Le
Monde, Paris – Presseurop – imagem Tom
Janssen
Perante a violenta
repressão dos partidários do Presidente deposto Mohamed Morsi, pelos militares
regressados ao poder no Egito, a UE está a ter dificuldade em encontrar uma
posição comum. No entanto, a União dispõe de meios para levar as partes a
reimplantar o processo democrático: a suspensão da ajuda económica ao país.
No Egito, foi
perpetrado um crime de grande dimensão. O ataque levado a cabo pelas forças de
ordem, em 14 de agosto, contra os acampamentos de manifestantes pró-Morsi, no
Cairo, desencadeou um banho de sangue. O balanço é terrível: mais de 500 mortos
em todo o país, segundo números ainda não confirmados. [As vítimas seriam mais
de mil, até à data].
Discreto desde a
destituição do Presidente Morsi, em 3 de julho, o golpe de Estado do Exército
egípcio mostrou agora a sua verdadeira face: o general Al-Sissi reduziu a zero
o frágil mecanismo institucional que deveria conduzir à realização de eleições.
A democracia foi espezinhada, ao mesmo tempo que as normas elementares que
salvaguardam os direitos humanos e o direito à manifestação.
O Egito não estava
de modo algum predestinado a esta alternativa trágica: ditadura ou guerra
civil. As mediações internacionais, designadamente a da União
Europeia, e as advertências norte-americanas tentaram evitar o pior dos
cenários. Até ao último minuto, existia outra via possível: um acordo entre a
equipa de Al-Sissi e a Irmandade Muçulmana. A radicalização e a polarização
extrema dos dois campos arrastaram o Egito para um caos imprevisível, no
coração de uma região, o Médio Oriente, cujos tormentos se agravam
constantemente.
Que fazer? As
condenações internacionais foram muitas. Mas será que as palavras bastam? A
despeito da afronta que acaba de lhes ser infligida pelos militares egípcios, é
possível compreender que os Estados Unidos hesitem em suspender a sua ajuda ao
Egito (1,3 mil milhões de euros por ano): há 30 anos que essa ajuda representa
a base dos acordos de paz com Israel. O Presidente Obama, cujo desejo de se
distanciar dos problemas do mundo árabe e muçulmano é conhecido, optou por uma
reação comedida: cancelou as manobras militares conjuntas americano-egípcias,
sem cortar o envio de fundos.
Marginalização dos
ocidentais
A Europa tem maior
margem de manobra. O massacre do Cairo requer uma reação forte, compatível com
o apoio
declarado, desde 2011, à esperança de democratização no mundo árabe. No
passado, a União Europeia penalizou outros países por massacres
e por outros excessos de autoritarismo, como nos casos do Sri Lanka, do
Zimbabué, da Birmânia e da Bielorrússia.
É legítimo esperar
que os Vinte e Oito tirem as devidas ilações da matança do Cairo. Dito
claramente: que suspendam os cinco mil milhões de ajuda prometidos ao Egito.
Essa sanção deverá manter-se, enquanto não for restabelecido o processo de
conversações e repostos mecanismos democráticos dignos desse nome. Fazer menos
do que isso seria fugir à questão.
É verdade que, face
à violência que grassa no Egito, o peso dos atores externos é relativo e que
não faltam argumentos que demonstram a marginalização dos ocidentais. No Egito,
os erros são sem dúvida partilhados: a era Morsi não foi – muito longe disso –
um período isento de problemas e a mobilização de multidões anterior à
destituição, em 3 de julho, do primeiro Presidente do país democraticamente
eleito, foi inspirada pelos excessos, inclusive repressivos, da Irmandade
Muçulmana no poder.
Mas a decisão do
campo Al-Sissi de massacrar manifestantes e de se entregar aos piores abusos
contra civis constitui uma viragem inadmissível, que requer sanções. A Europa
deve suspender a sua ajuda. É uma questão de princípio.
Opinião
Avisos
indispensáveis, embora vãos
Os líderes da UE
“têm razão” em dizer que a violência dos últimos dias, no Egito, não pode ser
nem justificada nem tolerada, escreve o Frankfurter Allgemeine
Zeitung, depois da tomada de posição dos
presidentes do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e da Comissão, José Manuel
Durão Barroso. O diário mantém-se, no entanto, muito cético em relação às
medidas de que a UE dispõe para acabar com essa violência:
Podemos congelar as
relações com os líderes militares do Cairo e tentar puni-los com a suspensão da
ajuda. [Mas] a sua resposta é previsível: não tolerarão o facto de a [UE] se
imiscuir nos assuntos internos do Egito; vão ignorar os apelos ao diálogo e
fazer saber que conseguem encontrar parceiros noutros lados, como em Moscovo,
por exemplo. [...] Isso não significa que tenhamos que renunciar a tais avisos
[...] mas é bom que não tenhamos esperança quanto ao seu sucesso. Enquanto a
Irmandade Muçulmana e os militares não quiserem seguir uma via capaz de
conduzir a uma ordem civil que inclua várias forças políticas diferentes.
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