António Galamba –
Jornal i, opinião
O governo e a
maioria PSD/CDS insistem em viver num buraco negro
O desfasamento
entre o discurso político e a realidade dos cidadãos, dos territórios e do país
assume por vezes dimensões preocupantes. Uma retrospectiva dos últimos dois
anos e meio permite concluir que há um conjunto de protagonistas políticos a
viver numa espécie de buraco negro, razão pela qual o que dizem e o que fazem
não cola com a realidade.
O governo e a
maioria PSD/CDS insistem em viver num buraco negro, em que o presente não
existe, o passado é desculpa para todos os fracassos do dia-a-dia e as melhorias
reais são projectadas para um futuro mais ou menos distante. Uma filosofia que
faz lembrar o quadro em que o cavaleiro ergue um pau com cenouras na ponta para
que o burro continue a andar. E recordar que Pedro Passos Coelho afirmava em
Julho de 2011: "Não usaremos nunca a situação que herdámos como
desculpa." No fundo, a fuga ao presente serve para se eximirem das
responsabilidades e das consequências das suas opções políticas.
O problema é que no
buraco negro cabe o quotidiano de 81 mil licenciados sem emprego há mais de um
ano, o desespero dos 443 943 portugueses no desemprego sem qualquer tipo de
apoio social ou os mais de 240 mil portugueses que já abandonaram o país desde
2011.
O problema é que
nesse buraco negro também cabe a incompetência de quem, em cada quatro euros de
austeridade sacados aos portugueses, apenas utilizou um na consolidação
orçamental e desperdiçando os restantes três.
O problema é que,
depois de tantos sacrifícios e cortes, de um aumento de 30% do IRS, a dívida
pública tenha disparado para os 129,4% do PIB (o Memorando inicial previa 105%)
e o défice pode ter ficado em 5,2%, depois das receitas extraordinárias (o
Memorando inicial previa 3%).
O problema é que a
lógica do buraco negro é a da suspensão do tempo, da ocupação do espaço e da
disposição desse território a seu bel-prazer. E mais uma vez a realidade é bem
diferente do discurso político. Portugal não é uma quinta e nenhuma maioria
pode dispor da vida dos portugueses de forma arbitrária. Não considerar o tempo
o factor principal da vida das pessoas tem sido o erro de muitas das políticas
do presente. Com um Estado e com uma sociedade demasiado compartimentados, com
diversas manifestações de exercício do poder com base no exercício de
autoridade "esta é minha quintinha", com a relevância do território
no quadro mental dos portugueses ( vide as consequências trágicas das disputas
de terras ou águas), tem havido incapacidade de superar este enquistamento em
torno do espaço. Hoje, mais do que ter uma esquadra, um quartel de bombeiros ou
um centro de saúde à porta de casa, é importante garantir que são asseguradas
ao cidadão as condições de mobilidade para que, em tempo útil, tenha acesso a
um determinado serviço. A falta de ponderação dos tempos e das condições de
acesso e a falta de bom senso podem levar a tratar todo o país por igual. O
país nem é só Lisboa, nem é todo igual.
Outros
protagonistas políticos insistem em viver noutro tipo de buraco negro, em que o
presente não existe, em que o passado é o tempo do esplendor gerador da saudade
constante e o futuro será o momento em que tudo pode voltar a ser como era. O
presente é um interlúdio, um não tempo político, ainda que decorra da expressão
democrática da vontade de cidadãos. Porque actuam no quadro do espaço como referência,
alguns podem achar que têm direito divino de ocupação desse espaço. No
essencial, das turmas do buraco negro não rezará a história porque há um
presente vivido todos os dias pelos portugueses.
Político (PS) - Escreve à
quinta-feira
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