sexta-feira, 7 de junho de 2013

Portugal: ORGULHO DO PREJUIZO

 

Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião
 
O FMI resolveu dar ao Governo um presentinho de aniversário. É certo que, ao admitir ter sido o programa de resgate da Grécia mal desenhado, não disse aplicar-se o mesmo aos outros, mas como a lógica é de que houve austeridade a mais e que a Comissão Europeia não tinha qualquer experiência em operações do género (nem, já agora, o FMI - nunca tinha "resgatado" um país sem moeda própria) e portanto fez disparate (sendo a palavra certa outra), é lícito inferir que o mesmo se aplica a Portugal. O que vai ao encontro da última desculpa que Gaspar e Passos tiraram da sua inesgotavelmente descarada cartola: aquela que, além de responsabilizar o anterior Governo pelo "estado a que chegámos", lhe atribui também a culpa por "um memorando mal desenhado".
 
Ou seja: a culpa de o País estar como está é de toda a gente - governo anterior, Tribunal Constitucional, agora também troika e, no futuro, quiçá a Virgem Maria, que segundo Cavaco anda também a meter o bedelho nestes assuntos - menos do Executivo em funções vai para dois anos. O que não se entende então é de que "trabalho feito" se orgulha tanto, como anteontem fez questão de nos dizer, o PM. Que orgulho retira de, alegadamente, seguir um plano que agora (antes assumia-o como seu) deu em reputar de malfeito? Não pode ser o orgulho de cumprir as metas - nenhuma foi cumprida, a não ser que fosse sua meta (secreta) chegar o mais depressa possível a 18% de desemprego, a 130% de dívida e a 3% de recessão (a OCDE prevê 2,7% este ano). Não pode ser o orgulho das "reformas estruturais", porque só logrou uma, expressa nos três valores anteriores: o empobrecimento turbo. Não pode ser, sequer, o orgulho de "cumprir o défice": afinal, o único ano em que conseguiu cumpri-lo, aliás até menor que o acordado (graças às receitas extraordinárias que jurara nunca usar), foi aquele em que só governou seis meses - mal começou a fazer orçamentos para anos inteiros a coisa borregou, e à grande. E não pode, claro, ser o orgulho das promessas cumpridas.
 
É orgulho de quê, então? Só pode ser o de, rapazola impreparado, ignaro e sonso, ter conseguido, graças a uma voz bonita, uma notável desfaçatez, um insuportável (mas pelos vistos eficaz) discurso moralista e uma não menos apreciável frieza, alcandorar-se a PM. De ao fim de dois anos de desastre, de tanto mentir, insultar, atentar contra a Constituição e andar ao sopapo na coligação, manter-se ainda em funções. De ter manietado o PR de modo a que este - até 2012 bramando estarmos em espiral recessiva e em 2013 tendo enviado o orçamento para fiscalização constitucional - seja hoje o maior apoiante do Governo. De nunca ter batido o pé aos credores ou tão-só franzido o sobrolho a Merkel.
 
Sim, só pode ser isso. Mais o orgulho de ver um país acabrunhado e calado a ser conduzido para abate, enquanto ao lado outros saem à rua para salvar um parque. E aí, admita--se, tem todos os motivos para estar orgulhoso.
 

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