sexta-feira, 30 de agosto de 2013

UE - Paraísos fiscais: TIRAR AOS POBRES PARA DAR AOS RICOS

 

La Vanguardia, Barcelona - Presseurop
 
A alguns quilómetros das costas da UE, as ilhas de Man, de Jersey e de Guernesey acolhem milionários que procuram fugir ao fisco. Mas as campanhas europeias contra a evasão fiscal minaram os seus rendimentos, vendo-se agora obrigadas a praticar cortes orçamentais.
 
 
Não param de chegar refugiados à ilha de Man. Mas não vêm em botes, como os que chegam a Tarifa e à costa andaluza, mas sim em jatos privados. E quem os espera, para lhes dar as boas vindas, não é a Guarda Civil, mas motoristas privados que lhes abrem a porta de um Bentley, de um Porsche ou de um Ferrari (a ilha tem uma das maiores concentrações de carros de luxo do mundo). Não fogem da fome e da miséria, mas do imposto de 50% sobre os rendimentos mais altos no Reino Unido e da obsessão dos governos em fiscalizar o seu dinheiro.
 
A recessão não chegou à ilha de Man (goza de um quarto de século de crescimento económico consecutivo, o ano passado cresceu 2,5%), mas os cortes chegaram. Tal como em Jersey e em Guernsey (ilhas anglo-normandas), também aqui se nota o impacto da campanha internacional para apertar o cerco aos paraísos fiscais, obrigando-os a uma maior transparência e a cortarem privilégios. Isso traduz-se numa perda de receitas e em défice orçamental, que não é pago pelos multimilionários mas sim pelos trabalhadores. É o efeito Robin dos Bosques ao contrário, tirar aos pobres para dar aos ricos.
 
“Se destruírem o nosso sistema financeiro convertem-nos numa espécie de Liverpool, mas com um clima ainda pior”, diz o primeiro-ministro da ilha de Man, Alan Bell, que na última reunião do G-8 prometeu colaborar na luta contra a fraude fiscal e “ter em conta as preocupações de Londres e da União Europeia”, mas sem se comprometer com nada de concreto. É lógico. O setor financeiro representa um quarto da economia da ilha, graças ao facto de não existirem impostos sobre as empresas e de o imposto máximo sobre o rendimento ser de 10%, com um teto de 125 mil euros anuais, seja qual for o valor total desse rendimento. Não há impostos sucessórios nem mais-valias. Para os milionários é uma verdadeira pechincha.
 
Riqueza eletrónica
 
Paraíso fiscal situado no meio do mar da Irlanda, a ilha de Man é um sítio muito especial, conhecido pelas suas corridas de motas, com dois programas de exploração lunar ativos, um ministro dos Assuntos do Espaço e uma empresa (Excalibur Almaz) que desde a aventura da Apolo 17, há mais de 40 anos, tenta ser a primeira a organizar a próxima viagem à lua. Os reformados fazem de figurantes nas numerosas produções de cinema e de televisão que ali são rodadas (meia centena, até à data), aproveitando o simpático regime fiscal.
 
Mas trata-se de uma riqueza eletrónica, que tecnicamente está na ilha mas que é gozada em Londres, Nova Iorque ou Saint-Tropez. O passeio marítimo de Douglas, a capital, não é exatamente La Croisette de Cannes. Não há mansões fabulosas, porque os ricaços só “tecnicamente” ali moram. As casas e as lojas não são nem melhores nem piores do que em qualquer outro sítio do norte de Inglaterra. Os salários dos 80 mil habitantes (quase todos brancos) são semelhantes aos do Reino Unido, mas o custo de vida é muito mais alto. Arrendar uma casa é mais caro e os alimentos chegam de barco ou de avião.
 
E agora, vão ser aplicados a todos os ministérios cortes da ordem dos 35 milhões de euros, exceto na Saúde e Educação, e que afetarão sobretudo os trabalhadores temporários (são necessários cinco anos de residência para ter direito a Segurança Social). Tudo isto porque Londres decidiu cortar o pedaço do bolo que cabia à ilha em receitas de IVA e de apostas, e que significam quase 500 milhões de euros ao ano (cerca de 60% do orçamento). E subir os impostos aos ricos, nem pensar, evidentemente! “É a pior crise de que me lembro, e olhe que já não sou nova”, diz a reformada Norma Cassell, num salão de chá do centro de Douglas.
 
Um grande clube de campo
 
As ilhas anglo-normandas de Jersey e Guernsey, no canal da Mancha, apenas a quinze quilómetros da costa francesa, têm o mesmo estatuto da ilha de Man: não fazem parte nem do Reino Unido nem da UE, não são colónias nem territórios ultramarinos, dependem da coroa britânica e têm hino e bandeira, juram lealdade à Rainha, pagam uma quota a Londres para que se encarregue da sua defesa e da sua diplomacia, mas têm leis próprias, sobretudo em matéria de impostos.
 
Calcula-se que só em Jersey estejam 600 milhões de euros em dinheiro que fugiu a impostos, oculto nas contas e nos fundos de meia centena de bancos internacionais. Mais de metade dos 98 mil habitantes são bancários, contabilistas, advogados e assessores financeiros. É como um grande clube de campo, cuja inscrição custa, no mínimo, onze anos de residência, ter bens no valor de oito milhões de euros e comprar uma casa que custe, no mínimo, dois milhões de euros.
 
Os anúncios no aeroporto de St. Helier oferecem assessoria fiscal e gestão de propriedades, e não restaurantes de comida rápida. Mas, tal como em Douglas, falta-lhe glamour. Casas normalíssimas (algumas bastantes degradadas), as mesmas lojas das mesmas cadeias, como em qualquer outro lado. O rendimento per capita é de 22 mil euros, mais alto que o inglês, mas os camponeses (assim são conhecidas na gíria local as pessoas não são milionárias nem trabalham na área financeira) estão furiosos com a subida de 3% do IVA para compensar a queda das receitas causada pela crescente pressão sobre os paraísos fiscais. “Se isto fosse França já tinha havido uma revolução, é incrível que sejamos nós, os pobres, a subsidiar os milionários”, lamenta-se Edith Newman, empregada de farmácia, ao balcão do pub The Admiral, na James Street. A história é igual à da ilha de Man.
 
“Há muito blá-blá-blá por causa da crise, mas os paraísos existem porque assim o desejam as classes dirigentes e os governos. É tudo fita. Só Jersey fornece 200 milhões de euros de liquidez ao sistema bancário britânico, uma válvula de segurança que caiu que nem ginjas na crise financeira – diz um gestor de fundos com escritório em Royal Square –. Se os Estados precisam de dinheiro, vão buscá-lo às pensões e aos salários, não às grandes fortunas.” Um segredo que já toda a gente sabe e que chegou numa garrafa às ilhas do tesouro.
 
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