terça-feira, 4 de março de 2014

Portugal: AS COMEMORAÇÕES DO 25 DE ABRIL



Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

O atual Governo resolveu comemorar o quadragésimo aniversário do 25 de Abril e deu à luz o respetivo programa. É inacreditável! Nunca se refere aos militares do MFA, nunca os cita, apesar de terem sido eles - e mais ninguém - quem nos deu o 25 de Abril. Tratando-se de uma Revolução pacífica dos Cravos, que toda a Europa e o mundo inteiro festejou, como tal, não há qualquer referência aos cravos de Abril, talvez por o Presidente da República, Cavaco Silva, nunca se ter dignado a pô-los na lapela, talvez para mostrar à direita, a que pertence, que gosta mais do 28 de Maio de 1926, que abriu portas à ditadura, do que do 25 de Abril de 1974.

Quais são então as comemorações propostas pelo atual Governo para o quadragésimo aniversário do 25 de Abril? São sete, inacreditáveis:

1. Um site que reúna o máximo de informação sobre o 25 de Abril;
2. Histórias narradas por atores na TSF e na Antena 1;
3. Um concerto de comemoração que terá lugar na noite de 24 de abril;
4. Itinerário do 25 de Abril dirigido pelo arquiteto José Mateus;
5. Exposição sobre a evolução sociológica da sociedade portuguesa nos últimos 40 anos feita pela comissária Regina Moura Guedes;
6. Em setembro de 2014 haverá um evento que visa novas formas de democracia no futuro, sob a responsabilidade do neurocientista Rui Costa;
7. Conferência internacional sobre as experiências de democratização, cujos comissários serão José Tavares e Pedro Magalhães.

É tudo e parece não ser nada. Mas é. Tudo contra o 25 de Abril. Não há uma referência aos militares do MFA, a quem se deve a Revolução, nem tudo o que se deve aos partidos, que votaram a Constituição da República, o Estado de direito, então criado e o Estado social, que os sindicatos e os partidos constituíram, um imenso progresso no que respeita aos direitos humanos e ao fim das guerras coloniais, concedendo às colónias o direito à autodeterminação, proclamada pela ONU.

Tudo no 25 de Abril se passou em paz, com enorme tolerância e rapidez. Os chamados retornados foram reintegrados - como se sabe - com extraordinário êxito, sem que houvesse pieds noirs como na Argélia. E a democracia desenvolveu Portugal como um Estado de direito e de cultura, respeitado pelas Nações Unidas desde a primeira hora e depois pela União Europeia, em que Portugal se integrou no mesmo dia que a Espanha pós-Franco. O progresso que resultou da Revolução dos Cravos evitou que houvesse retaliações sobre a gente da ditadura, muitos dos quais se adaptaram à democracia. Criou grandes cientistas, académicos, intelectuais, artistas e gente de cultura (que hoje estão a desaparecer) e um Estado social, com o Serviço Nacional de Saúde e o respeito pelas universidades, de que nos podemos - e devemos - orgulhar, apesar de o atual Governo estar há dois anos a destruir, por querer criar, como se vê, no programa referido, uma nova democracia antidemocrática, obviamente, contra a vontade da es- magadora maioria dos portugueses que sentem e pensam. Como o povo nas ruas diariamente demonstra.

Os que ainda não emigraram, por falta de emprego, e dada a destruição que tem vindo a ser feita, sistematicamente, pelo atual Governo, que está a acabar com a classe média e a vender o melhor do nosso património.

A verdade é que o programa elaborado por este Governo, para as comemorações do 25 de Abril, mostra claramente que é a favor do 28 de Maio de 1926 e da ditadura e contra os militares e os civis que sempre têm aplaudido o 25 de Abril. É contra a democracia, porque é em favor da antidemocracia e quer voltar ao passado de uma espécie de ditadura. Ou para usar a expressão desse inimaginável programa é a favor de uma pseudodemocracia antidemocrática e contra os militares de Abril. Como esse infeliz e incapaz ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, tem vindo a demonstrar, pela arrogância com que os tem tratado...

Mas para além do Governo - e dos ministros que não podem sair à rua sem ser vaiados - acontece o mesmo com o Presidente da República, Cavaco Silva, que é o grande responsável pelo estado desgraçado a que Portugal chegou. Só pensa nos mercados e ignora as pessoas, como se tem visto. Ora, o que conta para esse "dia inicial inteiro e limpo", o 25 de Abril, como disse Sophia de Mello Breyner, é aplaudir os militares. É o que o povo sente e continua a estar esmagadoramente com eles. Como se viu nos últimos dois anos em que no dia 25 de abril não quiseram estar no Parlamento e eu, como muitos portugueses, fui solidário com eles.

Todos os democratas sérios e os portugueses que têm vindo a ser roubados nas suas pensões - e nos próximos meses vai ser pior - e ainda estão corajosamente em Portugal, não deixarão de estar na rua, por todo o País, para festejar a sério o 25 de Abril, acompanhando os militares de Abril, porque ninguém que conheça a história destes 40 anos ignora o que todos lhes devem. Por isso, gritem: Viva o 25 de Abril! Viva a democracia que dele saiu! Abaixo a pseudodemocracia que o atual Governo quer criar...

A VENEZUELA VAI MAL

A Venezuela é um país onde vivem muitos portugueses, que conheço bem e muito aprecio. Desde o tempo de Carlos Andrés Pérez e antes dele Rafael Caldera e, depois disso, Jaime Lusinchi e no tempo de Hugo Chávez, que conheci também muito bem e de quem fui solidário quando parte da Europa e da América lhe chamavam ditador. O que nunca foi como hoje se reconhece unanimemente. Foi, de resto, grande amigo de Portugal, que visitou várias vezes, no tempo de José Sócrates, com o qual se dava muito bem.

Conheço também o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Nicolás Maduro, que é hoje o Presidente da Venezuela. Conheci-o no tempo de Chávez, mas praticamente não falava. Depois de ser Presidente, encontrei-o em Lisboa uma única vez e, desde então, só lhe tenho ouvido e lido inúmeros disparates.

É um venezuelano mais cubano que, ao que parece, nunca até hoje entendeu que Cuba (onde estudou) está a mudar e porque os próprios cubanos percebem que é isso que precisam: ter boas relações com a América e com os próprios cubanos refugiados que querem regressar a Cuba. Quando Cuba vai construir um porto marítimo perto do Panamá, que interessa aos americanos, mesmo aos republicanos.

O Presidente Maduro fala sem tino e evoca Hugo Chávez como se o tivesse encontrado post mortem, através do passarinho que lhe falou... Por outro lado tem cometido tais disparates permitindo assaltos a lojas e empresas, que teve como resultado pôr o seu país, a Venezuela, à beira da guerra civil. Sem qualquer fundamento numa imensa perturbação.

A Venezuela é um belo país, com grandes recursos petrolíferos, que estão a desaparecer, que não merece como está a ser tratado com total inconsciência. É o que pensam os seus amigos, entre os quais tenho a honra de me contar. Sobretudo num momento tão importante para a América Latina, em que muito está a mudar.

A EUROPA VAI MUDAR

Barack Obama, salvo erro, visita a Europa em abril próximo. É importante que o faça e que dessa visita resulte, como espero, alguma coisa de diferente e concreto, para transformar a zona euro. É bom que isso aconteça.

A Europa vai ter de mudar, necessariamente, para não se desfazer como tal ou cair no abismo, como preveniu Helmut Schmidt, um político sábio e excecional. É inevitável. O social-democrata Martin Schulz, amigo de Portugal, vai ser o futuro Presidente do Parlamento Europeu, ou melhor, da Comissão Europeia, em substituição de Durão Barroso. Mas não é só Durão Barroso que vai terminar o seu mandato, que infelizmente não foi nada brilhante, antes pelo contrário. É toda a equipa da União Europeia que vai sair, sem deixar saudades. Porque é responsável por quebrar a solidariedade europeia entre os Estados membros e obedecer à chanceler Merkel, como se fosse a imperatriz da Europa. Não é nem será. Mas fez inúmeros estragos políticos, impondo a austeridade aos países vítimas da ganância dos mercados, quando é sabido que a austeridade mata, como diz o Papa Francisco. E continua a matar, como está a acontecer no Estado ainda português em que quem comanda é a troika, composta por uns tantos tecnocratas desconhecidos, que ninguém sabe quem são nem a quem obedecem. Infelizmente Portugal passou a ser um protetorado da troika a que o nosso atual Governo obedece, com total subserviência.

Onde Portugal chegou, depois de tantos séculos de história, que marcaram a Europa e o mundo! E como os historiadores daqui a alguns anos irão criticar este período tão negro da nossa história, impensável depois da alegria do 25 de Abril e dos trinta e tal anos de democracia e criação do Estado social que se seguiram.

Mas o que é importante para os meus leitores é o que lhes digo aqui, com segurança: a Europa da zona euro vai mudar. E nós, portugueses, também!

UMA SAÍDA LIMPA

Dizem os ministros e secretários de Estado do Governo e a comunicação social que lhe obedece. A euforia a que o Governo obriga é total. Porque o Estado vai óptimo e os mercados ainda melhor. Os portugueses é que não: mais miséria, desemprego, desespero, que leva à fuga do País, ao suicídio e à criminalidade.

Mas isso o que importa? As pessoas não contam para o Governo nem para o Presidente. O que conta são os mercados, que comandam Portugal através da troika, porque o Governo está completamente paralisado e os ministros que fazem alguma coisa - como o da Defesa, o da Educação e o da Justiça - seria melhor que estivessem quietos e calados, porque ao menos ninguém reparava neles.

A saída vai ser limpa, como estão a dizer? Que ilusão. Vai ser mais do que suja, sujíssima e dramática. Não gostaria nada de estar na pele dos que hoje nos governam, mesmo dos que procuram ser simpáticos e urbanos. Ou dos que julgam que podem fugir para o estrangeiro. Desta vez, com o povo furioso, corre-se o risco de não haver a tolerância do 25 de Abril de 1974.

É certo que o povo português é normalmente simpático e urbano. Mas lembremo-nos das lutas liberais do século XIX e do que sofreram os miguelistas do Norte, depois da vitória dos liberais.

Não, a saída não vai ser limpa. Infelizmente. O povo está demasiado desesperado e tem razão.

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