Rui Martins, Berna –
Direto da Redação
Berna (Suiça) -
Carlito Maia não está vivo e assim se poupa de ver os líderes do PT levados a
Papuda, num momento em que o Judiciário, dirigido por um autocrata, esmagou o
Executivo, no maior silêncio. Carlito foi um dos maiores entusiastas fundadores
do Partido dos Trabalhadores e, publicitário de grande criatividade, foi o
criador do slogan – Lula Lá.
Porém, antes do
choque de ver presos os líderes do seu partido, Carlito já teria se
decepcionado com os rumos tomados pela política brasileira depois que Lula e
Dilma chegaram lá. Vibrante, cheio de vida, não era de café com leite e nem de
água morna, e naturalmente teria esperado, além do crescimento do país que
diminuiu a desigualdade social, as reformas políticas básicas que eram
bandeiras de sua geração, frustradas com o golpe de 64.
Seria leviano
argumentar que Lula ou Dilma poderiam ter agido de maneira diferente, pois a
chegada do PT ao poder em 2002 não coincidia com a obtenção de maioria
parlamentar, o que exigiu uma estratégia malabarista para poderem governar. Mas
a aplicação de uma tática pragmática de concessões, aceita pelo Partido, foi
aos poucos comprometendo o projeto inicial. E hoje o balanço parece negativo:
em lugar do PT ter se fortalecido e driblado seus opositores, se enfraqueceu e
mesmo perdeu em credibilidade junto à população, caindo finalmente numa arapuca
ardilosa e pacientemente montada pela oposição contando com o apoio da grande
mídia.
Teria sido possível
prever o surgimento de um STF super-vitaminado, dirigido por um incontrolável
presidente metido a justiceiro, capaz de induzir e forçar os demais ministros
a, na falta de provas, adotar o princípio sui generis do dominio do fato,
desconhecido nos outros países, para lavrar a condenação e, de maneira quase
violenta, colocar todos na prisão com uma rapidez nunca ocorrida ?
Talvez. Durante o
julgamento do processo de extradição do italiano Cesare Battisti, outro
presidente do STF, Gilmar Mendes, quis passar por cima de decisões do
Executivo. Um Executivo, diga-se de passagem dividido e contraditório.
A CONARE, órgão
ligado ao Ministério da Justiça que cuida da concessão de refúgio, ali
representado pelo ex-ministro Luiz Paulo Barreto, votou contra o refúgio
abrindo as portas para a extradição de Battisti, em total desacordo com o então
ministro da Justiça Tarso Genro, que no momento se encontrava em Paris.
A situação que
poderia ter sido facilmente solucionada exigiu, a seguir, uma decisão do
ministro, rejeitando o voto da Conare, e concedendo o refúgio ao italiano, ao
mesmo tempo que pedia a libertação do italiano preso na penitenciária da
Papuda.
Ora, de maneira
surpreendente, Gilmar Mendes praticamente invalidou a decisão de Tarso Genro,
subvertendo o equilíbrio dos três poderes. O jurista Dalmo Dallari e outros
consideraram medida absurda, pois o STF desafiava uma decisão do Executivo e se
apropriava de uma área sobre a qual, normalmente não tinha competência. Exceto
a reação do ministro Tarso Genro, o Executivo deixou passar o abuso, ou seja,
deixou que ele se validasse e outra tentativa maior ocorreu logo depois.
Isso porque o STF
decidiu julgar, dando preferência a um pedido da Itália sobre a decisão do
ministro Tarso Genro, a extradição ou não de Battisti. E Gilmar Mendes
conseguiu sair vitorioso. Porém, a Constituição prevê caber ao presidente da
República dar a última palavra. Ora, o que ocorreu? Gilmar Mendes queria impor
a decisão do STF sobre o direito do presidente Lula. Nessa época, o ministro
Barbosa, nem sei se votou a favor ou contra Battisti, pois vivia em licença de
saúde por dores nas costas, das quais parece ter se curado ao julgar o chamado
mensalão.
O outro episódio se
refere ao relacionamento do governo com a grande mídia dominante de direita e
principalmente o quase monopólio nacional da televisão Globo. Muita gente de
esquerda advertiu a presidenta Dilma quanto ao risco representado por essa
força midiática, que reproduzi aqui neste espaço. Mas ela não teve a mesma
coragem de uma Cristina Kirchner, ao contrário, sempre privilegiou suas
relações com os responsáveis pela distribuição de verbas Helena Chagas e Paulo
Bernardo, marido de Gleisi Hoffman, da Casa Civil.
Ora, não é preciso
citar o poder de Goebbels nem aos livros de Marshall McLuhan para se avaliar o
poder de penetração dos meios de comunicação na criação de opiniões. Na época,
falei mesmo num financiamento da mídia de direita pela presidenta Dilma, acometida
ao que parecia de um problema de automasoquismo.
E não deu outra. Já
em 2005, toda a imprensa corporativa havia tentado fomentar um golpe contra
Lula e, oito anos depois, consegue decepar a liderança do PT. Isso era mais que
previsível, por que não se criou, nesse meio tempo, um antídoto à peçonha da
grande mídia ? Por que os pequenos jornais de esquerda e rádios comunitárias
foram abandonados em favor de contribuições indiretas à grande imprensa de
direita, como se o governo tivesse medo de mexer com ela ?
E agora José, como
diria o poeta ? O STF foi mais forte que o Executivo, a grande imprensa usou de
todos os meios para demoralizar o Partido, e o distancimento de Lula e Dilma
desse olho do furacão não vai livrá-los das consequências. Um exemplo, foi a
maneira como as redes sociais reagiram endeusando o Javert do STF e isso ao
nível popular, um efeito dominó que poderá comprometer a reeleição de Dilma,
tendo como concorrentes Joaquim Barbosa, Marina e o homofóbico evangélico
Feliciano.
Ao que levou o caminho
das concessões? Ao fortalecimento dos donos do agronegócio contra os indígenas,
ao favorecimento da Monsanto e seus OGM, à frequência de líderes de direita
corruptos e comprometidos no passado com a ditadura, à uma política da
emigração ridícula e absurda.
Li nestes últimos
dias, daqui de longe os comentários de colegas de esquerda e do próprio PT,
Paulo Henrique Amorim, Alípio Freire e Valter Pomar e termino com o título de
um deles, porque em todos, com matizes ligeiramente diferentes, acentuando um
ou outro aspecto mais que os outros, existe essa constatação de que o PT de
hoje não é o mesmo com o qual sonhava Carlito Maia e tantos outros fundadores.
E a hora é de reagir, “antes tarde que tarde demais”.
*Jornalista,
escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante,
membro eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de emigrantes (CRBE)
junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos
Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreveu o livro Dinheiro Sujo da
Corrupção sobre as contas suíças secretas de Maluf. Colabora com o Expresso, de
Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress
Sem comentários:
Enviar um comentário