Tomás Vasques –
Jornal i, opinião
O governo está
completamente isolado e vilipendiado por todos, incluindo as associações
patronais
Caso o Presidente
da República aceite, o que é o mais provável, o novo acordo de governo
apresentado no sábado, ao fim do dia, pelo primeiro-ministro, o líder do CDS-PP
acaba por levar a água ao seu moinho e substituirá Vítor Gaspar na liderança,
de facto, do governo. Depois dos acontecimentos políticos desta semana, a mais
alucinante das últimas décadas, que começou na passada segunda-feira e ainda não
chegou ao fim, a lembrar o título de uma obra literária, de autor desconhecido,
publicada nos anos 30, Romance com Cocaína, Paulo Portas, com uma jogada
política de alto risco, apostando no tudo ou nada, alcançou para si e para o
seu partido todos os seus objectivos.
As políticas de
austeridade conduzidas por Vítor Gaspar produziram resultados catastróficos.
Passados dois anos, o país está muito pior, empobrecido e debilitado, famílias
e empresas, e nem sequer as brutais e sucessivas cargas fiscais ajudaram a
consolidação orçamental. O governo está completamente isolado e vilipendiado
por todos, incluindo as associações patronais. A demissão do ministro das
Finanças, que se tornara o rosto do fracasso e do descrédito, permitia encerrar
este ciclo da governação, e iniciar um "novo" ciclo. Mas Passos
Coelho entendeu prolongar o aventureirismo suicida de Vítor Gaspar, promovendo,
a ministra das Finanças, a secretária de Estado Maria Luís Albuquerque. Essa
foi a gota de água que transbordou num copo que começou a encher praticamente
desde a tomada de posse do governo. Quando Paulo Portas apresentou, na
terça-feira, a sua demissão de ministro dos Negócios Estrangeiros como
"irrevogável" era isso mesmo que queria dizer: não voltaria ao
governo como ministro. Ou voltava com o poder de decidir ou acabava de vez com
este governo e esta coligação. O pedido de demissão, apresentado como uma
atitude "pessoal", serviu apenas para dar "maleabilidade"
às previsíveis negociações, aos recuos e avanços a que a situação obrigasse,
sem arrastar consigo o partido, em caso de insucesso. Instalado o pânico nas
hostes da maioria, a porta de reentrada no governo escancarou-se. O resultado
está à vista: vice-primeiro--ministro, coordenador das áreas económicas, das
relações com a troika (meteu a ministra das Finanças no lugar que lhe compete -
a de técnica) e da "reforma do Estado" - tudo o que verdadeiramente
conta para definir a nova estratégia do governo no tempo que lhe resta. E o
facto de Passos Coelho não poder recuar na nomeação da nova ministra das
Finanças serviu para aumentar as contrapartidas. A leitura política dos
acontecimentos até agora só pode ser uma: nesta luta pelo poder dentro do
governo, melhor resultado para o CDS-PP e para Paulo Portas era difícil.
Quando, durante
esta semana, o Presidente da República der o seu aval a este novo acordo, é de
esperar um novo fôlego do governo, pelo menos até passar o cabo das eleições
autárquicas, em finais de Setembro. O adiado congresso do CDS-PP, que estava
preparado para ser um palco contra as políticas de Vítor Gaspar e de Passos
Coelho, será, daqui a duas semanas, o local onde se sistematizará o novo
discurso do governo. Depois, até Outubro, o modo como Paulo Portas, o novo
"ideólogo", conseguir articular as áreas económicas, com as
negociações com a troika, na oitava avaliação, e com as medidas draconianas
previstas na "reforma do Estado", tudo áreas sob a sua coordenação, e
os resultados que daí obtiver, ditarão o futuro do governo e a própria
sobrevivência política do líder do CDS-PP. Tanto pode, em pouco tempo,
capitalizar os ódios que caíram sobre o seu antecessor, Vítor Gaspar, como pode
dificultar a vida a António José Seguro e ao PS. O histórico desta coligação e
as relações com o primeiro-ministro formal funcionam contra Paulo Portas;
algumas mudanças inevitáveis na Europa e a compreensão das consequências fatais
da receita da troika funcionam a seu favor. Os próximos três meses são
decisivos para perceber se este remendo produz os resultados esperados pelos
seus protagonistas e se vamos ver o filme desta coligação até ao fim.
Jurista - Escreve à
segunda-feira
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