Sendo procedimento
de rotina, em nada justificando os 18 dias de cativeiro dos dois agentes de
autoridade cabo-verdianos, a questão que se coloca terá que ver com os motivos
não aparentes, para não dizer escusos, a fazerem despoletar acusações
infundamentadas de espionagem dos agentes cabo-verdianos e a arbitrária
detenção dos mesmos aquando seu regresso a Cabo Verde, facto que não só
preocupou as autoridades cabo-verdianas, mas revoltou a opinião pública
cabo-verdiana e guineense, que vira no acto uma desesperada tentativa política
e extrajudicial de mostrar o «descontentamento» de certos ciclos do poder em
Bissau em relação ao alinhamento de Cabo Verde no combate internacional contra
o tráfico da droga e, também é bom dizê-lo, face à condenação inequívoca por
parte de Cabo Verde do golpe de Estado ocorrido na Guiné-Bissau.
Adilson Jesus – A Semana
(cv), opinião
Estando já libertos
e em terra firme e segura de Cabo Verde os nossos agentes da Polícia Nacional,
Júlio Centeio Gomes e Mário Varela Brito, presos em circunstâncias melindrosas
na Guiné-Bissau, a sociedade cabo-verdiana respira de alívio após o enorme
“stress” provocado por este insólito acontecimento.
Importa, antes de
mais, expressar regozijo pelo regresso e reconhecimento a todos quantos se
empenharam para que a questão se resolvesse a bom termo.
De facto, foi com
grande satisfação que assistimos à chegada em Cabo Verde dos dois agentes
acompanhados pelo Embaixador de Cabo Verde em Dakar, tendo sido recebidos no
Aeroporto Nelson Mandela da Cidade da Praia pelo Ministro das Relações Externas,
Jorge Borges, pela Ministra da Administração Interna, Marisa Morais, e por
numerosos colegas de profissão, para além de uma equipa médica para lhes dar
assistência, familiares e amigos.
Hoje, depois de um
período de recato em termos de comunicação, como é de norma neste tipo de
situações, para não prejudicar o desfecho do caso e, portanto, a libertação dos
dois agentes, as coisas estão mais claras. Sabe-se dos enormes esforços
diplomáticos desenvolvidos pelas autoridades cabo-verdianas a fim de libertar
os dois agentes, envolvendo uma rede muito grande de países, organizações
internacionais como a ONU, a CEDEAO, a CPLP, de personalidades influentes.
Sabe-se do apoio jurídico sem falha dado aos dois agentes, mas também do apoio
psicológico e alimentar durante todo o período de cativeiro.
Longe da pressão e
diante dos resultados do inquérito instaurado, pode-se aferir que os meandros
que terão levado ao cativeiro dos agentes da DEF não se sustentam à luz do
direito internacional, nem se justificavam à luz das relações (e dos
procedimentos instalados) entre as repúblicas da Guiné-Bissau e Cabo Verde.
O acompanhamento da
cidadã guineense, expatriada pela justiça cabo-verdiana, na sequência do
cumprimento de pena por tráfico de droga e para materializar a sentença
adicional de expulsão, pelos agentes policiais foi realizado nos termos da
legalidade e da regularidade, não havendo no caso em apreço nenhum dado novo e
extraordinário que pudessem, em boa-fé, melindrar os Serviços de Informação do
Estado da Guiné-Bissau e induzissem a suspeitas de más práticas e
irregularidades.
De acordo com as
regras internacionais e a prática dos serviços, a pessoa foi escoltada até à
fronteira do país de destino por dois agentes. E não se registou nada de
anómalo, conforme o inquérito instaurado, não por pressão de alguma entidade
interna, mas por prática policial inerente à natureza dos incidentes!
Por conseguinte, o
Tribunal Militar Regional não conseguiu provar os factos sobre os quais os dois
agentes eram acusados, nomeadamente crimes contra a Segurança Interna e Externa
do Estado. Nessa altura, a Liga Guineense dos Direitos Humanos reagira a exigir
a libertação imediata dos policiais cabo-verdianos. É que, conforme a LGDH, o
Serviço de Informação e Segurança, não tinha motivo, nem competência legal para
os deter, nem requerer a instrução de procedimentos criminais.
Diante de tal
improcedência «jurídico-militar», estes foram remetidos ao Ministério Público
que, segundo Salomé Santos e Franquelim Vieira, advogados contratados pelo
Governo cabo-verdiano para defender os polícias, acabou por produzir um
despacho no sentido de se arquivar o processo, já que não houve fundamentos
para a detenção. As acusações de que tinham sido alvo caíram por terra.
Sendo procedimento
de rotina, em nada justificando os 18 dias de cativeiro dos dois agentes de
autoridade cabo-verdianos, a questão que se coloca terá que ver com os motivos
não aparentes, para não dizer escusos, a fazerem despoletar acusações
infundamentadas de espionagem dos agentes cabo-verdianos e a arbitrária
detenção dos mesmos aquando seu regresso a Cabo Verde, facto que não só
preocupou as autoridades cabo-verdianas, mas revoltou a opinião pública
cabo-verdiana e guineense, que vira no acto uma desesperada tentativa política
e extrajudicial de mostrar o «descontentamento» de certos ciclos do poder em
Bissau em relação ao alinhamento de Cabo Verde no combate internacional contra
o tráfico da droga e, também é bom dizê-lo, face à condenação inequívoca por
parte de Cabo Verde do golpe de Estado ocorrido na Guiné-Bissau.
A detenção dos
agentes, a sua sujeição a cativeiro e demora na libertação põe a nu o desnorte
desses círculos do poder que em desespero veiculavam sucessivas pseudo
justificações, à espionagem seguiu-se uma tentativa de envolvimento no tráfico
para culminar num absurdo atentado à segurança interna e externa da
Guiné-bissau… sem nunca formalizar ou concretizar procurando com isso gerar
reacções da mesma estirpe das autoridades cabo-verdianas. Obrigando a um
verdadeiro exercício de contenção e paciência.
Do lado jurídico,
os atropelos foram tantos que revelam ilegalidade da detenção dos agentes.
Detenção foi feita por autoridade, os Serviços de Informação e Segurança, que
não têm competência para tal. Detenção sem acusação de culpa por mais de 48
horas. Acusação de entrar ilegalmente no país quando os dois agentes são
cidadãos da CEDEAO, viajaram com passaporte devidamente identificados como
agentes da DEF, tanto assim que não tiveram nenhum problema em passar a
fronteira e só vieram a ser presos 4 dias depois quando já estavam no aeroporto
aguardando o voo de regresso.
Não faltaram, tanto
na opinião pública (dos dois países, note-se), como na imprensa internacional,
especulações de que a prisão dos agentes cabo-verdianos mais não era do que uma
revanche deslocada pelo arrastamento do almirante Bubo na Tchuto, antigo Chefe
Estado-Maior da Marinha, da Guiné-Bissau, entre 2003 e 2008, pela Divisão
Especial de Operações da Drug Enforcement Agency (DEA), nas águas
internacionais e encaminhado, via Cabo Verde, para a prisão nos Estados Unidos.
Essa missão secreta
montada pelos Estados Unidos que levou à prisão do almirante Bubo Na Tchuto
está relacionada com uma outra, realizada em Bogotá na Colômbia, e que permitiu
prender dois colombianos – Rafael Antonio Garavito-Garcia e Gustavo
Perez-Garcia.
Acusados de tráfico
de droga, lavagem de capitais e terrorismo, por um Tribunal de Nova Iorque. Por
coincidência ou não, a rocambolesca detenção dos agentes cabo-verdianos
acontece no dia do começo do julgamento do almirante guineense. Para Michele
Leonhart, administradora da DEA, este caso ilustra «as ligações assustadoras
entre o tráfico de droga global e o financiamento das redes terroristas». A
responsável, citada no mesmo comunicado na página do Departamento de Justiça, refere-se
a estes "alegados narcotraficantes" como estando "entre os
criminosos mais violentos e mais brutais" do mundo. Sabe-se também que a
DEA pretende indiciar, pelos mesmos crimes, o actual Chefe de Estado-Maior
General das Forças Armadas (CEMGFA) António Indjai, o que tem as autoridades
guineenses numa enorme pressão político-diplomática e militar.
De realçar que,
nesse meio tempo, questionado sobre a demora na resolução deste processo, o
Primeiro-Ministro, José Maria Neves pedira paciência e serenidade aos
cabo-verdianos e, sobretudo, aos familiares dos agentes, adiantando que
"há questões que não podem ser resolvidas ao ritmo que desejamos, tendo em
conta um conjunto de equívocos que têm de ser removidos". Efectivamente,
para além do envio do embaixador de Cabo Verde no Senegal à Guiné-Bissau para
dialogar com as autoridades daquele país e de ele próprio se ter reunido com as
autoridades guineenses em Abudja, durante a reuniao da CEDEAO, o Governo tinha
já no terreno uma equipa de advogados para dar assistencia aos agentes em
cativeiro.
Diante da
libertação dos agentes, o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca,
confirmou à imprensa que a libertação dos agentes foi conseguida “num espaço de
tempo razoável”, o que revela que todos trabalharam “de forma articulada,
sistematizada, pondo acima de tudo o interesse de Estado, da Nação e dos
cabo-verdianos”. Salvando as devidas distancias e cautelas, pressentiu-se uma
grande convergência nacional em torno da solidariedade em prol da libertação
dos agentes, replicando o «mutirão nacional» em torno dos Tubarões Azuis,
durante a CAN 2013.
Entretanto, não
haverá fumo sem fogo. O porta-voz das autoridades guineenses não foi
convincente a refutar a tese de retaliação, deitando mãos às «relações
históricas e de irmandade que unem os dois povos». Só que por mais recusas, o
actual e «transitório» poder em Bissau tem vindo a mostrar insatisfação pela
colaboração das autoridades cabo-verdianas na luta contra o tráfico de drogas.
Entretanto, os cidadãos cabo-verdianos desconhecem que Cabo Verde tenha serviço
de espionagem e esteja interessada em espiar qualquer outro país, na linha do
que afirmou o Chefe do Governo Cabo-verdiano.
Sobre a necessidade
de se debruçar sobre o ocorrido e corrigir «eventuais falhas», não parece ser a
questão, embora os procedimentos, sobretudo quando geram incidentes, com ou não
culpados, carecem sempre espaços de melhorias. Outrossim, os procedimentos não
devem ser estanques, nem rígidos, mormente diante das novas complexidades do
mundo global e da situação que se vive na Guiné-Bissau, em particular, impondo
a todos especiais para além das práticas rotineiras.
Todavia, uma
eventual tentativa de sondar, como agulha no palheiro, algo que possa manchar o
criterioso cumprimento do dever dos agentes policiais e da Polícia Nacional,
não teria respaldo diante do facto de ter ficado claro de que lado não estava a
razão.
Não houve
comunicação às autoridades guineenses? Quem o garante? Entrementes, a lei não
impõe essa comunicação. As regras da ICAO, e nos termos dos regulamentos da
Agência da Aviação Civil, foram observadas e os procedimentos de chegada foram
legalmente cumpridos na Guiné-Bissau. A pessoa expatriada encontra-se
desaparecida? Esta foi mais uma falsidade lançada para tentar justificar o injustificável.
Como interpretar
então este caso que criou alguma apreensão entre dois países e povos irmãos,
com uma história comum mesmo de unidade na luta de libertação do colonialismo e
membros da mesma organização regional de desenvolvimento, a CEDEAO, e da
comunidade lusófona, a CPLP, para além do facto de milhares de cabo-verdianos
viverem na Guiné-Bissau e milhares de guineenses residirem em Cabo Verde?
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