Tomás Vasques – jornal i, opinião
Paulo Portas, com a
apresentação do "guião para a reforma do Estado",resvalou para o
nível da santa da Ladeira
Numa única semana,
o governo que nos pastoreia conseguiu a proeza de: 1) fazer aprovar, através
dos seus deputados na Assembleia da República - e sublinho seus, dos partidos
do governo, porque nesta democracia em que vivemos os deputados dependem dos
líderes dos partidos que os nomeiam e não dos cidadãos que os elegem -, o
Orçamento do Estado para 2014 - um diploma que legaliza a pirataria exercida
pelo Estado - o roubo sobre salários, pensões de reforma, de sobrevivência e
prestações sociais, retirando ao Estado o estatuto de pessoa de bem e
respeitador dos seus compromissos; 2) transferir a competência da fiscalização,
a cargo das Finanças, para os cidadãos, através de um sorteio semanal de um
automóvel para quem alinhar no policiamento, exigindo factura nos actos de
compra e venda, fazendo do Estado um gigantesco casino e de cada cidadão um
bufo, remunerado por sorteio; 3) depois de dois anos e meio de governação,
apresentar um "guião para a reforma do Estado" - uma débil, ridícula
e infantilizada tentativa de "enquadrar" o objectivo de privatizar
atribuições essenciais do Estado, como a Educação, a Saúde e a Segurança
Social.
Este último evento,
que decorreu na quarta-feira da semana passada, ilustra bem a "Era do
Vazio" para onde este governo, mais do que qualquer outro anterior, conduz
um país e um povo. A "reforma do Estado" - essa falácia com que se pretende
esconder os cortes deste Orçamento do Estado e dos anteriores e, ao mesmo
tempo, estabelecer mais cortes no futuro para justificar que os ricos devem ser
mais ricos e os pobres mais pobres -, prometida há quase dois anos, foi
finalmente anunciada pelo nosso vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, em sessão
solene, sob a forma de "guião", como se de uma "visão" se
tratasse. Uma nova fundação da Pátria, como em 1143, ou uma "nova
Restauração", como em 1640, como o autor deste chorrilho de vulgaridades,
na sua irresponsável ligeireza, quer fazer crer. O antigo director do
"Independente", que nessa altura amaldiçoava o poder, agora
vice-primeiro-ministro, alucinado pelo exercício do poder, quer igualar Afonso
Henriques, quando teve a "visão" de ver Cristo aparecer-lhe, na
batalha de Ourique, saindo de um raio de sol e conduzindo-o à vitória contra
mouros infiéis ou de Fuas Roupinho, que teve a "visão" da Nossa
Senhora da Nazaré, quando foi salvo, ele e o seu cavalo, em manhã de nevoeiro,
numa falésia, colocando Portugal como um país amparado pela vontade de Deus,
como escreveu Alexandre Herculano. Naquela altura, estas "visões"
destinavam-se a agradar e a obter os bons ofícios de Roma. As
"visões" de hoje destinam-se a agradar e a obter os bons ofícios de
Bruxelas e dos credores.
Mas, no fundo,
Paulo Portas, depois de protagonizar o golpe de Estado de Julho passado, agora,
com a apresentação do "guião para a reforma do Estado" apenas
resvalou, irrevogavelmente, para o nível da nossa última santa milagreira - a
da Ladeira do Pinheiro -, com devotos em todo o mundo, sobretudo na Polónia, e
uma catedral na Meia-Via, ali para os lados de Torres Vedras, falecida em
Agosto deste ano, esquecida e abandonada, tendo a Igreja Católica pedido o seu
internamento nos finais da década de sessenta.
PS - A Constituição
da República e os Juízes do Tribunal Constitucional têm estado e vão continuar
a estar, nos próximos meses, debaixo de fogo cerrado de todos os
"visionários". Dizem aqueles que têm "visões divinas" que
os juízes devem interpretar a Constituição de modo a adequá-la às
"visões" do actual governo, da troika e dos credores. Já foi aberto
um precedente nestas "adequações": a senhora procuradora-geral da
República deu a notícia de um estranho "arquivamento" de um processo
de inquérito contra um cidadão angolano, dando a ideia de ter sido arquivado à
medida de uma "visão" que Rui Machete teve e que revelou a uma rádio
angolana.
Jurista, escreve à
segunda-feira
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