José Ribeiro – Jornal de Angola, opinião
Pensar e fazer
política é uma actividade honrosa, respeitável e de grande valor social. Mas
nem toda a gente olha a política por esse ponto de vista e há mesmo quem
procure a todo o momento lançar sobre os políticos a lama da infâmia.
A política é um
serviço público imprescindível e insubstituível no regime democrático. Nada é
mais importante do que resolver os problemas do povo através da acção política
e da intervenção cívica e da governação. Até porque não vão longe os tempos em
que os angolanos tinham a liberdade confiscada e eram brutalmente afastados de
qualquer cidadania.
Desde a queda do Muro de Berlim, os angolanos apresentaram mais de 100 projectos de partidos políticos. A maior parte deles ficou pelo caminho, mas nunca se perde o mérito da intenção e a participação cívica dos cidadãos tem sido evidente em vários momentos da vida nacional.
Mas há uma característica própria de pensar a política angolana que eu admiro. Temos excelentes políticos que fazem a síntese entre o serviço público, a intervenção cívica e o amor pelo mundo das ideias. Lopo do Nascimento, que anunciou esta semana o abandono da política activa, é um dos gigantes do panorama político angolano.
Há pouco tempo, cruzei-me com ele em Luanda e estivemos à conversa. Nunca estive com ele pessoalmente, mas como jornalista acompanhei a sua actividade pública e ele tratou-me com informalidade. É sempre bom ouvir um homem que pensa e produz ideologia. Naquele momento recordei-me que ele dedicou toda a sua juventude à luta anti-colonial na clandestinidade. Desempenhou um papel extraordinário no período quente após o 25 de Abril de 1974, durante o qual explodiu o fervor revolucionário pela conquista da Independência Nacional. Deu um contributo ímpar na discussão que levou aos acordos de Alvor e ao Governo de Transição. Teve um papel fundamental após a morte do Presidente Neto. Esteve na Comissão Económica para África (ECA) da ONU, no Comércio Externo e nas conversações “non stop” em Bicesse, com Jorge Valentim, outra figura incontornável da cena política angolana. Lopo do Nascimento foi para o terreno e pôs toda a sua experiência e ciência política ao serviço da recuperação da província da Huíla, devastada pela guerra. No MPLA, marcou toda uma geração de jovens militantes e deu um contributo inestimável à vitória estrondosa do seu partido nas primeiras eleições multipartidárias, em 1992.
Lopo do Nascimento é um pensador da política angolana. Recordo neste espaço as suas intervenções muito ponderadas mas contundentes, que foi fazendo em momentos muito precisos da vida nacional. Durante a nossa conversa, Lopo falou exactamente do que mais tarde disse aos seus colegas deputados na Assembleia Nacional, o que revela a reflexão profunda que fez antes de tomar a decisão de se reformar da política.
Na despedida do Parlamento está, uma vez mais, o político que ajudou a construir e a defender o Estado Angolano, preocupado com os caminhos da construção da Nação Angolana, edificação só possível com uma juventude formada e com forças económicas nacionais poderosas, com engenho e arte suficientes para saberem conciliar os aspectos identitários da Angolanidade com a emergente modernização mundial e para conseguirem suplantar a barreira da concorrência externa, sem complexos nem caírem nos erros do passado, cometidos um pouco por toda a África. Estes são, para Lopo do Nascimento, os grandes desafios do futuro. Até ao abandonar a actividade política activa, Lopo do Nascimento prestou um grande serviço à Pátria, que sempre serviu com grande lealdade e nobreza. Lopo sempre foi um homem de carácter e jamais virou a cara à luta, à disciplina do partido que o elevou a alto dirigente e à conduta que se exige de uma figura com responsabilidades de Estado. Essa foi a sua marca na intervenção política. Nem os conceitos inovadores e controversos, nem as mudanças na conjuntura, o fizeram tornar-se desleal em relação aos seus companheiros. Nunca dissimilou as suas ideias nem transigiu, quando foi necessário defender a liberdade e a democracia. Quando entendeu que era preciso divergir, marcou isso de maneira clara. Mas não entrou pelo caminho dos jogos baixos e da traição, como alguns que saíram do partido, regressaram e voltaram a trair o seu ideário. Esta é sempre a opção mais fácil, porque cria o frenesi da mediatização e granjeia aplausos e falsos apoiantes. A diferença de ideias alarga a dimensão da democracia, mas o ataque cobarde na política quase sempre vive de braço dado com a desonestidade intelectual ou a traição.
Lopo, o gigante da política que agora vai participar na construção de Angola noutro ritmo e de outro ângulo de intervenção, foi daqueles que ajudou a criar os alicerces desta Angola que, ao contrário do que disse Margareth Anstee, nunca foi “órfã” da Guerra Fria e apenas quis ser independente e soberana à sua maneira. Por isso, Lopo serve de exemplo para outros políticos, alguns até seus contemporâneos, que mudam ao sabor das modas. Lopo do Nascimento tem um longo percurso de serviço público, que exerceu de maneira nobre. Por isso, merece o respeito e a gratidão dos seus concidadãos.
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