MEDIDA ESTÚPIDA DOS
COLONOS NEGROS
Osvaldo Catengue –
Folha 8, 8 fevereiro 2014
O governo de
Luanda, ciente por ordem superior de que as zungueiras são agentes do crime
organizado, eventualmente responsáveis pela corrupção no país, tão criticada
nos areópagos internacionais, lançou uma operação de limpeza quase étnica contra
as vendedoras ambulantes na cidade. É que, presume-se, a capital fica mal na
fotografia que nos quer apresentar com fatos Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna. É
claro que as meias estão rotas, mas como não se vêem…
E nessa operação de
limpeza pura e dura, como aliás faz parte do código genético do regime, vale
tudo. Os detidos, mulheres, homens e crianças são enclausurados segundo a
regra número um dos direitos humanos que vigora por cá: todos a monte e sem
as mínimas condições. A Polícia Nacional entende que pôr meia centena de
pessoas numa cela é o adequado. Acrescentam que quem não estiver satisfeito
pode sempre fugir e, é claro, levar uns tiros.
As zungueiras,
como angolanas de terceira categoria, são empilhadas numa cela no Posto
Policial do Marçal, e nem mesmo o facto de estarem acompanhadas por filhos
recém-nascidos evita que sejam tratadas como mercadoria de baixo valor. Não é
um espectáculo digno para figurar nas tais fotos com que o regime mostra só
uma das partes da capital. Mas como essas imagens dificilmente chegarão ao
público, a Polícia Nacional e o regime mantém-se impávidos e serenos, conhecida
que é a conivência do mundo dito civilizado.
E, é claro, ficam
virados do avesso e com o dedo no gatilho quando aqui perguntamos: Até quando?
E acrescentamos: Porra, isso é demais… prendem, violam, assassinam e todos nos
calamos?
Depois de um
manancial de ameaças, enquadráveis na estratégia de reeducação patriótica do
regime, as vendedoras são libertadas e avisadas que, no caso de reincidirem,
as penas serão bem mais pesadas. Mas, como em qualquer democracia, se as zungueiras
tiverem dinheiro para passar por debaixo da mesa, a situação altera-se. É que,
bem vistas as coisas, os polícias também têm família para sustentar e, no caso,
um dinheiro extra calha sempre bem. E se a isso juntarem os bens confiscados,
que não são inventariados, o pecúlio pode ser bem generoso.
Ainda não há muito
tempo, foi em Novembro do ano passado, o director-geral adjunto do Instituto
de Formação de Finanças Públicas (INFORFIP), José Magro, ressaltou a importância
da Segurança Social abranger um maior número de contribuintes, num país onde o
mercado de trabalho informal está em expansão. E até disse que “é necessário
que também a Segurança Social tenha um maior leque de contribuintes,
nomeadamente as zungueiras, que não têm qualquer protecção social...”
Ser zungueira em
Angola não é, ao contrário do rótulo dado pelo regime, sinónimo de
delinquente. Pelo contrário, é uma alternativa que une o engenho e barriga
numa luta desigual contra a fome. Num país assimétrico, há poucos empregos para
os autóctones que, contudo, têm família e direito legítimo a uma vida digna.
As nossas mulheres,
sim as zungueiras são cidadãs de pleno direito e não uma espécie menor de escravas,
carregam os filhos pelas ruas de Luanda porque a isso são obrigadas. Se
tivessem outra opção não hesitariam, em colocá-las em creches sociais. Este
governo sabe o que isso é? Seguramente não.
Querê-las
equiparar, como faz o Governo, a marginais e delinquentes é, só por si, um
crime contra os mais elementares direitos humanos. Nem todas, nenhuma até,
conseguem ter o privilégio de vender ovos e assim tornarem-se nas mulheres mais
ricas de África, como aconteceu com Isabel dos Santos.
Num país com
elevadas taxas de desemprego e em que o acesso a uma formação escolar ou
profissional são privilégios só ao alcance de muito poucos, ser zungueira é um
acto heróico que – admite-se – precisa de ser regularizado, exactamente na
perspectiva que advogava José Magro.
Sujeitando-se a
todo o tipo de violência física e moral, muitas vezes por parte das
autoridades, as zungueiras comem o pão que o Diabo amassou para, sabe Deus
como, amealhar alguma coisa que as sustente e alimente a barriga,
tradicionalmente vazia, dos filhos e outros familiares. Trabalham de sol a
sol, palmilham longas distâncias, apregoam a vida que transportam nas suas
mercadorias, e como se esse martírio não fosse suficiente, ainda são tratadas
pelo regime como se de escravas se tratassem.
Tivessem os
governantes capacidade para servirem em vez de se servirem, todos estes dramas
poderiam ser evitados. O respeito por quem zunga e kinguila é o mínimo que se
pode, e deve, exigir aos que, pelo acaso da vida (raramente por competência)
estiveram (ou passaram) do lado certo da história, tornando-se dependentes do
partido e que, por isso, tudo fazem para manter os imerecidos privilégios,
renegando os irmãos que por coerência ou má sorte vivem do outro lado, nos
musseques.
Regressemos às
preocupações manifestadas em Luanda pelo director-geral adjunto do INFORFIP,
José Magro, na conferência sobre o Plano de Pensões e Protecção Social em
Angola – Situação Actual e Desafios Futuros, promovida pela MERCER, empresa
portuguesa com actividades nas áreas de risco, estratégia e capital humano.
“Os trabalhadores
têm que ter consciência que se isso (Segurança Social) não estiver a ser
feito, no futuro vão ter problemas, estão a ser penalizados. Podem neste
momento ter algum benefício, porque este valor que recebem hoje é bom, mas
amanhã poderá ser mau”, referiu José Magro, corroborando a importância da
Segurança Social abranger um maior número de contribuintes, num país onde o
mercado de trabalho informal é elevado
“É necessário que
também a Segurança Social tenha um maior leque de contribuintes, nomeadamente
as zungueiras, que não têm qualquer protecção social, os que estão doentes, os
que têm os filhos doentes e também as domésticas, estas classes têm de ser
pensadas no sentido de amanhã terem o seu futuro salvaguardado”, sublinhou José
Magro.
No que diz respeito
à fiscalização, José Magro disse que a Segurança Social e as Finanças têm
feito as suas inspecções, mas é necessário que elas tenham uma maior
abrangência tendo em conta a dimensão do país, salientando ainda que o
trabalho de consciencialização deve ser maior no sector privado, visto que no
Estado os descontos são já uma tradição.
Sem comentários:
Enviar um comentário