Revista Seara Nova - Editorial - primavera 2013
Decorridos trinta e
sete anos sobre a data da sua aprovação (2 de Abril de 1976) e sete processos
de revisão que, desde 1982, intentaram eliminar ou descaracterizar algumas das
suas marcas fundamentais, a verdade é que a Constituição de Abril, logo no seu artigo
1.º, continua a definir Portugal como uma República soberana, baseada na
dignidade da pessoa humana e na vontade popular. A política que vem sendo
seguida pelo Governo PSD/PP põe em causa esses conceitos-chave do nosso viver
colectivo: a soberania do país, a dignidade dos cidadãos, o respeito pela
vontade popular.
A adesão à União
Europeia (UE) significou, politicamente, a alienação de parte substancial da
nossa soberania, alienação essa visível no modo como a Bandeira Nacional, um
dos símbolos constitucionais da soberania da República, passou a ser
oficialmente apresentada, agora sob a tutela do céu estrelado da Europa.
O modo como os
sucessivos governos foram aceitando o carácter residual da soberania nacional,
a submissão cega às imposições dos órgãos dirigentes da UE, seja através das
famosas directivas a que tem que se subordinar a nossa legislação interna, seja
através de uma autêntica governança de ocupação, como a que se verifica com a troika
Fundo Monetário Internacional/Banco Central Europeu/Comissão Europeia - esse
modo de desconsideração da vontade popular traduz-se no desprezo pela dignidade
humana dos cidadãos, no empobrecimento generalizado das pessoas, cuja falta de
perspectiva de uma vida minimamente decente está a empurrá-las para a emigração,
a queda da natalidade, a falência, o suicídio, o desespero individual e
colectivo. Desse desespero vêm dando sinal inequívoco as sucessivas
manifestações populares, a eleição da "Grândola Vila Morena" como
hino do descontentamento e de protesto, a recuperação de palavras de ordem da
Revolução de Abril.
Perante a dimensão
do protesto, com repercussão internacional, é manifesto que o Governo deixou de
ter a legitimidade que obtivera no acto eleitoral em que apresentou ao
eleitorado um programa que a sua política executiva defraudou em absoluto. São
reais, e preocupantes, os riscos da deriva governamental de um Executivo sem
norte, sem uma perspectiva de saída para a uma situação de crise que se agudiza
a cada dia, sem respeito pelas mais elementares regras da democracia,
constitucionalmente consagradas.
Se, como diz a
canção-hino de José Afonso, "o povo é quem mais ordena", é difícil
imaginar que os portugueses vivam hoje numa democracia representativa, e muito
menos na democracia participativa e no Estado de direito democrático de que
fala o artigo 2.º da Constituição. Nenhum cidadão pode sentir-se legitimamente
representado por alguém que conquistou o seu voto com um programa eleitoral
que, vencidas as eleições, não só ignora como espezinha, com uma prática oposta
às suas promessas eleiçoeiras. Nenhum cidadão pode sentir-se legitimamente
representado quando sente que, depositado o seu voto na urna, fica esgotado o
seu ciclo de participação na gestão da coisa pública.
A pobreza, a
miséria, a tristeza, a negação de direitos humanos essenciais - porque é disso
que falamos quando falamos do estado actual do País - esmagam a liberdade,
geram o medo, são más conselheiras. Porque também podem ser fonte de soluções
antidemocráticas, que podemos suspeitar como começam mas não podemos saber como
evoluem e terminam. Nesta matéria, infelizmente, experiência histórica não nos
falta.
Pelos riscos e
perigos da situação que se vive em Portugal, há que prestar atenção ao que se
passa em países da Europa do Sul, integrantes também eles da UE, especialmente
a Grécia, a Itália e a Espanha. Em particular, as recentes eleições gerais em
Itália devem alertar-nos para os perigos que representam a demagogia, o
populismo, a miragem de salvadores da Pátria, o controlo dos meios de comunicação
de massas, tudo factores condicionantes da opinião pública e mobilizadores do
eleitorado em sentidos que nada têm que ver com a Democracia entendida como
governo do Povo, com o Povo e para o Povo.
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