segunda-feira, 8 de julho de 2013

Portugal: VAMOS VER O FILME ATÉ AO FIM?



Tomás Vasques – Jornal i, opinião

O governo está completamente isolado e vilipendiado por todos, incluindo as associações patronais

Caso o Presidente da República aceite, o que é o mais provável, o novo acordo de governo apresentado no sábado, ao fim do dia, pelo primeiro-ministro, o líder do CDS-PP acaba por levar a água ao seu moinho e substituirá Vítor Gaspar na liderança, de facto, do governo. Depois dos acontecimentos políticos desta semana, a mais alucinante das últimas décadas, que começou na passada segunda-feira e ainda não chegou ao fim, a lembrar o título de uma obra literária, de autor desconhecido, publicada nos anos 30, Romance com Cocaína, Paulo Portas, com uma jogada política de alto risco, apostando no tudo ou nada, alcançou para si e para o seu partido todos os seus objectivos.

As políticas de austeridade conduzidas por Vítor Gaspar produziram resultados catastróficos. Passados dois anos, o país está muito pior, empobrecido e debilitado, famílias e empresas, e nem sequer as brutais e sucessivas cargas fiscais ajudaram a consolidação orçamental. O governo está completamente isolado e vilipendiado por todos, incluindo as associações patronais. A demissão do ministro das Finanças, que se tornara o rosto do fracasso e do descrédito, permitia encerrar este ciclo da governação, e iniciar um "novo" ciclo. Mas Passos Coelho entendeu prolongar o aventureirismo suicida de Vítor Gaspar, promovendo, a ministra das Finanças, a secretária de Estado Maria Luís Albuquerque. Essa foi a gota de água que transbordou num copo que começou a encher praticamente desde a tomada de posse do governo. Quando Paulo Portas apresentou, na terça-feira, a sua demissão de ministro dos Negócios Estrangeiros como "irrevogável" era isso mesmo que queria dizer: não voltaria ao governo como ministro. Ou voltava com o poder de decidir ou acabava de vez com este governo e esta coligação. O pedido de demissão, apresentado como uma atitude "pessoal", serviu apenas para dar "maleabilidade" às previsíveis negociações, aos recuos e avanços a que a situação obrigasse, sem arrastar consigo o partido, em caso de insucesso. Instalado o pânico nas hostes da maioria, a porta de reentrada no governo escancarou-se. O resultado está à vista: vice-primeiro--ministro, coordenador das áreas económicas, das relações com a troika (meteu a ministra das Finanças no lugar que lhe compete - a de técnica) e da "reforma do Estado" - tudo o que verdadeiramente conta para definir a nova estratégia do governo no tempo que lhe resta. E o facto de Passos Coelho não poder recuar na nomeação da nova ministra das Finanças serviu para aumentar as contrapartidas. A leitura política dos acontecimentos até agora só pode ser uma: nesta luta pelo poder dentro do governo, melhor resultado para o CDS-PP e para Paulo Portas era difícil.

Quando, durante esta semana, o Presidente da República der o seu aval a este novo acordo, é de esperar um novo fôlego do governo, pelo menos até passar o cabo das eleições autárquicas, em finais de Setembro. O adiado congresso do CDS-PP, que estava preparado para ser um palco contra as políticas de Vítor Gaspar e de Passos Coelho, será, daqui a duas semanas, o local onde se sistematizará o novo discurso do governo. Depois, até Outubro, o modo como Paulo Portas, o novo "ideólogo", conseguir articular as áreas económicas, com as negociações com a troika, na oitava avaliação, e com as medidas draconianas previstas na "reforma do Estado", tudo áreas sob a sua coordenação, e os resultados que daí obtiver, ditarão o futuro do governo e a própria sobrevivência política do líder do CDS-PP. Tanto pode, em pouco tempo, capitalizar os ódios que caíram sobre o seu antecessor, Vítor Gaspar, como pode dificultar a vida a António José Seguro e ao PS. O histórico desta coligação e as relações com o primeiro-ministro formal funcionam contra Paulo Portas; algumas mudanças inevitáveis na Europa e a compreensão das consequências fatais da receita da troika funcionam a seu favor. Os próximos três meses são decisivos para perceber se este remendo produz os resultados esperados pelos seus protagonistas e se vamos ver o filme desta coligação até ao fim.

Jurista - Escreve à segunda-feira

Sem comentários:

Mais lidas da semana