TÃO ASSASSINO É O
QUE LIBERTA COMO O QUE INSTIGA E O QUE MATA
Folha 8 – 15 março
2014
BUFO INFILTRADO NO
MOVIMENTO DOS JOVENS REVOLUCIONÁRIOS
Benilson Pereira
Bravo da Silva, conhecido por “Tucayanu”, fez-se passar, com a devida
protecção das forças de segurança e devidamente instruído pelos serviços
secretos do regime, do qual era um operacional de alto valor, por membro dos jovens
revolucionários que contestavam a ditadura de José Eduardo dos Santos, bem como
amigo dos que reivindicavam os seus direitos. Dessa forma atraiu para uma
emboscada os seus supostos colegas Alves Kamulingue e Isaías Cassule. A
operação terminaria com a morte destes dois jovens.
A notícia da
libertação do homicida e um eventual plano de fuga do país foi avançada na
nossa última edição, causando mais uma vez uma onda de indignação por parte da
população e, também, um calafrio nas hostes do regime que procurava silenciar
o caso.
Tucayanu, um
destacado informador dos Serviços de Inteligência de Angola (SINSE), era
directamente controlado e orientado pelo ex-ministro do Interior Sebastião
Martins que, de acordo com o seu plano, o instruiu no sentido de enganar Kamulingue
e Cassule, atraindo-os para a morte, a única forma que o SINSE encontrou para
fazer a habitual queima de arquivos.
Alves Kamulingue e
Isaías Cassule faziam parte de um grupo de ex-militares e combatentes que
reivindicavam as suas pensões e outros direitos, ameaçando organizar
manifestações contra o regime angolano. Por saberem demasiado, entendeu
Sebastião Martins que só o seu desaparecimento físico poderia resolver a
questão. Para o efeito utilizou como arma Tucayanu.
No dia 27 de Maio de
2012, Alves Kamulingue foi raptado por elementos dos Serviços de Informação e
segurança de Angola. Dois dias depois, a 29 de Maio, desapareceu Isaías Cassule.
Ciente de ter o assunto totalmente controlado, Sebastião Martins cobriu as
supostas investigações com um manto de silêncio.
Só um ano e meio
depois, em Novembro de 2013, surgiram à revelia das forças de segurança, novas
informações sobre o destino dos dois desaparecidos. Cassule fora espancado até
à morte e atirado a um rio, enquanto Kamulingue foi morto a tiro e abandonado
numa mata.
O processo de Alves
Kamulingue e de Isaías Cassule andou muito tempo fechado e sem que as autoridades
se pronunciassem, o que correspondia à estratégia do executor moral, Sebastião
Martins. Quanto mais tempo passasse sem se descobrir qualquer indício, e no
meio de muita contra-informação oficial, mais remotas eram as possibilidades
de se saber de facto o que tinha acontecido.
Não contavam as
autoridades com a enorme pressão da sociedade civil que, dessa forma, começou
a fazer exigências que incomodava o poder e que, por fim, obrigaram a que o
processo emergisse das tumbas.
Peça fundamental em
todo este triste mas revelador imbróglio foi Tucayanu, o operacional contratado
para atrair as vítimas. A sua libertação está a causar estranheza, mas fontes
próximas do processo admitem que o mesmo esteja agora em parte incerta,
admitindo-se mesmo que possa ter sido, ou venha a ser, obrigado a tomar banho
num rio cheio de jacarés famintos.
Tucayanu atraiu Isaías
Cassule com a promessa de lhe dizer onde estaria Alves Kamulingue, que tinha
desaparecido dois dias antes. Atrai-o para um dos bairros mais populosos de
Luanda. Cassule concorda mas faz-se acompanhar pelo colega, o Santos. Este
apercebe-se que é uma cilada e consegue fugir. O amigo tenta fugir mas é
capturado. A sentença já estava determinada: assassinado.
Do ponto de vista
legal e de um Estado de Direito ninguém aceita, nem em tese académica, que
nesta altura do processo o autor material dos assassinatos seja libertado. Para
além do perigo de fuga existe o perigo de se perderem provas fundamentais. Mas
isso, é claro, não é preocupação das autoridades que, mais uma vez, não deixam
os seus créditos por estratégias alheias.
Tucayanu era um
“agente cinco estrelas dos serviços de informação”, de alto valor para a
causa do regime, razão pela qual se movimentava como peixe na água juntos dos
jovens revolucionários.
“A informação é
bastante preocupante. Deixou-nos abalados. Estamos mesmo surpreendidos. Este
jovem é o mesmo que andava connosco? Se é, então é um traidor á nossa causa”,
lamenta Teca Pedrowski, um dos vários membros do movimento revolucionário que à
DW África se mostraram chocados com a notícia de que Tucayanu era um
operacional dos Serviços de Inteligência de Angola (SINSE).
Aproveitando-se da
ingenuidade da juventude, não é a primeira vez que surgem suspeitas, algumas
documentadas, de que os serviços secretos infiltra os seus operacionais no
movimento dos jovens revolucionários. Tal como os infiltram em outras
organizações, serviços, entidades etc.
Adolfo Campos,
outro membro destacado do movimento “Revu”, lembra-se de ter desconfiado de
Tucayanu quando este se apresentou como funcionário de uma empresa petrolífera.
“Realmente foi um
pouco suspeito quando ele nos pediu currículos para trabalhar na área
petrolífera. Nós sabemos que em Angola o emprego é difícil. Achámos suspeito.
Aquilo criou algum tumulto entre nós”, recorda Adolfo Campos. Por outro lado,
Teca Pedrowski frisa que Movimento dos Revolucionários está chocado, recordando
que “ele disse que era um tio que tinha dentro dessa empresa e que podia
possibilitar alguns trabalhos. Nós não tínhamos razões para desconfiar. Temos
de rever todo o nosso movimento, até porque também nós corremos perigo de
vida”.
Sendo que a
libertação de Tucayanu, um agente da secreta, é uma barbaridade jurídica, seria
de esperar que a Procuradoria-Geral da República o mandasse prender novamente.
Que se saiba não o fez. Provavelmente se o decidir fazer vai esbarrar na
constatação de que as autoridades não o conseguem localizar. E assim sendo, a
matéria de facto que poderia levar a julgamento também os mentores políticos
destes assassinatos fica sem sustentabilidade jurídica e testemunhal.
À luz da
Constituição, neste caso concreto, o Presidente da República é também
responsável criminalmente. Quer o ministro do Interior quer o director dos Serviços
de Segurança são auxiliares do titular do poder executivo que é José Eduardo
dos Santos. Eles não fazem nada sem conhecimento de José Eduardo dos Santos.
Mas, como se está
num país em que a Constituição só tem valor formal, é mais do que certo que a
culpa vai morrer solteira, que os responsáveis vão ser louvados pelos altos
serviços prestados ao regime, e que os jovens vão ter de continuar a alimentar
jacarés até que um dia o nosso país seja, de facto e de jure, um Estado de
Direito.
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