Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Parte da oposição
criticou o Presidente da República por este não ter vetado imediatamente os
absurdos referendos simultâneos à adoção e à co-adopção. Por Cavaco Silva ter
enviado para o Tribunal Constitucional as duas perguntas. Por uma vez, acho que
o Presidente fez muitíssimo bem.
Mesmo sendo
inaceitável referendar limitações de direitos de minorias, mesmo sendo estes
referendos extemporâneos, mesmo resultando eles de manobras internas do PSD,
mesmo estando em causa o referendo a uma decisão tomada há mais de oito meses
pelos deputados e o outro a uma lei que foi chumbada pelos próprios deputados -
o que se traduz numa dupla desconsideração pelo Parlamento -, mesmo tendo sido
aprovados contra a consciência da maioria dos deputados, o referendo foi
aprovado na Assembleia da República. E é importante, antes de levar a sério a
proposta política que se apresenta e vetá-lo politicamente, fazê-lo passar pelo
crivo da lei. A Constituição antes da opinião.
Estou convicto -
mas nestas coisas nunca se fazem apostas - que o Tribunal Constitucional não
aceitará estas perguntas. E eu quero que elas regressem ao parlamento. Quero
ver o deputado Hugo Soares ir a correr ao gabinete de quem lhe encomendou o
serviço para reformular as perguntas. Ou para mandar uma fora. Quero ver o PSD
voltar a obrigar os seus deputados a votar a favor deste disparate. Quero
voltar a ouvir umas dezenas de declarações de votos. Quero ver o CDS voltar a
obrigar os seus deputados a absterem-se enquanto pedem ao Presidente que chumbe
a coisa. Ou a dar-lhes liberdade de voto e ela morrer ali mesmo, às mãos da
maioria parlamentar. Quero, quando este processo estiver já mesmo todo
esfrangalhado na sua pouquíssima credibilidade, vê-lo regressar, se chegar tão
longe, a Belém. Aí sim, com a deprimente brincadeira do PSD bem evidente para
todos, poderá receber o golpe de misericórdia.
Bem sei que quem
começou isto quer que acabe o mais depressa possível. Quer que seja Cavaco
Silva a limpar a casa, já e depressa. Eu não. Fizeram a porcaria, que tratem da
faxina. Pode não ser o mais recomendável para a imagem da democracia, coisa que
me faz hesitar em todos estes desejos. Mas teria um efeito pedagógico
importante. Para que nunca mais alguma direção partidária se lembre de usar o
referendo como forma de emendar o voto dos seus próprios deputados. O referendo
não é um instrumento da disciplina interna dos partidos.
Sem comentários:
Enviar um comentário