Manuel Maria
Carrilho – Diário de Notícias, opinião
Ao contrário do que Pedro Passos Coelho parece pensar, a questão "para que serve um presidente?" é uma questão da maior importância política. A qual não se pode responder pela negativa, traçando - como ele fez - perfis de pura exclusão ao defender que o próximo Presidente da República não deve "complicar ou bloquear", ou que deve "evitar tornar-se protagonista ou catalisador" de contrapoderes, ou ainda que não deve ser "um cata-vento de opiniões erráticas".
O objetivo era,
diz-se, fragilizar a eventual candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. É
possível que fosse isso, mas se de facto era, trata-se, em qualquer caso, de
uma visão curta e tosca, não só da política, mas da própria função
presidencial, no quadro do regime português e nos tempos de hoje. A gravíssima
situação que vivemos, e por que vamos continuar a passar na próxima década,
aconselha que o perfil do próximo Presidente da República seja pensado, e muito
bem pensado.
Portugal precisa
sobretudo de um novo Presidente com duas características fundamentais: ser
internamente um mediador eficaz, capaz de diminuir a excessiva, teatral e
inútil conflitualidade que domina a cena político-partidária nacional,
incentivando compromissos de médio/longo prazo. E ser externamente uma personalidade
de indiscutível dimensão global, conhecida e respeitada, capaz de projetar
Portugal e de intervir nos debates internacionais.
A primeira
característica exige uma visão política robusta, enraizada no conhecimento da
história do País e na experiência pessoal, com valores bem definidos. Só uma
autoridade com este perfil será capaz de dobrar a mesquinha conflitualidade
política hoje dominante.
A segunda exige um
currículo sólido, que permita ter uma teia de relações no mundo, um bom
conhecimento das instituições internacionais, dos seus meandros, dos canais e
das influências que as atravessam, tornando eficaz a ação presidencial na
dificílima arena internacional, retirando Portugal do papel periférico, de
quase indigenato, a que se chegou nos últimos anos.
Devem pois ser
estas características, positivas e inclusivas, as que devemos exigir ao próximo
PR. É disso que o País absolutamente precisa. Ora, é evidente que Portugal
apenas dispõe de duas personalidades com este perfil: António Guterres e Durão
Barroso.
Andar a discutir
personalidades que sejam absolutas desconhecidas mal se atravesse a fronteira e
se chegue a Huelva, Badajoz, Salamanca ou Vigo não parece realmente uma ideia
muito inteligente, quer se trate de autarcas com trabalho apreciável (Rui Rio
ou António Costa), de populistas à procura de protagonismo (como Marinho e
Pinto, mas aparecerão certamente mais...) ou, ainda, de "senadores"
esfíngicos à espera que os vão buscar a casa: António Barreto é o melhor
exemplo.
Marcelo pertence, é
preciso reconhecê-lo, a uma categoria à parte, a dos comentadores catódicos
profissionais, e tudo indica que continuará a liderar o pódio dessa classe.
Sendo até de prever que possa ir tão longe como foi José Hermano Saraiva, de
quem ele é televisivamente o grande herdeiro e continuador.
É esse, mais do que
o Palácio de Belém, o destino mais provável que o espera, e que ele tem
preparado porventura sem o saber. Mas o destino é isso mesmo, não é o lugar
para onde se quer ir mas o lugar que nos espera independente da nossa vontade -
e quantas vezes contra ela - no cruzamento das contingências da vida e da
história.
A minha aposta, que
gostaria que fosse desde já a de toda a esquerda e do centro-esquerda
inteligente e patriótica, é em António Guterres. Eu sei, vão lembrar-me as
críticas que eu lhe fiz como primeiro-ministro no segundo mandato, etc.,etc..
Mas nestas matérias convém não ser dogmático e seguir o conselho de Ovídio, que
aconselhava a que sempre que se identificasse um defeito em alguém se
procurasse logo a qualidade mais próxima - e vice-versa.
Com efeito, muitas
vezes, as características que numa situação aparecem como negativas, num outro
contexto revelam-se qualidades, e de relevo. É o caso, creio, de António
Guterres, que é um político com um alto nível de qualificação intelectual, uma
exemplaridade ética e uma visão política incomparáveis com todos os que o
antecederam ou se lhe seguiram.
Governou quatro
anos com elevado apreço geral. Em condições que exigiam um enorme talento
porque não tinha maioria no Parlamento, revelando uma capacidade de diálogo, de
mediação e de concertação bem raras: basta pensar na viabilização dos
orçamentos com o PSD, ou na reforma fiscal com o Bloco, por exemplo. O seu erro
foi , a meu ver, não ter percebido que o segundo mandato pedia mais do que esse
talento, e que a maioria absoluta era um imperativo que ele devia ter exigido
"dramaticamente" ao País. Por outro lado, em termos internacionais,
basta pensar - entre muitas outras coisas - no modo como enquanto primeiro-ministro
lidou com o problema de Timor. Acompanhei--o nas diligências junto do Papa João
Paulo II, segui de perto a intensidade com que pressionou Bill Clinton e outros
líderes internacionais, não teve um minuto de descanso enquanto não foi
encontrada uma solução política para a tragédia timorense, revelando tanto uma
notável capacidade de manobra como uma persistência tenaz, qualidades de que
hoje Portugal bem precisa no seu topo institucional.
Neste momento, no
domínio político - ao contrário do que se passa no desporto ou na cultura -
Portugal só tem três nomes conhecidos e respeitados internacionalmente: Mário
Soares, Durão Barroso e António Guterres. Pude, durante as minhas funções como
embaixador de Portugal na UNESCO, em contacto permanente com 193 delegações de
todo o mundo, confirmá-lo inúmeras vezes. Tudo o mais é ignorado, mesmo
completamente ignorado.
Por isso, andar a
pensar local e paroquial nesta época em que tudo é global e cosmopolita, é de
uma confrangedora estupidez política, que se pagará bem caro. Quem duvida, que
olhe para o desempenho do atual PR....
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