Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
É com estas duas
palavras que o Observatório sobre Crises e Alternativas, do Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra (CES), classifica os traços mais marcantes
comuns aos orçamentos do Estado (OE) dos anos 2011, 2012 e 2013, quando analisa
os previsíveis impactos do OE apresentado pelo Governo para o próximo ano.
O OE para 2014 não
pode ser analisado isolando-o da experiência concreta que temos vivido. É
preciso um exercício de memória, neste caso muito recente, para observar o
sentido e o alcance das políticas que vêm sendo seguidas, os seus efeitos reais
e as continuidades ou ruturas que nos são propostas. Só com esta base de
análise se pode obter, com alguma segurança, projeções para o futuro.
Ora, segundo o
estudo dos economistas do CES que trabalharam o 7.o Barómetro daquele
Observatório, "os resultados da experiência destes três anos são claros:
(i) os 6 mil milhões a menos que hoje temos no défice conduziram a 7,5 mil
milhões a menos no PIB, ou seja, por cada euro retirado ao défice, tirou--se
1,25 euros ao PIB; (ii) os 6 mil milhões a menos no défice significaram 52 mil
milhões a mais na dívida pública, ou seja, por cada euro retirado ao défice, a
dívida aumentou 8,67 euros".
Os autores do
Barómetro consideraram como dívida a Dívida Direta do Estado. Nela, estão
somados os défices de 2011, 2012, 2013 (28 mil milhões); o dinheiro que o
Estado pediu para meter na Banca; os 8 a 10 mil milhões de euros mantidos em
reserva, que o Governo poderá vir a utilizar.
Está claro que as
políticas seguidas não nos conduzem à resolução dos problemas. Mas o Governo e
os seus mandantes da troika insistem na repetição da experiência, continuando a
aldrabice, "agora é que vai dar resultados", iludindo o povo com a promessa
mentirosa de que os sacrifícios feitos não podem ser deitados fora. Nos OE dos
três anos anteriores, constata-se sempre a existência de desvios muito
significativos entre as previsões para a receita e a despesa e os seus
resultados finais. Por outro lado, observa-se uma subavaliação sistemática do
impacto recessivo das medidas adotadas. Mas a análise feita naquele Barómetro
alerta-nos para outras duas constatações muito importantes.
Primeira, os
efeitos da austeridade e da recessão são cumulativos. Políticas de austeridade
sucessivas vão eliminando e/ou degradando as capacidades dos cidadãos, das
famílias, das empresas e do próprio Estado, resultando daí que cortes
adicionais, mesmo inferiores a outros já efetuados, podem criar graves
situações de rutura. É isto que provavelmente vai acontecer com o OE de 2014.
Segunda, quanto
mais prolongada a recessão, a duração do desemprego, a emigração forçada e a
ausência de condições para garantir investimento público e privado, mais
difícil se torna a recuperação futura.
Esta destruição
duradoura é também a marca mais relevante do chamado programa de "Reforma
do Estado", apresentado por Paulo Portas.
Só um mestre na
arte da dissimulação e da charlatanice "de Estado", de vender gato
por lebre, podia apresentar aquele cardápio de banalidades neoliberais como
"Guião para a Reforma do Estado". Tal documento, de coerência tem a
orientação ideológica: conservadora, de retrocesso social e civilizacional.
É preciso
desconstruir esta encenação. O Governo há muito tem em marcha uma profunda
alteração dos meios, capacidades e funções do Estado, das prioridades e
destinatários das políticas públicas, da estrutura e funções da Administração
Pública.
Os cortes financeiros
brutais feitos em múltiplas áreas - ensino, saúde, direitos sociais,
instituição militar - e o despedimento de milhares de trabalhadores constituem
uma via prática eficaz para impor alterações profundas.
O documento, ao
mesmo tempo que "garante" não haver intenção de alterar a conceção do
Estado, procura, inclusive através de exemplos pontuais a serem seguidos no
ensino e noutras áreas, consolidar aquela "reforma" em curso,
acelerar a desestruturação do Estado Social. E articular esses objetivos com uma
revisão constitucional que subverta o Estado de Direito Democrático.
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