quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Angola: Ex-moradores do Kilombo dizem que foram ‘atirados no mato’

 


São 1048 famílias que estão na Quiçama, segundo uma lista publicada pela Comissão Administrativa de Luanda, no dia 23 de Janeiro. Sem antes terem sido criadas as condições básicas de alojamento, a maior parte destas foi transportada para o local, que estava ainda a ser capinado, segundo o que contaram os cidadãos, quando chegavam.
 
Não entendem a razão de tanta pressa em serem desalojados do Kilombo, pois, muitos não conseguiram sequer tirar os seus pertences porque a polícia os impediu, relatam.
 
Esta pressa fez com que a maior parte dos moradores ficasse sem o nome na lista dos beneficiários, tanto de casa quanto de terreno, segundo se queixam.
 
A primeira lista publicada por aquela comissão, tomava conta que seriam contempladas, com uma casa no Zango IV, 548 famílias. Ainda assim, há quem não recebeu casa, mas foi alistado e, por conseguinte, indivíduos que não foram identificados como moradores do Kilombo, beneficiam de residências.
 
Quem viu o bairro a crescer, como é o caso de Avelino Lucas, morador há 17 anos, que pelo menos devia ter o nome na “lista dos terrenos”, foi ultrapassado no tempo e no espaço.
 
“Nem na primeira nem na segunda lista o meu nome saiu, mesmo depois das 4 cadastragens feitas”, disse. Mesmo com um futuro incerto, aquele cidadão arriscou tudo para estar na Quiçama com a sua família e merecer uma parcela de terreno, já que também foi morador do Kilombo. “Aqui tem muitos que não moravam no nosso bairro e uma das provas é só ver que o dedo dos pés dos seus filhos não tem ‘bitacaia’ – infecção que afecta quase todos naquela zona”, reforçou.
 
Cobras atacam e fazem vítima
 
zona em que se encontram acampados aqueles cidadãos está rodeada de capim e pequenos arbustos, é tórrida e tem muitos mosquitos, segundo o que constatamos. De acordo com os populares, uma criança foi vítima de picada de cobra, não resistiu e acabou por morrer no dia 24 – quatro dias antes de ser colocada uma ambulância ao local.
 
Sobre este facto, Inês Cipriano, também vinda do Kilombo, acrescentou que a família da criança abandonou o local, deixando as suas mobílias, depois daquela triste ocorrência. Um dia depois, um grupo de jovens matou 2 cobras que estavam prestes a atacar uma jovem enquanto fazia necessidades fisiológicas no capim, por falta de WC, na altura. Aqui, não é sítio para “viver com criança”, disse Bernarda Adriano, que alega estarem a ser tratados como se fossem cães, quando “também somos cidadãos angolanos”. Lá no Zango, reforçou ela, tem muitas casas fechadas e “ouvimos que estão a ser vendidas até 12 mil dólares”.
 
Reclamou também o facto de estarem muito distante do povoado, além de desconfiar que os dois autocarros da TCUL, que há dois dias os têm apoiado, venham a desaparecer depois de algumas semanas.
 
“Não temos nada aqui, todas as nossas coisas ficaram. Estão a nos dar uma ‘metadinha’ de pão com fiambre/queixo e, para cada um, um bidão de água mineral (1,5 litro).
 
Esta comida é que nos aguenta o dia todo. Há quem consegue uma fezada na merenda dos polícias, mas com confusão”, disse uma cidadã que preferiu não se identificar.
 
Bento Bento: ‘O Governo não tem casa para todos… é politiquice’
 
Enquanto a nossa equipa de reportagem estava no local a ouvir os populares, o governador de Luanda, Bento Bento, reuniu com o presidente da Comissão Administrativa da cidade, delegados provinciais e a administradora do município da Quiçama.
 
A reunião extraordinária serviu para fazer alguns acertos, além de distribuir tarefas que visam dar solução ao problema daqueles populares.
 
O governador começou por justificar a razão daquele (des) alojamento rápido, alegando ter recebido orientações superiores.
 
Bento Bento disse que aquelas pessoas não estão ali para viver em tendas, mas também “o Governo não tem capacidade de dar casas a todos e, todos quantos estão a agitar é mentira, é politiquice”. Orientou os líderes locais a não burocratizar o processo de entrega de terrenos, porque poderá queimar muito tempo.
 
As tendas, segundo o dirigente, são um meio de transição.
 
Aquelas famílias não deviam ficar mais de 3 dias para receber chapas, pregos, madeira e começar a construir, no seu terreno com dimensão de 15 x 15m – desde que esteja distante da estrada. Será feita ainda uma escola provisória, de chapas, e um hospital.
 
Segundo o presidente da Comissão Administrativa de Luanda, José Tavares, a empresa que está a dar apoio àquelas famílias ,no que concerne à cesta básica, tenciona parar de o fazer, coisa que o governador pediu que fosse superada.
 
O governador ficou surpreso, no terreno, porque a administração da Quiçama estava a trabalhar sozinha quando deveria ter sido acompanhada pelo MINARS e pelo GPL. Foi destacada alguém, que não se fez presente, dificultando assim o trabalho da Comissão Administrativa.
 
“Não toleramos este tipo de brincadeira. Como é que nenhum responsável do MINARS se faz presente no acto de alojamento duma população? Depois, quando tomamos medidas querem ir se queixar à imprensa”, disse ele.
 
Acrescentou ainda, para finalizar, que a função da Comissão Administrativa é colocar a população naquele local e cumprir com o compromisso, mas a responsabilidade de coordenação deste processo todo é do MINARS.
 
Uma tenda para 15 pessoas
 
No local, está a ser feito um novo cadastro para a entrega de tendas, já que o número de cidadãos dormindo ao relento ainda é bastante elevado.
 
Estão albergadas, segundo os relatos dos nossos interlocutores, numa tenda, 15 pessoas.
 
Avelino Lucas disse estar chateado porque foi colocado numa tenda de homens e separado da sua mulher.
 
Este cidadão acrescentou ainda que está há uma semana sem trabalhar, porque para chegar até à Ilha de Luanda (seu local de trabalho) terá de desembolsar 1500,00kz só em transporte.
 
Os entrevistados foram unânimes em dizer que o presidente da comissão de moradores do Kilombo os traiu, pois quem realmente devia merecer casa está naquela situação.
 
“O Sr. Maximino está a nos fugir porque sabe o que fez. O povo está zangado com ele e, se não fosse a sua mulher quem o alertou para não vir aqui (na Quiçama), seria pego”.
 
Parque Nacional da Quiçama corre ‘risco’
 
A maior parte dos cidadãos que se encontram alojados no município da Quiçama sobrevivia da pesca, enquanto moradores do bairro Kilombo. Estão preocupados com o rumo que poderá ter as suas vidas e de suas famílias, já que muitos não sabem fazer mais nada senão pescar.
 
Ciente de que terá de se adaptar à nova realidade, o cidadão de 42 anos que responde pelo nome de Galiano, pescador há 20, disse que, por não ter condições financeiras para a sua deslocação ao mar, vai ser “obrigado a praticar a caça furtiva, para sustentar a família”.
 
Considera o local em que se encontra uma autêntica mata, pois “estamos distante do povoado, só tem capim. Então, vamos ter de passar de pescador à caçador, porque eu não tenho muito dinheiro para gastar todos os dias 1500,00kz no transporte”, sublinhou.
 
Por enquanto, segundo o que aqueles cidadãos contaram, estão a ser apoiados por dois autocarros da TCUL, mas não os têm ajudado muito, uma vez que estão acostumados a ir ao mar às 4 ou 5 horas da manhã e o transporte só chega à Quiçama às 7 horas. Praticamente não conseguem fazer nada, já que o autocarro chega às 10h nas imediações do cemitério da Santana (o término).
 
Assim sendo, não lhes resta outra alternativa, de acordo com o nosso entrevistado, senão escolher o Parque da Quiçama como “eldorado”. “Não vamos permitir que a nossa família morra de fome porque é proibido caçar ali, quando é assim, criam todas as condições para nós”.
 
Nós vamos ser caçadores, disse ele, “aliás já estamos a ganhar prática matando (quase) todos os dias as cobras que aparecem aqui. Mais algum tempo, estaremos craques”, ironizou o senhor Galiano, que tem 3 filhos.
 
Romão Brandão – O País (ao)
 

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