Mário Soares – Diário
de Notícias, opinião
1-Como ninguém se
entende depois do discurso do Presidente Cavaco Silva, o caos é total. Mas
falta o principal: este Governo de Passos Coelho, que está há muito moribundo e
completamente paralisado, não teve a dignidade de se demitir. Por isso, tudo
continua na mesma. Sem que ninguém veja uma saída para o futuro deste País. Mas
há...
Os mercados e a
troika já perceberam que com este Governo tudo irá de mal a pior. O descrédito
é total, como a imprensa internacional vem manifestando. Não somos a Grécia,
dizia com um orgulho tonto Passos Coelho, o fiel aluno da chanceler Merkel.
Pois não. Somos piores que a Grécia.
Os portugueses
sabem que com Passos Coelho tudo irá mal, sem remédio. Vítor Gaspar, quando se
demitiu, numa carta lúcida que tornou pública, acusou Passos Coelho e
responsabilizou-o. Enquanto persistir este Governo nada se modifica. É verdade,
e cria um total vazio.
O Presidente da
República, no seu discurso, humilhou Passos Coelho e o seu atual aliado, Paulo
Portas, que muda de opinião como quem muda de camisa. O Governo que Passos
Coelho tinha fabricado para convencer Portas e que continha como ministros
dirigentes do CDS/PP, afinal, não existe.
Portas não será
vice-presidente do Governo, mas tão-só ministro dos Negócios Estrangeiros, como
era. Perante tal humilhação, Passos Coelho e Portas nem sequer protestam.
Porque o que querem é continuar no Governo a todo o custo, venham as
humilhações que vierem...
O contrário do que
pensam os portugueses, que acham que enquanto Passos Coelho não desaparecer
como primeiro-ministro nada de bom lhes pode acontecer. E Portas? Estava ao
lado de Passos Coelho, na última sessão do Parlamento, como um cordeirinho. E
falou sem dizer nada de jeito. Uma tristeza da parte de um homem inteligente
mas, ao que parece, sem carácter...
Para os portugueses
vítimas de tantos atropelos, roubo das pensões, desemprego, que os obriga a
emigrar, sem saber como valer aos filhos, a prioridade das prioridades consiste
na demissão do Governo. É também a opinião do PS, do PCP, do Bloco de Esquerda,
na sua esmagadora maioria, das centrais sindicais, dos parceiros sociais, e
mesmo dos empresários e de alguns banqueiros.
Partilho, cem por
cento, essa opinião, embora não tenha hoje nenhuma responsabilidade política e
nem a queira ter. Limito-me a pensar e a dizer o que penso.
E quem substitui o
Governo Passos Coelho/Portas? Há várias soluções que o Presidente da República
pode escolher: um Governo de Salvação Nacional, dirigido por um homem sério e
não ligado aos negócios, como Silva Peneda ou outros, uma vez que o Presidente
da República não quer convocar eleições, antes de 2014 e recusa - e bem - um
Governo de iniciativa presidencial. O essencial, como pensam os portugueses, é
que este Governo caia e desapareça, antes que caia a mal.
Os partidos - sem
exceção - estão em queda na opinião dos portugueses, como a política e os
políticos em geral. Era bom que se entendessem sobretudo os da esquerda (ou que
se reclamam da esquerda) sem terem partido nenhum. Mas também os
sociais-democratas anti-Passos Coelho, que são obviamente importantes e devem
começar a agir. Há hoje uma onda cívica de pessoas que não se reveem em nenhum
partido, mas querem agir política e civicamente e que o têm feito. É óbvio que
os partidos têm de se modificar e desburocratizar. Porque os partidos são
necessários e essenciais em democracia.
O Presidente disse
no seu discurso que os três partidos do arco do poder se devem entender. Agora?
Mas como, se nestes dois últimos anos o Governo Passos Coelho só tentou
inferiorizar o PS de todas as formas, como lembrou o deputado e antigo
presidente dos Açores, Mota Amaral, insuspeito, com o seu bom senso e sabedoria
habituais.
Isso é uma
impossibilidade aparente. Só se o PS fosse dirigido por alguém que não tivesse
senso, o que não é obviamente o caso. Como as referências permanentes em
relação à assinatura do memorando, o qual já teve sete avaliações. Onde isso já
vai?... Quem foi além do memorando foi o Governo Passos Coelho, com uma
subserviência total em relação à troika. Mais ninguém. Por sinal quis sempre ir
além da troika, cada vez mais austeridade, para agradar à sua mestra Angela
Merkel, como todo o País sabe... Que tem o PS a ver com as avaliações até à
atual? Nada!
A austeridade só
agravou a situação portuguesa, cometendo-se erros e mais erros, como reconheceu
Vítor Gaspar. E tendo estado, desde então, a vender a retalho o nosso
património, continuando a dever cada vez mais dinheiro à troika e aos mercados
usurários que a comandam. Há que gritar: BASTA! Este Governo não pode continuar
a destruir o País e a empobrecer, até aos limites da miséria, os portugueses,
de todas as classes e sobretudo os mais pobres.
Cavaco Silva não
pode esperar nada de bom - e sobretudo a paz em que temos estado - se espera
continuar com este Governo, mesmo humilhado, até junho de 2014. Reflita em que
situação estaremos todos, a começar por ele próprio...
Constituir um
Governo de Salvação Nacional com gente incorrupta e patriótica. É do que
precisamos como de pão para a boca. Se assim não for, o seu discurso terá sido
uma boa vingança mas não faz qualquer sentido.
2-A IMPORTÂNCIA DA
CPLP
A Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa foi consequência da rapidez com que a
descolonização foi feita, respeitando a dignidade das nossas colónias e
daqueles que se batiam no terreno para a obter: a Guiné-Bissau, Angola e
Moçambique.
Claro que isso só
foi possível dada a Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura e abriu
caminho ao fim das guerras coloniais, o que só podia acontecer concedendo-lhes
o direito à autodeterminação.
A vitória do MFA
abriu a porta, desde logo, aos emigrantes antifascistas que estavam então
deportados, dos quais os primeiros a chegar foram Ramos da Costa, Tito Morais,
Oneto e eu próprio. Todos do PS, que se tinha constituído em partido, desde
1973, um ano antes, na Alemanha.
Quando regressei
tinha a ideia dos três slogans do MFA: democratizar, descolonizar e
desenvolver. Mas por outra ordem: descolonizar devia ser a prioridade e só
depois podíamos democratizar a sério e desenvolver. Porquê? Porque Portugal
tinha de pôr fim às guerras coloniais, sem o que a democratização como a
fizemos e o desenvolvimento não podiam ocorrer. Foi o que disse no próprio dia
em que cheguei e conheci o general Spínola. Que aliás estava longe de ter o meu
ponto de vista: com a sua experiência na Guiné, achava possível acabar com as
guerras sem reconhecer aos países em guerra o seu direito à autodeterminação.
Não era possível.
Por isso, quando me
ofereceu o lugar de ministro sem pasta, lhe disse que só aceitava ser ministro
dos Negócios Estrangeiros, apesar dos ministros sem pasta serem protocolarmente
mais importantes do que os outros. Assim aconteceu e o PS, ao contrário do que
alguns PS me disseram, só ganhou com isso.
Vem isto a
propósito do reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos coloniais
em guerra contra Portugal como exigia a ONU. A paz que se fez com o
reconhecimento do direito das colónias à autodeterminação e, a seguir a isso,
com a descolonização que foi fácil e rápida. O que permitiu, depois disso, que
os povos antes colonizados se tenham tornado independentes, mantendo todos a
língua portuguesa e constituído, com o Brasil, Timor e todos os outros que hoje
a compõem, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Na semana passada
fui visitado por alguns timorenses ilustres entre os quais um genro de Xanana
Gusmão e uma ilustre personalidade que conheci no exílio há anos mas de que não
me lembrava, Roque Rodrigues, que me vieram comunicar que no início do próximo
ano é Timor a quem cabe presidir à CPLP. E queriam falar comigo a esse
respeito, convidando-me, desde logo, para ir a Timor, que aliás, por esta e
aquela razão, nunca tive oportunidade de conhecer.
Infelizmente o
estado de convalescença em que ainda me encontro não me permite, desde já, ir
lá, embora a curiosidade não me falte.
Timor, do outro
lado do mundo, como percebi, leva muito a sério - mais do que infelizmente
muitos portugueses - a importância da CPLP. Sem esquecer, como dizia Pessoa,
que a nossa Pátria é a Língua Portuguesa. A CPLP é a nossa língua comum.
Portugal,
infelizmente segundo me parece, não tem dado a importância que é devida à CPLP.
A nossa língua comum, a quinta mais falada no mundo, é uma pérola que não
podemos deixar de desenvolver. Mas é preciso dar mais prestígio à CPLP e fazer
tudo para a desenvolver. A Galiza e outros países como a Guiné Equatorial
querem pertencer-lhe e devemos integrá-los se assim o desejam. Só é vantajoso
para nós.
Sobretudo porque
temos muito prazer que um Estado soberano como Timor seja o próximo presidente
da CPLP, embora esteja no outro lado do mundo. É a forma de mostrar que a nossa
língua é muito valiosa, mais do que a economia ou os negócios que tanto os
americanos como os britânicos pensam estar acima de tudo... Não é assim, porque
a língua e a cultura são mais importantes do que o dinheiro.
3-UMA EXPOSIÇÃO
INVULGAR
A Casa-Museu Centro
Cultural João Soares, que tem a sua sede em Cortes, a sete quilómetros de
Leiria, inaugurou no sábado passado uma exposição, concebida e feita pelo
artista, historiador e homem de cultura Jorge Estrela, intitulada "Viagem
de Cosme III de Médicis em Portugal no Ano de 1669".
Trata-se de uma
exposição muito original e que demorou muito tempo a concluir (mais de dois
anos, ao que penso), feita a partir dos desenhos de Pier Maria Baldi, pintor e
arquiteto italiano que acompanhou na sua viagem a Espanha e a Portugal o
grão-duque da Toscana Cosimo III de Médicis, que ocorreu, como disse, em
janeiro de 1669, quando os dois Estados tinham feito as pazes e o
reconhecimento da independência de Portugal, depois de 1640.
Trata-se, portanto,
de uma série de aguarelas e desenhos feitos pelo referido arquiteto Baldi sobre
muitas terras e cidades portuguesas, cujos originais constituem hoje documentos
já muito frágeis (e, por isso, não abertos à consulta do público). Foi a partir
deles que Jorge Estrela trabalhou afincadamente para os recriar, com rigor mas
com a originalidade do artista que é. Sobretudo nas cores, já muito esbatidas
nos originais.
Dá-nos uma visão
interessantíssima - e talvez única do que era o Portugal de então. Para alguém
que ama a sua Pátria e a quer conhecer, como o mais velho Estado europeu, com
as mesmas fronteiras intocáveis, merece bem a pena visitar esta exposição, que
estará aberta ao público nos próximos meses.
Tem, aliás, um
catálogo excelente que vale a pena consultar e possuir, que se deve ao auxílio
do Montepio Geral e ao seu ilustre presidente, Tomás Correia, a quem estou
muito agradecido.
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