Mário Soares – Diário
de Notícias, opinião
O atual Governo
resolveu comemorar o quadragésimo aniversário do 25 de Abril e deu à luz o
respetivo programa. É inacreditável! Nunca se refere aos militares do MFA,
nunca os cita, apesar de terem sido eles - e mais ninguém - quem nos deu o 25
de Abril. Tratando-se de uma Revolução pacífica dos Cravos, que toda a Europa e
o mundo inteiro festejou, como tal, não há qualquer referência aos cravos de
Abril, talvez por o Presidente da República, Cavaco Silva, nunca se ter dignado
a pô-los na lapela, talvez para mostrar à direita, a que pertence, que gosta
mais do 28 de Maio de 1926, que abriu portas à ditadura, do que do 25 de Abril
de 1974.
Quais são então as
comemorações propostas pelo atual Governo para o quadragésimo aniversário do 25
de Abril? São sete, inacreditáveis:
1. Um site que
reúna o máximo de informação sobre o 25 de Abril;
2. Histórias
narradas por atores na TSF e na Antena 1;
3. Um concerto de
comemoração que terá lugar na noite de 24 de abril;
4. Itinerário do 25
de Abril dirigido pelo arquiteto José Mateus;
5. Exposição sobre
a evolução sociológica da sociedade portuguesa nos últimos 40 anos feita pela
comissária Regina Moura Guedes;
6. Em setembro de
2014 haverá um evento que visa novas formas de democracia no futuro, sob a
responsabilidade do neurocientista Rui Costa;
7. Conferência
internacional sobre as experiências de democratização, cujos comissários serão
José Tavares e Pedro Magalhães.
É tudo e parece não
ser nada. Mas é. Tudo contra o 25 de Abril. Não há uma referência aos militares
do MFA, a quem se deve a Revolução, nem tudo o que se deve aos partidos, que
votaram a Constituição da República, o Estado de direito, então criado e o
Estado social, que os sindicatos e os partidos constituíram, um imenso
progresso no que respeita aos direitos humanos e ao fim das guerras coloniais,
concedendo às colónias o direito à autodeterminação, proclamada pela ONU.
Tudo no 25 de Abril
se passou em paz, com enorme tolerância e rapidez. Os chamados retornados foram
reintegrados - como se sabe - com extraordinário êxito, sem que houvesse pieds
noirs como na Argélia. E a democracia desenvolveu Portugal como um Estado de
direito e de cultura, respeitado pelas Nações Unidas desde a primeira hora e
depois pela União Europeia, em que Portugal se integrou no mesmo dia que a
Espanha pós-Franco. O progresso que resultou da Revolução dos Cravos evitou que
houvesse retaliações sobre a gente da ditadura, muitos dos quais se adaptaram à
democracia. Criou grandes cientistas, académicos, intelectuais, artistas e
gente de cultura (que hoje estão a desaparecer) e um Estado social, com o
Serviço Nacional de Saúde e o respeito pelas universidades, de que nos podemos
- e devemos - orgulhar, apesar de o atual Governo estar há dois anos a
destruir, por querer criar, como se vê, no programa referido, uma nova
democracia antidemocrática, obviamente, contra a vontade da es- magadora
maioria dos portugueses que sentem e pensam. Como o povo nas ruas diariamente
demonstra.
Os que ainda não
emigraram, por falta de emprego, e dada a destruição que tem vindo a ser feita,
sistematicamente, pelo atual Governo, que está a acabar com a classe média e a
vender o melhor do nosso património.
A verdade é que o
programa elaborado por este Governo, para as comemorações do 25 de Abril,
mostra claramente que é a favor do 28 de Maio de 1926 e da ditadura e contra os
militares e os civis que sempre têm aplaudido o 25 de Abril. É contra a democracia,
porque é em favor da antidemocracia e quer voltar ao passado de uma espécie de
ditadura. Ou para usar a expressão desse inimaginável programa é a favor de uma
pseudodemocracia antidemocrática e contra os militares de Abril. Como esse
infeliz e incapaz ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, tem vindo a
demonstrar, pela arrogância com que os tem tratado...
Mas para além do
Governo - e dos ministros que não podem sair à rua sem ser vaiados - acontece o
mesmo com o Presidente da República, Cavaco Silva, que é o grande responsável
pelo estado desgraçado a que Portugal chegou. Só pensa nos mercados e ignora as
pessoas, como se tem visto. Ora, o que conta para esse "dia inicial
inteiro e limpo", o 25 de Abril, como disse Sophia de Mello Breyner, é aplaudir
os militares. É o que o povo sente e continua a estar esmagadoramente com eles.
Como se viu nos últimos dois anos em que no dia 25 de abril não quiseram estar
no Parlamento e eu, como muitos portugueses, fui solidário com eles.
Todos os democratas
sérios e os portugueses que têm vindo a ser roubados nas suas pensões - e nos
próximos meses vai ser pior - e ainda estão corajosamente em Portugal, não
deixarão de estar na rua, por todo o País, para festejar a sério o 25 de Abril,
acompanhando os militares de Abril, porque ninguém que conheça a história
destes 40 anos ignora o que todos lhes devem. Por isso, gritem: Viva o 25 de
Abril! Viva a democracia que dele saiu! Abaixo a pseudodemocracia que o atual
Governo quer criar...
A VENEZUELA VAI MAL
A Venezuela é um
país onde vivem muitos portugueses, que conheço bem e muito aprecio. Desde o
tempo de Carlos Andrés Pérez e antes dele Rafael Caldera e, depois disso, Jaime
Lusinchi e no tempo de Hugo Chávez, que conheci também muito bem e de quem fui
solidário quando parte da Europa e da América lhe chamavam ditador. O que nunca
foi como hoje se reconhece unanimemente. Foi, de resto, grande amigo de
Portugal, que visitou várias vezes, no tempo de José Sócrates, com o qual se
dava muito bem.
Conheço também o
antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Nicolás Maduro, que é hoje o
Presidente da Venezuela. Conheci-o no tempo de Chávez, mas praticamente não
falava. Depois de ser Presidente, encontrei-o em Lisboa uma única vez e, desde
então, só lhe tenho ouvido e lido inúmeros disparates.
É um venezuelano
mais cubano que, ao que parece, nunca até hoje entendeu que Cuba (onde estudou)
está a mudar e porque os próprios cubanos percebem que é isso que precisam: ter
boas relações com a América e com os próprios cubanos refugiados que querem
regressar a Cuba. Quando Cuba vai construir um porto marítimo perto do Panamá,
que interessa aos americanos, mesmo aos republicanos.
O Presidente Maduro
fala sem tino e evoca Hugo Chávez como se o tivesse encontrado post mortem, através
do passarinho que lhe falou... Por outro lado tem cometido tais disparates
permitindo assaltos a lojas e empresas, que teve como resultado pôr o seu país,
a Venezuela, à beira da guerra civil. Sem qualquer fundamento numa imensa
perturbação.
A Venezuela é um
belo país, com grandes recursos petrolíferos, que estão a desaparecer, que não
merece como está a ser tratado com total inconsciência. É o que pensam os seus
amigos, entre os quais tenho a honra de me contar. Sobretudo num momento tão
importante para a América Latina, em que muito está a mudar.
A EUROPA VAI MUDAR
Barack Obama, salvo
erro, visita a Europa em abril próximo. É importante que o faça e que dessa
visita resulte, como espero, alguma coisa de diferente e concreto, para
transformar a zona euro. É bom que isso aconteça.
A Europa vai ter de
mudar, necessariamente, para não se desfazer como tal ou cair no abismo, como
preveniu Helmut Schmidt, um político sábio e excecional. É inevitável. O
social-democrata Martin Schulz, amigo de Portugal, vai ser o futuro Presidente
do Parlamento Europeu, ou melhor, da Comissão Europeia, em substituição de
Durão Barroso. Mas não é só Durão Barroso que vai terminar o seu mandato, que
infelizmente não foi nada brilhante, antes pelo contrário. É toda a equipa da União
Europeia que vai sair, sem deixar saudades. Porque é responsável por quebrar a
solidariedade europeia entre os Estados membros e obedecer à chanceler Merkel,
como se fosse a imperatriz da Europa. Não é nem será. Mas fez inúmeros estragos
políticos, impondo a austeridade aos países vítimas da ganância dos mercados,
quando é sabido que a austeridade mata, como diz o Papa Francisco. E continua a
matar, como está a acontecer no Estado ainda português em que quem comanda é a
troika, composta por uns tantos tecnocratas desconhecidos, que ninguém sabe
quem são nem a quem obedecem. Infelizmente Portugal passou a ser um protetorado
da troika a que o nosso atual Governo obedece, com total subserviência.
Onde Portugal
chegou, depois de tantos séculos de história, que marcaram a Europa e o mundo!
E como os historiadores daqui a alguns anos irão criticar este período tão
negro da nossa história, impensável depois da alegria do 25 de Abril e dos
trinta e tal anos de democracia e criação do Estado social que se seguiram.
Mas o que é
importante para os meus leitores é o que lhes digo aqui, com segurança: a
Europa da zona euro vai mudar. E nós, portugueses, também!
UMA SAÍDA LIMPA
Dizem os ministros
e secretários de Estado do Governo e a comunicação social que lhe obedece. A
euforia a que o Governo obriga é total. Porque o Estado vai óptimo e os
mercados ainda melhor. Os portugueses é que não: mais miséria, desemprego,
desespero, que leva à fuga do País, ao suicídio e à criminalidade.
Mas isso o que
importa? As pessoas não contam para o Governo nem para o Presidente. O que
conta são os mercados, que comandam Portugal através da troika, porque o
Governo está completamente paralisado e os ministros que fazem alguma coisa -
como o da Defesa, o da Educação e o da Justiça - seria melhor que estivessem
quietos e calados, porque ao menos ninguém reparava neles.
A saída vai ser
limpa, como estão a dizer? Que ilusão. Vai ser mais do que suja, sujíssima e
dramática. Não gostaria nada de estar na pele dos que hoje nos governam, mesmo dos
que procuram ser simpáticos e urbanos. Ou dos que julgam que podem fugir para o
estrangeiro. Desta vez, com o povo furioso, corre-se o risco de não haver a
tolerância do 25 de Abril de 1974.
É certo que o povo
português é normalmente simpático e urbano. Mas lembremo-nos das lutas liberais
do século XIX e do que sofreram os miguelistas do Norte, depois da vitória dos
liberais.
Não, a saída não
vai ser limpa. Infelizmente. O povo está demasiado desesperado e tem razão.
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