La Vanguardia, Barcelona - Presseurop
A alguns
quilómetros das costas da UE, as ilhas de Man, de Jersey e de Guernesey acolhem
milionários que procuram fugir ao fisco. Mas as campanhas europeias contra a
evasão fiscal minaram os seus rendimentos, vendo-se agora obrigadas a praticar
cortes orçamentais.
Não param de chegar
refugiados à ilha de Man. Mas não vêm em botes, como os que chegam a Tarifa e à
costa andaluza, mas sim em jatos privados. E quem os espera, para lhes dar as
boas vindas, não é a Guarda Civil, mas motoristas privados que lhes abrem a
porta de um Bentley, de um Porsche ou de um Ferrari (a ilha tem uma das maiores
concentrações de carros de luxo do mundo). Não fogem da fome e da miséria, mas
do imposto de 50% sobre os rendimentos mais altos no Reino Unido e da obsessão
dos governos em fiscalizar o seu dinheiro.
A recessão não
chegou à ilha de Man (goza de um quarto de século de crescimento económico
consecutivo, o ano passado cresceu 2,5%), mas os cortes chegaram. Tal como em
Jersey e em Guernsey (ilhas anglo-normandas), também aqui se nota o impacto da
campanha internacional para apertar o cerco aos paraísos fiscais, obrigando-os
a uma maior transparência e a cortarem privilégios. Isso traduz-se numa perda
de receitas e em défice orçamental, que não é pago pelos multimilionários mas
sim pelos trabalhadores. É o efeito Robin dos Bosques ao contrário, tirar aos
pobres para dar aos ricos.
“Se destruírem o
nosso sistema financeiro convertem-nos numa espécie de Liverpool, mas com um
clima ainda pior”, diz o primeiro-ministro da ilha de Man, Alan Bell, que na
última reunião do G-8 prometeu colaborar na luta contra a fraude fiscal e “ter
em conta as preocupações de Londres e da União Europeia”, mas sem se
comprometer com nada de concreto. É lógico. O setor financeiro representa um
quarto da economia da ilha, graças ao facto de não existirem impostos sobre as
empresas e de o imposto máximo sobre o rendimento ser de 10%, com um teto de
125 mil euros anuais, seja qual for o valor total desse rendimento. Não há
impostos sucessórios nem mais-valias. Para os milionários é uma verdadeira
pechincha.
Riqueza eletrónica
Paraíso fiscal
situado no meio do mar da Irlanda, a ilha de Man é um sítio muito especial,
conhecido pelas suas corridas de motas, com dois programas de exploração lunar
ativos, um ministro dos Assuntos do Espaço e uma empresa (Excalibur Almaz) que desde a aventura da Apolo
17, há mais de 40 anos, tenta ser a primeira a organizar a próxima viagem à
lua. Os reformados fazem de figurantes nas numerosas produções de cinema e de
televisão que ali são rodadas (meia centena, até à data), aproveitando o
simpático regime fiscal.
Mas trata-se de uma
riqueza eletrónica, que tecnicamente está na ilha mas que é gozada em Londres,
Nova Iorque ou Saint-Tropez. O passeio marítimo de Douglas, a capital, não é
exatamente La Croisette de Cannes. Não há mansões fabulosas, porque os ricaços
só “tecnicamente” ali moram. As casas e as lojas não são nem melhores nem
piores do que em qualquer outro sítio do norte de Inglaterra. Os salários dos
80 mil habitantes (quase todos brancos) são semelhantes aos do Reino Unido, mas
o custo de vida é muito mais alto. Arrendar uma casa é mais caro e os alimentos
chegam de barco ou de avião.
E agora, vão ser
aplicados a todos os ministérios cortes da ordem dos 35 milhões de euros,
exceto na Saúde e Educação, e que afetarão sobretudo os trabalhadores
temporários (são necessários cinco anos de residência para ter direito a
Segurança Social). Tudo isto porque Londres decidiu cortar o pedaço do bolo que
cabia à ilha em receitas de IVA e de apostas, e que significam quase 500
milhões de euros ao ano (cerca de 60% do orçamento). E subir os impostos aos
ricos, nem pensar, evidentemente! “É a pior crise de que me lembro, e olhe que
já não sou nova”, diz a reformada Norma Cassell, num salão de chá do centro de
Douglas.
Um grande clube de
campo
As ilhas
anglo-normandas de Jersey e Guernsey, no canal da Mancha, apenas a quinze
quilómetros da costa francesa, têm o mesmo estatuto da ilha de Man: não fazem
parte nem do Reino Unido nem da UE, não são colónias nem territórios
ultramarinos, dependem da coroa britânica e têm hino e bandeira, juram lealdade
à Rainha, pagam uma quota a Londres para que se encarregue da sua defesa e da
sua diplomacia, mas têm leis próprias, sobretudo em matéria de impostos.
Calcula-se que só
em Jersey estejam 600 milhões de euros em dinheiro que fugiu a impostos,
oculto nas contas e nos fundos de meia centena de bancos internacionais. Mais
de metade dos 98 mil habitantes são bancários, contabilistas, advogados e
assessores financeiros. É como um grande clube de campo, cuja inscrição custa,
no mínimo, onze anos de residência, ter bens no valor de oito milhões de euros
e comprar uma casa que custe, no mínimo, dois milhões de euros.
Os anúncios no
aeroporto de St. Helier oferecem assessoria fiscal e gestão de propriedades, e
não restaurantes de comida rápida. Mas, tal como em Douglas, falta-lhe glamour.
Casas normalíssimas (algumas bastantes degradadas), as mesmas lojas das mesmas
cadeias, como em qualquer outro lado. O rendimento per capita é de 22 mil
euros, mais alto que o inglês, mas os camponeses (assim são conhecidas na gíria
local as pessoas não são milionárias nem trabalham na área financeira) estão
furiosos com a subida de 3% do IVA para compensar a queda das receitas causada
pela crescente pressão sobre os paraísos fiscais. “Se isto fosse França já
tinha havido uma revolução, é incrível que sejamos nós, os pobres, a subsidiar
os milionários”, lamenta-se Edith Newman, empregada de farmácia, ao balcão do pub
The Admiral, na James Street. A história é igual à da ilha de Man.
“Há muito
blá-blá-blá por causa da crise, mas os paraísos existem porque assim o desejam
as classes dirigentes e os governos. É tudo fita. Só Jersey fornece 200 milhões
de euros de liquidez ao sistema bancário britânico, uma válvula de segurança
que caiu que nem ginjas na crise financeira – diz um gestor de fundos com
escritório em Royal Square –. Se os Estados precisam de dinheiro, vão buscá-lo
às pensões e aos salários, não às grandes fortunas.” Um segredo que já toda a
gente sabe e que chegou numa garrafa às ilhas do tesouro.
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