quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Angola: ELES ESTÃO A MONSTRUALIZAR A SOCIEDADE

 


William Tonet – Folha 8, 8 fevereiro 2014
 
No início do ano manifestei cepticismo em relação ao futuro, face à crescente insensi­bilidade e arrogância do regime na forma como lida com a maioria dos cida­dãos. Muitos logo trataram de enviar no meu encalço os seus esbirros, consi­derando-me pessimista e agitador, pisoteando sem vergonha o art.º 23.º, que diz, “todos somos iguais perante a Constituição e a lei”. Está escrito na Lei Magna, mas tal norma não passe de verborreia consti­tucional para iludir a exis­tência de uma alegada de­mocracia, coberta por uma real ditadura institucional.
 
Não passou muito tempo e, numa atitude tipica­mente colonial de expul­sar para longe das cidades os pretos (não se trata de racismo, mas realismo), ,mais uma vez se concre­tizou o que é, infelizmente, a realidade angolana, pois enquanto maioria da popu­lação, são eles, os pretos, que sempre são os alvos dessas escabrosas injusti­ças.
 
E assim, a iniquidade des­te mês de Janeiro afectou e “matou” os sonhos e as esperanças de gente po­bre, humilde e trabalhado­ra, selvaticamente corrida da Chicala e do Kilombo, para uma zona deserta e árida, sem condições para um ser humano viver com um mínimo de dignidade. Os senhores deste poder, os que têm e detém tudo de forma ilícita por defrau­dação dos cofres públicos, querem instalar na zona, condomínios para gente abastada, nacional e es­trangeira.
 
Eles, até têm uma legitimi­dade, ilegitimamente ad­quirida em eleições frau­dulentas, e, com dinheiro e poder podem fazer tudo… até despedaçarem as vi­das dos mais pobres e matarem-nos a todos … Mas, valha-nos Deus, será impossível a estes senho­res emprestarem à sua cambaleante governação actos de racionalismo, humanismo e cidadania, alavancando os princípios da solidariedade social? Podem! Podem, mas não querem, e o estranho é dizerem estar comprome­tidos com a esquerda, daí estarem filiados na Inter­nacional Socialista. O que me leva a perguntar: Mas que credibilidade pode ter hoje uma organização, ca­paz de acolher no seu seio um partido cuja prática é de estar postada no lado esquerdo duma direita não assumida mas real, defen­sora acérrima do capital e da corrupção, que não se pode confundir com os ideais sociais da esquerda. Eles são os mais cruéis violadores dos direitos hu­manos.
 
Nenhum destes senhores governantes e dirigentes partidários do poder, em Angola, mandaria os seus cães viver naquele lugar, naquele desterro, naquele fim do mundo inóspito da Kissama, mas enviaram os nossos compatriotas, “cor­rompendo” o silêncio da maioria que pensa. Esta­mos a ser covardes e, com esta postura permitimos toda a espécie de injustiças e bestialidades governati­vas.
 
Temos de agir, agora e já, nos marcos da lei, mas irreverentemente, por­que o país está sem norte, numa clara demonstração de um Presidente da Re­pública já dar mostras de não controlar a máquina diabólica que inicialmente havia montado para a sua protecção e que agora o poderá devorar.
 
Não acredito, mas também não tenho argumentos que me impeçam de duvidar que José Eduardo dos San­tos, por iniciativa pessoal, seja capaz de cultivar tanto desprezo pelos angolanos atirados para a Kissama, ao ponto de apadrinhar tais práticas, que nem Salazar, líder do regime fascista colonial português, teria coragem de praticar con­tra os pretos colonizados do ultramar. No entanto, repito, como poderei eu, perante estes horrores, negar que o colono negro é pior que colono branco… É pior.
 
A norma do regime e a brutalidade da polícia par­tidária é quilométrica e se, por um lado, ilude a opinião pública ao preten­der julgar os assassinos de Kamulingue e Cassule - já que o do Ganga, por ser acto gerado no seio da Pre­sidência da República, tem selo pessoal de imunidade para matar, por outro, con­tinua a reiterar a prática de tirar a vida por dá cá aquela palha, aos oponentes mais irreverentes e aos pobres sem defesa, e vai daí terem assassinado uma simples mulher em Viana, e vai de acolá também, prenderem um jornalista por preten­der buscar uma informa­ção, isto sem esquecer que nas Lundas foram mortos em Janeiro cinco cidadãos e em Cabinda três, todos por motivações políticas. É a ditadura no seu pico máximo, com os símbo­los que deveriam inspirar confiança ao cidadão, tais como a Polícia Nacional e o Palácio da República (visto como local assom­brado, por matar quem dele se aproxima), hoje a criar o pavor e o temor.
 
O Papa João Paulo II, nos seus textos cristãos, con­siderava a arrogância como “tendência para dominar os outros para além dos próprios e legí­timos direitos e méritos”. Nós estamos nessa fase, dominados entre o medo e a covardia de estrutu­rarmos um plano de luta pacífica para o resgate da dignidade dos povos de Angola em geral, e do Povo Khoisan em par­ticular. Por tudo isso, continuo na organização de uma manifestação de cidadãos, não interessa o número, até podem ser “300 frustrados”, número que já assusta o Presidente da República e toda a sua máquina de apoio, para rei­vindicar os seus direitos de lutar em prol da consolida­ção da paz, da liberdade de imprensa e de expressão e de uma real democracia. Vamos estender a organi­zação dessa manifestação por todo país, formando uma grande corrente con­tra a ditadura e o poder ab­soluto, só e sem outro fito que não seja para sermos dignos dos nossos ante­passados.
 

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