São 1048 famílias
que estão na Quiçama, segundo uma lista publicada pela Comissão Administrativa
de Luanda, no dia 23 de Janeiro. Sem antes terem sido criadas as condições
básicas de alojamento, a maior parte destas foi transportada para o local, que
estava ainda a ser capinado, segundo o que contaram os cidadãos, quando
chegavam.
Não entendem a
razão de tanta pressa em serem desalojados do Kilombo, pois, muitos não
conseguiram sequer tirar os seus pertences porque a polícia os impediu,
relatam.
Esta pressa fez com
que a maior parte dos moradores ficasse sem o nome na lista dos beneficiários,
tanto de casa quanto de terreno, segundo se queixam.
A primeira lista
publicada por aquela comissão, tomava conta que seriam contempladas, com uma
casa no Zango IV, 548 famílias. Ainda assim, há quem não recebeu casa, mas foi
alistado e, por conseguinte, indivíduos que não foram identificados como
moradores do Kilombo, beneficiam de residências.
Quem viu o bairro a
crescer, como é o caso de Avelino Lucas, morador há 17 anos, que pelo menos
devia ter o nome na “lista dos terrenos”, foi ultrapassado no tempo e no
espaço.
“Nem na primeira
nem na segunda lista o meu nome saiu, mesmo depois das 4 cadastragens feitas”,
disse. Mesmo com um futuro incerto, aquele cidadão arriscou tudo para estar na
Quiçama com a sua família e merecer uma parcela de terreno, já que também foi
morador do Kilombo. “Aqui tem muitos que não moravam no nosso bairro e uma das
provas é só ver que o dedo dos pés dos seus filhos não tem ‘bitacaia’ – infecção
que afecta quase todos naquela zona”, reforçou.
Cobras atacam e
fazem vítima
zona em que se
encontram acampados aqueles cidadãos está rodeada de capim e pequenos arbustos,
é tórrida e tem muitos mosquitos, segundo o que constatamos. De acordo com os
populares, uma criança foi vítima de picada de cobra, não resistiu e acabou por
morrer no dia 24 – quatro dias antes de ser colocada uma ambulância ao local.
Sobre este facto,
Inês Cipriano, também vinda do Kilombo, acrescentou que a família da criança
abandonou o local, deixando as suas mobílias, depois daquela triste ocorrência.
Um dia depois, um grupo de jovens matou 2 cobras que estavam prestes a atacar
uma jovem enquanto fazia necessidades fisiológicas no capim, por falta de WC,
na altura. Aqui, não é sítio para “viver com criança”, disse Bernarda Adriano,
que alega estarem a ser tratados como se fossem cães, quando “também somos
cidadãos angolanos”. Lá no Zango, reforçou ela, tem muitas casas fechadas e
“ouvimos que estão a ser vendidas até 12 mil dólares”.
Reclamou também o
facto de estarem muito distante do povoado, além de desconfiar que os dois
autocarros da TCUL, que há dois dias os têm apoiado, venham a desaparecer
depois de algumas semanas.
“Não temos nada
aqui, todas as nossas coisas ficaram. Estão a nos dar uma ‘metadinha’ de pão
com fiambre/queixo e, para cada um, um bidão de água mineral (1,5 litro).
Esta comida é que
nos aguenta o dia todo. Há quem consegue uma fezada na merenda dos polícias,
mas com confusão”, disse uma cidadã que preferiu não se identificar.
Bento Bento: ‘O
Governo não tem casa para todos… é politiquice’
Enquanto a nossa
equipa de reportagem estava no local a ouvir os populares, o governador de
Luanda, Bento Bento, reuniu com o presidente da Comissão Administrativa da
cidade, delegados provinciais e a administradora do município da Quiçama.
A reunião
extraordinária serviu para fazer alguns acertos, além de distribuir tarefas que
visam dar solução ao problema daqueles populares.
O governador
começou por justificar a razão daquele (des) alojamento rápido, alegando ter
recebido orientações superiores.
Bento Bento disse
que aquelas pessoas não estão ali para viver em tendas, mas também “o Governo
não tem capacidade de dar casas a todos e, todos quantos estão a agitar é
mentira, é politiquice”. Orientou os líderes locais a não burocratizar o
processo de entrega de terrenos, porque poderá queimar muito tempo.
As tendas, segundo
o dirigente, são um meio de transição.
Aquelas famílias
não deviam ficar mais de 3 dias para receber chapas, pregos, madeira e começar
a construir, no seu terreno com dimensão de 15 x 15m – desde que esteja
distante da estrada. Será feita ainda uma escola provisória, de chapas, e um
hospital.
Segundo o
presidente da Comissão Administrativa de Luanda, José Tavares, a empresa que
está a dar apoio àquelas famílias ,no que concerne à cesta básica, tenciona
parar de o fazer, coisa que o governador pediu que fosse superada.
O governador ficou
surpreso, no terreno, porque a administração da Quiçama estava a trabalhar
sozinha quando deveria ter sido acompanhada pelo MINARS e pelo GPL. Foi
destacada alguém, que não se fez presente, dificultando assim o trabalho da
Comissão Administrativa.
“Não toleramos este
tipo de brincadeira. Como é que nenhum responsável do MINARS se faz presente no
acto de alojamento duma população? Depois, quando tomamos medidas querem ir se
queixar à imprensa”, disse ele.
Acrescentou ainda,
para finalizar, que a função da Comissão Administrativa é colocar a população
naquele local e cumprir com o compromisso, mas a responsabilidade de
coordenação deste processo todo é do MINARS.
Uma tenda para 15
pessoas
No local, está a
ser feito um novo cadastro para a entrega de tendas, já que o número de
cidadãos dormindo ao relento ainda é bastante elevado.
Estão albergadas,
segundo os relatos dos nossos interlocutores, numa tenda, 15 pessoas.
Avelino Lucas disse
estar chateado porque foi colocado numa tenda de homens e separado da sua
mulher.
Este cidadão
acrescentou ainda que está há uma semana sem trabalhar, porque para chegar até
à Ilha de Luanda (seu local de trabalho) terá de desembolsar 1500,00kz só em
transporte.
Os entrevistados
foram unânimes em dizer que o presidente da comissão de moradores do Kilombo os
traiu, pois quem realmente devia merecer casa está naquela situação.
“O Sr. Maximino
está a nos fugir porque sabe o que fez. O povo está zangado com ele e, se não
fosse a sua mulher quem o alertou para não vir aqui (na Quiçama), seria pego”.
Parque Nacional da
Quiçama corre ‘risco’
A maior parte dos
cidadãos que se encontram alojados no município da Quiçama sobrevivia da pesca,
enquanto moradores do bairro Kilombo. Estão preocupados com o rumo que poderá
ter as suas vidas e de suas famílias, já que muitos não sabem fazer mais nada senão
pescar.
Ciente de que terá
de se adaptar à nova realidade, o cidadão de 42 anos que responde pelo nome de
Galiano, pescador há 20, disse que, por não ter condições financeiras para a
sua deslocação ao mar, vai ser “obrigado a praticar a caça furtiva, para
sustentar a família”.
Considera o local
em que se encontra uma autêntica mata, pois “estamos distante do povoado, só
tem capim. Então, vamos ter de passar de pescador à caçador, porque eu não
tenho muito dinheiro para gastar todos os dias 1500,00kz no transporte”,
sublinhou.
Por enquanto,
segundo o que aqueles cidadãos contaram, estão a ser apoiados por dois
autocarros da TCUL, mas não os têm ajudado muito, uma vez que estão acostumados
a ir ao mar às 4 ou 5 horas da manhã e o transporte só chega à Quiçama às 7
horas. Praticamente não conseguem fazer nada, já que o autocarro chega às 10h
nas imediações do cemitério da Santana (o término).
Assim sendo, não
lhes resta outra alternativa, de acordo com o nosso entrevistado, senão
escolher o Parque da Quiçama como “eldorado”. “Não vamos permitir que a nossa
família morra de fome porque é proibido caçar ali, quando é assim, criam todas
as condições para nós”.
Nós vamos ser
caçadores, disse ele, “aliás já estamos a ganhar prática matando (quase) todos
os dias as cobras que aparecem aqui. Mais algum tempo, estaremos craques”,
ironizou o senhor Galiano, que tem 3 filhos.
Romão Brandão – O País
(ao)
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