sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Portugal: MIRAGENS, VIRAGENS E ALUCINAÇÕES RELIGIOSAS

 

Ana Sá Lopes – jornal i, opinião
 
Se os cortes são para “persistir”, é uma alucinação bolivariana falar de “viragem”
 
Qualquer português de bom senso gostaria que fosse verdade o mais recente pregão do governo: o de que o “milagre económico” está ao virar da esquina. Ontem, o debate do Orçamento do Estado foi mais uma vez marcado por anúncios de milagres, de retomas, de viragens económicas e de visões religiosas. Todas estas alucinações se parecem demasiado com aquelas que Nicolás Maduro tem quando vê Hugo Chávez nas paredes de Caracas. Maduro vê Chávez, Maria Luís Albuquerque vê “o momento da viragem”, mas a ciência ainda não identificou nem a vida depois da morte nem o crescimento depois da espiral recessiva.
 
Se “a austeridade é para continuar”, os cortes para “persistir” e a procura interna para comprimir, é uma alucinação bolivariana identificar “o verdadeiro momento de viragem”
e muito menos “o milagre económico” anunciado aos portugueses pelo novo ministro da Economia, António Pires de Lima, na semana passada.
 
As alucinações são acompanhadas da tentativa de reatar o “compromisso com o PS”, através da utilização de processos de chantagem cada vez mais requintados. Os portugueses foram ontem informados pelo senhor primeiro--ministro de que a culpa de os seus impostos não serem mais baixos é do PS, porque se recusa a dar o ámen à reforma do Estado e à redução da despesa pública. “Quem se recusar a este compromisso estará a sacrificar a redução da dívida [...] e estará a sacrificar a necessária redução da carga fiscal e o crescimento da economia”, segundo Passos Coelho, numa declaração mirabolante vinda de um governante com maioria absoluta que não conseguiu reduzir dívida nenhuma, nem carga fiscal, e dificilmente vislumbrará o crescimento da economia. Culpar o PS por isto é acreditar que os portugueses são pouco inteligentes e que desculpam a Passos o facto de a famosa “retoma” vislumbrada há um ano e pouco pelo chefe do governo numa festa do partido nunca ter acontecido.

A manutenção de um posto de trabalho do governo em anos de troika parece, aparentemente, incompatível com mínimos de sanidade. Veja-se Álvaro Santos Pereira, sobejamente criticado dentro e fora de portas pela sua falta de jeito e de meios para recuperar a economia, que ontem veio dizer uma verdade inconveniente: a austeridade cega pode levar ao regresso das ditaduras à Europa. “Se não tivermos uma solução europeia, arriscamo-nos a ter novamente ditaduras na Europa”, disse Álvaro. Sair do governo faz bem à saúde.
 
 

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