sexta-feira, 30 de agosto de 2013

UE - Portugal: O SALÁRIO DO MEDO

 


Revista Seara Nova - Editorial - primavera 2013
 
Decorridos trinta e sete anos sobre a data da sua aprovação (2 de Abril de 1976) e sete processos de revisão que, desde 1982, intentaram eliminar ou descaracterizar algumas das suas marcas fundamentais, a verdade é que a Constituição de Abril, logo no seu artigo 1.º, continua a definir Portugal como uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular. A política que vem sendo seguida pelo Governo PSD/PP põe em causa esses conceitos-chave do nosso viver colectivo: a soberania do país, a dignidade dos cidadãos, o respeito pela vontade popular.
 
A adesão à União Europeia (UE) significou, politicamente, a alienação de parte substancial da nossa soberania, alienação essa visível no modo como a Bandeira Nacional, um dos símbolos constitucionais da soberania da República, passou a ser oficialmente apresentada, agora sob a tutela do céu estrelado da Europa.
 
O modo como os sucessivos governos foram aceitando o carácter residual da soberania nacional, a submissão cega às imposições dos órgãos dirigentes da UE, seja através das famosas directivas a que tem que se subordinar a nossa legislação interna, seja através de uma autêntica governança de ocupação, como a que se verifica com a troika Fundo Monetário Internacional/Banco Central Europeu/Comissão Europeia - esse modo de desconsideração da vontade popular traduz-se no desprezo pela dignidade humana dos cidadãos, no empobrecimento generalizado das pessoas, cuja falta de perspectiva de uma vida minimamente decente está a empurrá-las para a emigração, a queda da natalidade, a falência, o suicídio, o desespero individual e colectivo. Desse desespero vêm dando sinal inequívoco as sucessivas manifestações populares, a eleição da "Grândola Vila Morena" como hino do descontentamento e de protesto, a recuperação de palavras de ordem da Revolução de Abril.
 
Perante a dimensão do protesto, com repercussão internacional, é manifesto que o Governo deixou de ter a legitimidade que obtivera no acto eleitoral em que apresentou ao eleitorado um programa que a sua política executiva defraudou em absoluto. São reais, e preocupantes, os riscos da deriva governamental de um Executivo sem norte, sem uma perspectiva de saída para a uma situação de crise que se agudiza a cada dia, sem respeito pelas mais elementares regras da democracia, constitucionalmente consagradas.
 
Se, como diz a canção-hino de José Afonso, "o povo é quem mais ordena", é difícil imaginar que os portugueses vivam hoje numa democracia representativa, e muito menos na democracia participativa e no Estado de direito democrático de que fala o artigo 2.º da Constituição. Nenhum cidadão pode sentir-se legitimamente representado por alguém que conquistou o seu voto com um programa eleitoral que, vencidas as eleições, não só ignora como espezinha, com uma prática oposta às suas promessas eleiçoeiras. Nenhum cidadão pode sentir-se legitimamente representado quando sente que, depositado o seu voto na urna, fica esgotado o seu ciclo de participação na gestão da coisa pública.
 
A pobreza, a miséria, a tristeza, a negação de direitos humanos essenciais - porque é disso que falamos quando falamos do estado actual do País - esmagam a liberdade, geram o medo, são más conselheiras. Porque também podem ser fonte de soluções antidemocráticas, que podemos suspeitar como começam mas não podemos saber como evoluem e terminam. Nesta matéria, infelizmente, experiência histórica não nos falta.
 
Pelos riscos e perigos da situação que se vive em Portugal, há que prestar atenção ao que se passa em países da Europa do Sul, integrantes também eles da UE, especialmente a Grécia, a Itália e a Espanha. Em particular, as recentes eleições gerais em Itália devem alertar-nos para os perigos que representam a demagogia, o populismo, a miragem de salvadores da Pátria, o controlo dos meios de comunicação de massas, tudo factores condicionantes da opinião pública e mobilizadores do eleitorado em sentidos que nada têm que ver com a Democracia entendida como governo do Povo, com o Povo e para o Povo.
 

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