Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Desde que a troika
chegou, a dívida pública portuguesa passou de 94% no final de 2010, para 108%
no final de 2011, 124% no final de 2012 e agora andará pelos 129%. Para cumprir
o Tratado Orçamental que assinou, Portugal tem de reduzir esta divida que não parou
de aumentar para os 60%. Mesmo que, nos próximos anos, o PIB cresça bem acima
do que se prevê para 2014, se corte muitíssimo mais do que já cortou nas
funções do Estado e se consigam juros bem mais baixos dos que agora temos nos
mercados não só não conseguiremos cumprir esta meta como continuaremos a
aumentar a dívida. E, no entanto, já há quem veja luz ao fundo do túnel.
Portugal passou
12,1% de desemprego no 2º trimestre de 2011 (logo depois do memorando) para
mais de 15%. Isto apesar de estarem a sair de Portugal, segundo o próprio
governo, entre 100 e 120 mil pessoas por ano (a maior vaga de emigração desde a
década de 60) e de muitos desempregados de longa duração sairem das
estatísticas por terem desistido de procurar emprego. Dos 5,5 milhões de portugueses
em condições de trabalhar, cerca de 1,2 milhões ou estão desempregados ou
emigraram. E muitos dos que trabalham apenas têm horários parcelares e recebem
abaixo do salário mínimo. O País assistiu a milhares de falências e os
portugueses, especialmente os reformados, perderam uma grande parte dos seus
rendimentos. Vários serviços públicos começam a entrar em colapso. A economia
caiu 1,4% só no ultimo ano. Foi o nosso quarto pior ano económico desde os anos
60. E há quem fale em milagre económico.
Há alguns sinais
positivos no final do ano passado. Ainda bem que existem e que bom seria que se
mantivessem. Nenhuma queda é eterna e os países e as suas economias adaptam-se
às piores crises. Mas o tempo curto que os números agora anunciados trinta vezes
por dia dão sinais tão incertos que só a propaganda os pode transformar no
festival absurdo a que estamos a assistir. Em nenhum momento em que as pessoas
estivessem a gozar de completa sanidade mental se faria tamanha festa no meio
da autêntica tragédia social e económica que se vive neste momento. É como se
existissem dois países.
A ministra das
Finanças disse que se está a fazer história. O "Financial Times", que
sobre Portugal já disse quase tudo e o seu contrário, garante que somos o
"herói-surpresa" do euro. A Europa, sedenta duma vitória na criminosa
gestão que fez desta crise, lança foguetes.
Só mesmo os
portugueses é que ainda não perceberam o milagre a que estão a assistir. Um
estudo do ISCTE, tornado público esta semana, informa que 79% dos portugueses
dizem viver pior desde que a troika chegou. Só 5% estão melhor. Metade garante
que não consegue poupar e um terço diz que é pouco provável que o venha a
conseguir. 73% está pessimista em relação ao futuro depois da saída da troika.
O contraste com autossatisfação do governo e dos seus mais próximos apoiantes é
avassalador. Ainda há um mês a RTP divulgou uma outra sondagem que ia
exatamente no mesmo sentido. 57% dos inquiridos achavam que o resultado da intervenção
da troika, a quem Passos Coelho agradeceu pelos números aqui referidos (e por
ter falhando clamorosamente todas as previsões em que as suas politicas se
basearam), foi mau ou muito mau. E só 14% achavam que foi bom ou muito bom. 81%
achavam que a intervenção da troika contribuiu para empobrecer o país e 69%
pensavam que estamos pior do que antes. 30% acreditava que daqui a cinco anos
vamos estar ainda pior, 18% na mesma e 41% melhor (ou seja, nem o sentimento
natural de que não há mal que sempre dure chega à maioria).
Porque não
acompanham os portugueses a excitação do governo e de tantos comentadores?
Porque a vida material e concreta das pessoas não se comove com as pequenas
subidas e descidas mensais de cada indicador e as vitórias e derrotas simbólicas
de cada governo. Vive do que na economia é estrutural para quem depende apenas
do seu sustento. E o frenesi diário dos mercados, os títulos sonantes do
"Financial Times" e a excitações de ministros não mudam a dura
realidade quotidiana da maiora dos portugueses.
Apesar do delírio
em que o mundo mediático entrou, o próprio governo não parece discordar dos
cidadãos. Maria Luís Albuquerque veio dizer esta semana que a austeridade
estava para durar por muitos e bons anos. Ou seja, a festa que fazem nada tem a
ver com a vida concreta das pessoas. Essa vai mesmo continuar a piorar.
Infelizmente, os portugueses, sem dinheiro, desempregados ou mal empregados,
teimam em não saber ler os indicadores. Se soubessem, viviam a sua tragédia
pessoal com outra alegria. É a inveja, esse mal nacional, que lhes tolda o
discernimento. Lá por estarem mal na vida não podiam ficar felizes pelo bom
desempenho da economia?
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