Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Já vimos, no
passado, uma direita nacionalista e fascista autointitulada
"revolucionária" que até falava de socialismo. Vemo-la ainda hoje,
infelizmente, cada vez mais em quase toda a Europa, levantando bandeiras de
aparência popular para mobilizar e manipular desesperos.
A direita
"revolucionária" em Portugal não ousou ainda mostrar aquela face,
move-se com disfarce no seio de uma direita um pouco mais ampla. Esta atua
cheia de tiques e rodriguinhos. Fala de empreendedorismos, de excelências
(afirmadas por medíocres), de iniciativas privadas, de inovações, de liberdades
de escolha, de convergências, de combates a privilégios e de equidades. E os
ministros repetem discursos onde as palavras/conceitos "mudança",
"reforma", "progresso" e tantos outros - surripiados aos
movimentos políticos e sociais defensores dos direitos dos trabalhadores e da
sua emancipação social, cultural e política - são subvertidos nos seus
significados e autenticamente torturados.
Essa direita que se
diz liberal muito pouco tem do velho liberalismo, em muitos casos prudente e
gradualista. É antes um liberalismo ostensivamente hipócrita, um
"deixa-fazer" os fortes e um "põe na ordem" os fracos. É
uma direita que toma a crise por ela própria provocada como oportunidade para
extinguir na Europa o que na Europa se pensava ser uma aquisição irreversível -
assegurar a dimensão social intrínseca ao Estado de direito democrático,
procurar garantir a todos os cidadãos, independentemente do volume da sua
carteira ou conta bancária, acesso a cuidados de saúde, à educação, à cultura,
à proteção em caso de desemprego, à segurança e dignidade depois de uma vida de
trabalho.
É a direita do
"quem quer saúde, paga-a". É a direita que, lançando campanhas contra
o sistema público da Segurança Social, procura esquemas que conduzam as pessoas
a descontarem o mínimo possível para esse sistema e a colocarem o seu dinheiro
no setor financeiro privado. Os ricos são libertados da obrigação de
contribuírem na medida da sua riqueza, debaixo da propaganda hipócrita de que
devem pagar a sua saúde e a sua proteção social. O que resta são sistemas
subfinanciados e de má qualidade para os pobres, coitados, a quem depois oferece,
caridosamente, uma sopa e uns alguns subsídios miseráveis.
É a direita que
promete "cheques ensino" para que os pobres também possam frequentar
os colégios dos ricos, tentando demonstrar que não se justifica uma escola
pública com condições para ser de qualidade. Oferece aos colégios a liberdade
de escolha dos seus alunos, barra ao geral dos pobres o acesso a ensino de
qualidade, designadamente sob pretexto de fraco desempenho nos exames. A escola
pública de qualidade é atacada porque é um forte instrumento de mobilidade
social ascendente.
Esta direita já não
se abstém de querer outra Constituição. Quer uma lei das leis onde esteja
escrito como título dos títulos: "o que os mercados querem tem de ser
feito".
Entretanto, grandes
detentores de capitais procuram novas esferas de valorização do imenso dinheiro
de que se têm apropriado e logo olham, gulosos, para a saúde, a educação e as
pensões como o eldorado do futuro. Trata-se de completar o processo de roubo
organizado e "legal" que são os atuais mercados das dívidas. Para
satisfazer a ganância dos grandes banqueiros e acionistas de fortes grupos
económicos, espremem o povo e geram uma multidão de excluídos.
Este neoliberalismo
violento quer virar a sociedade de pernas para o ar: colocar no topo os interesses
de quem tem o efetivo poder de mercado; no meio instalam a política ao serviço
dos primeiros; e, por fim, os interesses gerais dos cidadãos. A ética,
enterram-na! Como o antigo presidente da República, Ramalho Eanes, disse por
estes dias, a ordem das prioridades deve ser precisamente a inversa.
Precisamos de
mudança, sim! De derrotar este revolucionarismo, desmascarando as suas mentiras
e traições. Precisamos de dar sentido a palavras como igualdade, justiça,
reforma, progresso, trabalho, emprego, liberdade, democracia. Precisamos de
inverter as prioridades enquanto é tempo.
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