William Tonet –
Folha 8, 8 fevereiro 2014
No início do ano
manifestei cepticismo em relação ao futuro, face à crescente insensibilidade e
arrogância do regime na forma como lida com a maioria dos cidadãos. Muitos
logo trataram de enviar no meu encalço os seus esbirros, considerando-me
pessimista e agitador, pisoteando sem vergonha o art.º 23.º, que diz, “todos
somos iguais perante a Constituição e a lei”. Está escrito na Lei Magna, mas
tal norma não passe de verborreia constitucional para iludir a existência de
uma alegada democracia, coberta por uma real ditadura institucional.
Não passou muito
tempo e, numa atitude tipicamente colonial de expulsar para longe das cidades
os pretos (não se trata de racismo, mas realismo), ,mais uma vez se concretizou
o que é, infelizmente, a realidade angolana, pois enquanto maioria da população,
são eles, os pretos, que sempre são os alvos dessas escabrosas injustiças.
E assim, a
iniquidade deste mês de Janeiro afectou e “matou” os sonhos e as esperanças de
gente pobre, humilde e trabalhadora, selvaticamente corrida da Chicala e do
Kilombo, para uma zona deserta e árida, sem condições para um ser humano viver
com um mínimo de dignidade. Os senhores deste poder, os que têm e detém tudo de
forma ilícita por defraudação dos cofres públicos, querem instalar na zona,
condomínios para gente abastada, nacional e estrangeira.
Eles, até têm uma
legitimidade, ilegitimamente adquirida em eleições fraudulentas, e, com
dinheiro e poder podem fazer tudo… até despedaçarem as vidas dos mais pobres e
matarem-nos a todos … Mas, valha-nos Deus, será impossível a estes senhores
emprestarem à sua cambaleante governação actos de racionalismo, humanismo e
cidadania, alavancando os princípios da solidariedade social? Podem! Podem, mas
não querem, e o estranho é dizerem estar comprometidos com a esquerda, daí
estarem filiados na Internacional Socialista. O que me leva a perguntar: Mas
que credibilidade pode ter hoje uma organização, capaz de acolher no seu seio
um partido cuja prática é de estar postada no lado esquerdo duma direita não
assumida mas real, defensora acérrima do capital e da corrupção, que não se
pode confundir com os ideais sociais da esquerda. Eles são os mais cruéis
violadores dos direitos humanos.
Nenhum destes
senhores governantes e dirigentes partidários do poder, em Angola, mandaria os
seus cães viver naquele lugar, naquele desterro, naquele fim do mundo inóspito
da Kissama, mas enviaram os nossos compatriotas, “corrompendo” o silêncio da
maioria que pensa. Estamos a ser covardes e, com esta postura permitimos toda
a espécie de injustiças e bestialidades governativas.
Temos de agir,
agora e já, nos marcos da lei, mas irreverentemente, porque o país está sem
norte, numa clara demonstração de um Presidente da República já dar mostras de
não controlar a máquina diabólica que inicialmente havia montado para a sua
protecção e que agora o poderá devorar.
Não acredito, mas
também não tenho argumentos que me impeçam de duvidar que José Eduardo dos Santos,
por iniciativa pessoal, seja capaz de cultivar tanto desprezo pelos angolanos
atirados para a Kissama, ao ponto de apadrinhar tais práticas, que nem Salazar,
líder do regime fascista colonial português, teria coragem de praticar contra
os pretos colonizados do ultramar. No entanto, repito, como poderei eu, perante
estes horrores, negar que o colono negro é pior que colono branco… É pior.
A norma do regime e
a brutalidade da polícia partidária é quilométrica e se, por um lado, ilude a
opinião pública ao pretender julgar os assassinos de Kamulingue e Cassule - já
que o do Ganga, por ser acto gerado no seio da Presidência da República, tem
selo pessoal de imunidade para matar, por outro, continua a reiterar a prática
de tirar a vida por dá cá aquela palha, aos oponentes mais irreverentes e aos
pobres sem defesa, e vai daí terem assassinado uma simples mulher em Viana, e
vai de acolá também, prenderem um jornalista por pretender buscar uma informação,
isto sem esquecer que nas Lundas foram mortos em Janeiro cinco cidadãos e em
Cabinda três, todos por motivações políticas. É a ditadura no seu pico máximo,
com os símbolos que deveriam inspirar confiança ao cidadão, tais como a
Polícia Nacional e o Palácio da República (visto como local assombrado, por
matar quem dele se aproxima), hoje a criar o pavor e o temor.
O Papa João Paulo
II, nos seus textos cristãos, considerava a arrogância como “tendência para
dominar os outros para além dos próprios e legítimos direitos e méritos”. Nós
estamos nessa fase, dominados entre o medo e a covardia de estruturarmos um
plano de luta pacífica para o resgate da dignidade dos povos de Angola em
geral, e do Povo Khoisan em particular. Por tudo isso, continuo na organização
de uma manifestação de cidadãos, não interessa o número, até podem ser “300
frustrados”, número que já assusta o Presidente da República e toda a sua
máquina de apoio, para reivindicar os seus direitos de lutar em prol da
consolidação da paz, da liberdade de imprensa e de expressão e de uma real
democracia. Vamos estender a organização dessa manifestação por todo país,
formando uma grande corrente contra a ditadura e o poder absoluto, só e sem
outro fito que não seja para sermos dignos dos nossos antepassados.
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