José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
O velho sonho da
direita - um governo, uma maioria, um presidente - é realidade. Mas, como o
demonstram as sucessivas crises da maioria e do Governo, este inédito
alinhamento não tem selo de garantia.
Ele carece de um
aditivo de estabilidade e de força política que o ponha a salvo das tensões e
contradições que resultam da natureza atentatória de direitos e de expectativas
essenciais que é a das suas políticas.
Maioria e Governo
de direita oscilaram já vezes demais diante da turbulência social para se poder
negar a evidência: são politicamente frágeis.
Dois fatores
cruciais têm permitido contornar essa evidente fragilidade que, numa democracia
normal, teria há muito resultado na devolução da palavra ao povo.
O primeiro é o uso
da troika como argumento de autoridade que se sobrepõe ao povo soberano e à
constituição democrática, como dispositivo de legitimação sem recurso dos
extremismo das escolhas políticas, económicas e sociais impostas às pessoas dia
após dia. O segundo fator é um desempenho do cargo de Presidente da República
que se afasta da lógica de pesos e contrapesos que a Constituição sabiamente
consagra e se apresenta como um seguro de vida - e, mais do que isso, como um
suplemento vitamínico - de uma governação crescentemente agressiva.
Estamos no auge do
choque entre dois constitucionalismos em Portugal. De um lado, o
constitucionalismo do Estado de direito recebido na Lei Fundamental da
República. Do outro, o constitucionalismo do estado de exceção que arvora o
memorando de entendimento com a troika em Lei Fundamental de facto para, a
partir daí, eliminar direitos e descaracterizar o modelo democrático plasmado
na Constituição da República. Ora, mais do que qualquer outro órgão de
soberania, o Presidente da República está obrigado a fazer escolhas claras
entre esses dois constitucionalismos. É nessas escolhas que o Presidente
evidencia - ou não... - a sua lealdade ao povo e à democracia. Ora, a verdade é
que Cavaco Silva tem feito essas escolhas claras.
Na tensão entre o
povo que o elegeu e a troika que se lhe contrapõe, Cavaco Silva nunca se furtou
a assumir-se como garante de aplicação do memorando com a troika e das
políticas nele inspiradas.
Quando a legalidade
constitucional, cuja defesa é o seu único mandato, e a excecionalidade imposta
do exterior entraram em choque, Cavaco Silva expressou sempre com clareza a sua
prioridade: impedir que a Constituição incomode os mentores do estado de
exceção.
De tal modo essa
escolha é clara que nunca se lhe ouviu a mínima palavra de defesa do Tribunal
Constitucional contra as insuportáveis pressões sobre este exercidas por
entidades internacionais como a Comissão Europeia. Qualquer presidente com
pergaminhos de patriotismo - fosse de direita ou de esquerda - o teria,
evidentemente, feito. Cavaco Silva escolheu não o fazer. Escolheu um lado.
Cavaco Silva
assume-se como o melhor Presidente imaginável para um protetorado, ou seja, um
amigo leal dos tutores, mesmo quando - ou sobretudo quando - seja necessário
impor a vontade deles contra os direitos do povo. A democracia portuguesa fica
claramente empobrecida com os mandatos presidenciais de Cavaco Silva.
O ciclo político
que está a aproximar-se exige um polo presidencial liderado por alguém nos
antípodas de Cavaco Silva: um amigo dos direitos, um combatente inequívoco pela
Constituição, um patriota contra a humilhação do País, alguém que a grande
maioria das pessoas - os mais pobres - sintam como seu defensor. Um defensor do
povo contra quem lhe faz mal.
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