignaro e sonso, ter conseguido,
graças a uma voz bonita, uma notável desfaçatez, um insuportável (mas pelos
vistos eficaz) discurso moralista e uma não menos apreciável frieza,
alcandorar-se a PM. De ao fim de dois anos de desastre, de tanto mentir,
insultar, atentar contra a Constituição e andar ao sopapo na coligação,
manter-se ainda em funções. De ter manietado o PR de modo a que este - até 2012
bramando estarmos em espiral recessiva e em 2013 tendo enviado o orçamento para
fiscalização constitucional - seja hoje o maior apoiante do Governo. De nunca
ter batido o pé aos credores ou tão-só franzido o sobrolho a Merkel.
Sim, só pode ser
isso. Mais o orgulho de ver um país acabrunhado e calado a ser conduzido para
abate, enquanto ao lado outros saem à rua para salvar um parque. E aí,
admita--se, tem todos os motivos para estar orgulhoso.
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