Folha 8 – 26 outubro
2013
Joaquim Oliveira,
presidente e suposto dono da Controlinveste, empresa proprietária – entre
outros meios – do Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Dinheiro Vivo e TSF,
e Marinho Pinto (bastonário da Ordem dos Advogados portugueses em fim de
mandato) também saíram à rua para defender a honra, que dizem vilipendiada, de
Eduardo dos Santos e do seu regime.
Curiosamente ambos
usam a mesma argumentação, dizendo que se questiona sempre a origem do
dinheiro de Angola (quase exclusivamente originário de um grupo restrito
ligado aos dirigentes do regime) e – note-se – não se questionam os investimentos
norte-americanos, por exemplo.
Ambos, e é verdade
que estão acompanhados cada vez em maior número, esquecem o que nesta matéria
é essencial e valorizam, numa atitude mesquinha que só leva em conta o próprio
umbigo, o acessório.
Vejamos, fazendo
uso dos EUA e de Angola. Os investimentos ditos angolanos têm origem no núcleo-duro
do presidente. Os norte-americanos têm origem em algum núcleo, duro ou não,
ligado a Barack Obama?
Quantos anos esteve
Barack Obama como presidente dos EUA sem ter sido eleito? Eduardo dos Santos
esteve 32 anos. O presidente norte-americano tem limite de mandatos, o seu
homólogo angolano não.
As filhas do Barack
Obama, ou de qualquer outro presidente, são as mais ricas cidadãs do país?
Não. As de Eduardo dos Santos são.
Nos EUA, é Barack
Obama que escolhe – grosso o modo e no que é aplicável - todos os juízes do
Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes
do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado
Maior das Forças Armadas, os Chefes do Estado-Maior dos diversos ramos? Não.
Em Angola é o
Presidente que escolhe.
Na democracia norte-americana,
o poder judicial é independente, o Povo sabe quem elege ou quem não elege. Em
Angola não.
Portanto, os EUA
oferecem mais garantias de transparência nos seus investimentos do que Angola.
Ou, melhor, do que aquele protagonizado por alguns, poucos, angolanos.
Bem antes dos novos
arautos da honorabilidade dos investidores angolanos, já em Setembro de 2009,
Ângelo Correia – um dos “pais” de Pedro Passos Coelho – aconselhava o líder do
PSD a falar (bem, é claro) do regime de Eduardo dos Santos.
Em Luanda, Ângelo
Correia considerou (27 de Setembro de 2009) “legítimos e legais” os investimentos
feitos por empresas angolanas em Portugal.
Em declarações à
imprensa no âmbito das palestras sobre o ambiente, o ex-ministro da Administração
Interna do PSD, afirmou “não existir nada no ordenamento jurídico português”
que impeça empresários estrangeiros de investirem no mercado luso, procurando
gerar capitais e conhecimentos.
“Da mesma forma que
os portugueses investem em Angola, é legitimo que os angolanos o façam também
no nosso país. Os benefícios são mútuos e em alguns casos Portugal sai mesmo a
ganhar porque recebe investimentos em áreas onde não tem produção”, sublinhou,
apontando o sector petrolífero como exemplo.
Considerando
“reaccionárias” as pessoas que já então se manifestavam contrárias ao
investimento de angolano ligados ao clã presidência em Portugal, Ângelo Correia
referiu-se ao investimento da petrolífera Sonangol na Galp, como sendo uma
iniciativa que ajudava a reforçar os laços de cooperação entre os dois estados.
“Nada está a
acontecer à margem da lei, portanto, é legítimo que os angolanos escolham
determinadas áreas para investir. Quem se manifesta contra é porque ainda vive
no passado e deve, por isso, actualizar-se. Estamos num mundo globalizados e
num mercado aberto para todos”, disse o inspirador, mentor e criador da
criatura que hoje é primeiro-ministro de Portugal.
De facto, com
tantos floreados, até parece que tudo é transparente nos investimentos feitos
em Portugal. Parece mas não é.
Ângelo Correia
sabia e sabe isso muito bem. Mas, é claro, há coisas que se sabem mas não se
dizem, sobretudo porque isso poderia ser visto como estar a cuspir no prato
onde se come. E Joaquim Oliveira, Marinho Pinto e Ângelo Correia (entre muitos
outros) são pessoas de grande e bom alimento.
Ao contrário do que
dizia Ângelo Correia e agora repetem o “dono” da Controlinveste e o
bastonário dos advogados portugueses, ninguém cá como lá põe em causa os
investimentos angolanos em Portugal. O problema está em que não são
investimentos angolanos, são investimentos de uma família e de meia dúzia de
amigos que quase representa 100 por centro do Produto Interno Bruto do nosso
país.
Fossem, de facto,
empresas angolanas e tudo estaria bem. Mas não são. São de um clã.
Aliás, quantas
empresas tem o homólogo português de José Eduardo dos Santos? Que percentagem
do PIB português representa, por analogia com o presidente angolano, Cavaco
Silva?
Ao contrário de
Ângelo Correia, os reaccionários não estavam, não estão e nunca estarão contra
as empresas angolanas. Estão isso sim (e até ficava bem Ângelo Correia estar
também desse lado) contra o facto de haver meia dúzia de pessoas, todas
ligadas ao clã Eduardo dos Santos, que são donas de Angola.
Do outro lado da
questão estão os investimentos portugueses em Angola. Que se saiba, legais ou
não, transparentes ou não, não pertencem ao núcleo-duro de Cavaco Silva. Mas
isso é irrelevante.
Segundo o
vice-primeiro-ministro português, Paulo Portas, o sucesso dos investimentos
de empresas portuguesas em Angola é a chave para a manutenção de postos de
trabalho em Portugal.
Assim, mais de um
milhão e duzentas mil pessoas que estão no desemprego ficaram, valha-lhes ao
menos isso, a saber que nada devem ao regime que foi presidido por um cidadão
que esteve 32 anos no poder sem nunca ter sido eleito.
“O mercado angolano
é o primeiro fora da Europa para as nossas empresas, que fazem aqui uma aposta
muito importante, que fazem aqui investimentos significativos e que ao ter uma
posição importante em Angola estão a proteger postos de trabalho na
rectaguarda, em Portugal”, disse Paulo Portas.
Recorde-se que o
comentário bajulatório (como todos os que partem de Lisboa) de Paulo Portas
veio na sequência de declarações do então ministro de Estado e da Coordenação
Económica, Manuel Vicente, segundo o qual Angola não iria reforçar os
investimentos no tecido produtivo português.
“Angola é um país
cujo crescimento económico é enorme. Tem uma prioridade importante que é fazer
com que esse crescimento signifique também uma melhor distribuição. Tem
inúmeros planos nas áreas económica e social para o território angolano e na
internacionalização, Portugal foi, é e será importante, como se vê todos os dias
pelos factos”, salientou Paulo Portas.
As relações entre
Portugal e Angola “são boas e podem ainda ser melhores, sempre numa
perspetiva duplamente ganhadora. É preciso que os interesses de Portugal em
Angola sejam defendidos e é preciso que os investimentos de Angola em Portugal
sejam protegidos”, disse Paulo Portas, certamente depois de ter sido
suficientemente afagado pelos especialistas do regime.
“Há muitas empresas
portuguesas presentes no mercado angolano: grandes, médias e pequenas, e há
inúmeros planos para o futuro de Angola onde a participação das empresas
portuguesas é relevante e hoje em dia é muito significativa, em sectores
importantes, a entrada de capitais angolanos em Portugal”, acrescentou Paulo
Portas.
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