Eduardo Oliveira
Silva – Jornal i, opinião
Dois anos depois, a
nota é negativa. Passos escolheu mal Gaspar e desbaratou o seu crédito de
confiança
Na hora do balanço
intermédio verifica-se que as coisas não correram bem ao governo no seu todo, e
especialmente ao primeiro-ministro. Há várias razões para isso e um pecado
original.
O pecado original
foi cometido quando, inesperadamente, Passos Coelho ouviu um não da boca de
Vítor Bento, que tanto queria para ministro das Finanças, o qual lhe aconselhou
vivamente Vítor Gaspar, no que foi secundado por Eduardo Catroga.
Mesmo assim, no
primeiro ano correu praticamente tudo bem. Passos Coelho sucedia a um Sócrates
crispado e isolado e apresentava-se com alguma bonomia, tinha um discurso
pedagógico e até afável. Os portugueses aceitavam, compreendiam e até defendiam
as opções difíceis.
Suportavam a
austeridade, aceitavam o discurso absurdo de que tinham gasto o que não tinham,
mas mesmo assim sentiam-se orgulhosos do seu governo e até envolvidos no
sucesso que se ia proclamando com base em supostos encómios da troika e dos
mercados.
A ideia geral era
ainda que o Memorando era exequível e estava bem feito e as coisas se poderiam
compor numa legislatura, enquanto anualmente os cortes se iriam suavizando até
chegarmos a um regresso
positivo aos mercados, já livres da troika. Era o paraíso em quatro anos.
Portugal não era mesmo a Grécia, nem sequer a Irlanda, e Passos Coelho
assegurava no Verão de 2012 o regresso ao
crescimento no primeiro trimestre deste ano.
Mas não. Fruto de
um programa de política económica errado, concebido por Vítor Gaspar e pela
troika, agravado por um clima de depressão económica europeia, o governo não
percebeu que ao começar por aumentar impostos antes de cortar na despesa gerou
um furacão devastador de violência incontrolável para a economia e o equilíbrio
social. A inevitável recessão gerou um nível de desemprego catastrófico,
aumentou as necessidades sociais e teve um efeito perverso no encaixe de
impostos.
Confrontado com
isso e já criada uma tensão política complexa dentro da coligação, Passos não
soube lidar com o problema. Desbaratou o capital de crédito. Tornou- -se
impaciente. Em vez de emendar os fracassos, atribuiu culpas a inimigos
imaginários. Não compensou as dificuldades com mais diálogo. Distanciou-se do
Presidente da República, não acarinhou a Concertação. Não percebeu que ainda ia
a tempo de mudar as coisas, perdendo aliados potenciais todos os dias.
Enredou-se na teia
da política de Vítor Gaspar e esqueceu-se até do próprio Passos Coelho que já
foi, sabendo ser firme mas sóbrio. Tornou-se um líder isolado, irritado, quase
irascível, ao jeito de Sócrates, mas em apenas dois anos.
É pena. Porque
Passos surgiu como uma esperança redentora. Como nas cartas, perdeu a mão
porque não soube elevar-se à condição de estadista e estabelecer os
compromissos que os momentos críticos impõem.
Hoje, e já sem o
amparo de Relvas, que dispensou sem ganhos políticos e com inútil frieza, é um
político triste que persiste em executar um plano em que só ele e o ministro
das Finanças parecem ainda acreditar, enquanto o país já anseia por uma
alternativa, qualquer que ela seja.
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