José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Pensar o pós-troika
é muito mais do que pensar como se vai Portugal financiar depois de maio. É
pensar que país vai ficar depois do ajustamento (ou melhor, depois desta fase
do ajustamento, porque esse continuará, com a perpetuação da austeridade
durante 15 ou 20 anos, algo já dito por Passos Coelho como sendo a sua
"solução" para pagar uma dívida que sabe impagável).
O que já sabemos é
que vai ser um país mais pobre, com menos trabalho e com menos capacidade de
responder aos desafios do nosso tempo. É isso o pós-troika. E é para selar a
estabilização desse desígnio que a direita económica e política procura um
pacto de regime com o Partido Socialista.
O Portugal do
pós--troika será evidentemente um país mais pobre, resultado da redução
salarial generalizada, da brutal penalização das reformas e da perda de salário
indireto traduzida no esfacelamento prático das políticas de universalidade de
serviços públicos essenciais como a educação, a saúde ou a segurança social. A
esse país mais pobre, o país da esmagadora maioria das pessoas, contrapor-se-á
um outro Portugal, um minipaís em condomínio fechado, feito dos mais ricos do
costume que verão, como estão a ver, a sua fortuna duplicar ou triplicar ao
sabor de movimentos especulativos ou como prémio de truques fiscais.
Será também um país
com menos trabalho. A euforia que tomou conta dos arautos do ajustamento pela
austeridade face aos números do desemprego tem pés de barro. É claro que a
criação de emprego é uma boa notícia para o País. Mas entendamo-nos: os dois
pontos de recuo na taxa de desemprego, sendo um dado em si mesmo positivo, não
podem servir de biombo para esconder as realidades da perda quantitativa e da
desqualificação do trabalho em Portugal pela mão do ajustamento. Primeiro, por
cada três empregos destruídos desde que se iniciou a aplicação do memorando com
a troika criou-se apenas um (128 mil empregos criados, 435 mil empregos
destruídos). Segundo, a população ativa está a diminuir acentuadamente: de
acordo com o INE, essa diminuição situou-se em 117 mil pessoas só em 2013, o
que, descontado o saldo natural da população, atira para cerca de 90 mil ativos
a menos. E isso tem um nome: emigração. O País voltou a um padrão da década de
sessenta, quando os homens emigravam e as mulheres ficavam em trabalhos pouco
qualificados. Essa é a terceira nota: o emprego que está a ser criado, sendo
escasso, é mau. Os dados do INE são inequívocos: cresce o emprego em ocupações
entre uma e dez horas semanais e naquelas que ultrapassam as 40 horas por
semana, sendo que onde o trabalho se situa entre as 30 e as 40 horas se
registou uma destruição de mais de 310 mil empregos. Uma economia de biscates,
de call centers e de jorna - dá isto razões para contentamento?
O país do
pós-troika será, enfim, menos apetrechado para responder aos desafios do nosso
tempo. A consideração da ciência e da cultura como gorduras a cortar - patente
no desinvestimento indesmentível na formação de doutorados e na pesquisa de
pós-doutorados, no vazio a que Nuno Crato remeteu a formação de adultos ou na
confrangedora incultura (para além de irresponsabilidade) revelada pelo Governo
em toda a novela dos quadros de Miró - traz--nos de volta o país de
"pobrezinhos mas honrados". Ou talvez nem isso, porque até a honra de
sermos nós por nós mesmos nos terá sido tirada quando chegarmos a maio.
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