Martinho Júnior,
Luanda
1 – Os
acontecimentos da Ucrânia constituem cenários que ilustram bem o que está por
detrás deles: as tensões financeiras concorrentes, em disputa pelo espaço
geo-estratégico de manobra e de poder.
É precisamente a isso que nos (aos 99% da humanidade) condena o poder dos
outros 1%, tendo em conta o quanto eles movem por um lado em prol da hegemonia
unipolar e por outro dos emergentes de orientação multipolar, tudo isso
correspondendo inteiramente à lógica capitalista em vigor e à sua
responsabilidade histórica!
A Ucrânia, vulnerável e frágil, está a ser uma das muitas vítimas inscritas na
globalização que está instituída desde o fim do bloco socialista ou, como
queiram, desde o derrube do muro de Berlim!
Estamos perante um país desamparado, com um povo que ao procurar melhores
formas de vida, está susceptível à ingerência, à manipulação e aos desencantos
derivados dessa busca incessante, que deu azo à escalada de radicalismos em
curso!
Desse modo a Ucrânia está a ser condenada a ser a última a decidir
democraticamente sobre os seus próprios destinos e os membros de sua
oligarquia, qualquer que seja o campo de referência, são autênticos peões que
não podem resistir à influência de seus tutores, dum lado ou do outro da
barricada.
A moeda nacional, o grivnia, está à mercê do tandem euro-dolar, como do rublo,
numa altura em que o primeiro procura responder à crise e o segundo se
manifesta cada vez mais pujante e inteligente!
Os dois campos aglutinam clara e inequivocamente:
- De um lado os Estados Unidos, a União Europeia e sobretudo a Alemanha, com
todos os monopólios, carteis e tecnologias disponíveis “do ocidente” e com a
NATO; essa é uma ala misto conservadora e ultraconservadora;
- Do outro a Rússia e a constelação de interesses que lhe estão agregados, em
função dos BRICS, do concerto regional e do espaço próprio euro-asiático, que
rodopiam à volta das indústrias e das capacidades energéticas instaladas “a
leste”; uma ala comparativa e relativamente mais progressista e sem blocos
militares.
O leste da Ucrânia (a leste do rio Dniepre) possui índices de riqueza e de
estabilidade maior que o ocidente do país o que se junta ao pendor da crise
financeira global: a parte ocidental ucraniana, mais pobre, torna-se num ónus
pesado para a União Europeia e sobretudo para Alemanha, enquanto a Rússia, a
leste, defenderá seus interesses industriais, até por que eles têm incidências
na sua própria indústria e capacidade estratégica!
Na Crimeia a Rússia tem razões históricas e humanas que lhes assiste, o que
pode gerar controvérsias ainda maiores, até por que a Rússia tem em Sebastopol
a base naval principal da sua frota estratégica do Mar Negro.
Entre essa tese e essa antítese, a síntese está a caminho, mas demorará
provavelmente mais duma década para ter alguma maturidade, passará por uma
turbulência constante e, enquanto o povo sofrer os impactos desse jogo e os
ajustes que ele impõe, a Ucrânia não se vai assumir, podendo até desagregar-se!
A exclusão de Viktor Ianukovitch do novo governo, ilustra bem as tendências do
momento, construídas com a exclusão de muitas outras sensibilidades “a leste”…
quando é no leste onde se encontram as maiores cidades do país e a maior
concentração tecnológica e industrial!
É também um indicador do carácter da oligarquia nacional e da corrupção que
grassa desde a “Revolução Laranja” e as políticas de “portas abertas”!
A Rússia, que tem vindo a ser atacada no Mar Negro, tenderá a tirar partido do
ensaio que fez na Geórgia e fazer evoluir a seu favor, muito rapidamente, a
situação no leste da Ucrânia!
Perante a verborreia da Praça Maidan, a Rússia prefere agir e colocar as
questões perante evidências cujo retorno será muito difícil.
No fundo, sob o ponto de vista geo-estratégico e tendo em conta o passado
histórico, a Ucrânia está vulnerável e frágil às influências e manipulações com
sinal germanófilo (por tabela anglo-saxão), face às influências e manipulações
com sinal eslavo, pois a relativa confrontação Oeste-Leste está a ser
transferida para as armas financeiras de um lado e do outro, em estreita
conexão agora com o sinal económico, étnico, sócio-político respectivo e…
militar!
Havendo uma radicalização, o primeiro campo de batalha será ali, na Ucrània,
mas poderá estender-se a outras regiões da Europa e do mundo… é preciso não
esquecer que a nave-capitânea da frota russa do Mar Negro, que tem base em
Sebastopol na Crimeia, está neste momento… na Venezuela!
2 – Com todo o espectro de medidas abertas ou veladas que foram sendo tomadas
pelo Governo de Viktor Ianukovitch, foi só quando ele deu costas à União
Europeia para aceitar o empréstimo de quinze mil milhões de euros da Rússia que
o cenário da crise despoletou!... até aí a contestação a ele era de
relativamente baixa intensidade, apesar dos cavalos da discórdia “ocidentais”
estarem já na “linha de partida” e prontos a correr!...
A crise veio acentuar a fragilidade financeira da moeda ucraniana, o grivnia:
para além dos fenómenos já apontados de corrupção, a inflação está a ser
galopante, a desvalorização agrava-se e os créditos suaves russos estão a ser
substituídos pela possível entrada do FMI, cujas “receitas creditícias” são por
demais conhecidas!...
A Ucrânia está agora como “um corpo inerte onde cada abutre vem depenicar o seu
pedaço”!
Se em função dos interesses “do leste”, as coisas já estavam mal para a
Ucrânia, pioraram agora com o que o FMI e possivelmente com uma nova “troika”
que se avizinha, pronta para introduzir um sinal dessa evidência: a inserção
das redes “stay behind” nos cenários sócio-políticos da Ucrânia da Praça
Maidan… ao mesmo tempo que são excluídos ou esbatidos os sinais eslavos do
espaço político que insiste na deriva a “ocidente”!
O fascismo, que faz parte das redes “stay behind” da hegemonia e por tabela da
NATO, são fundamentalismos que estão dispostos à exclusão, no momento em que a
Ucrânia tanto precisa de inclusão… só por que servem ao “ocidente” e são seus
dilectos instrumentos!
Podem servir também às-mil-maravilhas à ditadura do capital, uma vez que o
espectro da divisão ou da desagregação está instalado.
A ausência de inclusão, pelas assimetrias e disfunções que comporta, “abre
ainda mais as portas” aos lobos do capital e torna a Ucrânia numa apetecida
presa… a juntar a tantas e tantas outras que existem no âmbito contemporâneo
desde a União Europeia ao resto do mundo!
A Rússia que avalia o que são as “revoluções coloridas” pelo carácter da era
Yeltsin, começa a dar combate a esse tipo de contra-revolução liberal na Europa
e onde quer que elas ocorram no mundo, como está a acontecer na Venezuela!
3 – A Ucrânia está como um tabuleiro onde são movidas as peças dum lado e de
outro e o seu povo, sedento de liberdade e de justiça social, tarda em avaliar
o grau dos interesses, das conveniências, manipulações e embustes que o
envolvem, ou o esmagam e das jogadas que o apertam como uma poderosa tenaz!
O fascismo movido pelo “ocidente” é um dos elementos essenciais ao apertão da
tenaz e das jogadas correntes!...
No quadro duma “revolução colorida” é evidente que constitui uma ameaça
estratégica que a Rússia vai dar combate, sem alarido, mas com sua tradicional
eficácia… até por que as forças armadas da Ucrânia estão também divididas pelas
opções!
O fascismo faz parte da engrenagem da ditadura do capital, no momento das
crises conjugadas do euro e do dólar e surge como um precioso instrumento de
recurso de intervenção étnica e sócio-política!
… Quanto ao povo, ele é a primeira e a maior das vítimas!
Da “pancadaria civil” à “pancadaria militar”, na Ucrânia, vai uma muito curta
distância!
Como dizemos tão experiente quão lucidamente em África: quando dois elefantes
lutam, quem se lixa é o capim!... por agora os elefantes passaram também para a
Europa, de tal modo que esvaído o sonho duma União Europeia dos povos, por
imperativos do capital, pode-se estar a assistir também à eclosão de mais um
mito “democrático”!... NATO obriga!
Gravura: Composição de vários jornais sobre os “cenários Maidan”!
A consultar (Martinho Júnior):
- Merkel ao serviço da contra revolução liberal – http://paginaglobal.blogspot.com/2014/02/merkel-ao-servico-da-contra-revolucao.html
- A laranja apodrecida – http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/01/a-laranja-apodrecida.html
A consultar (Rui Peralta):
- Legitimidade, legalidade e processo de emancipação – http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/02/legitimidade-legalidade-e-processo-de.html
- A laranja (fl)ácida – http://paginaglobal.blogspot.pt/2014/02/a-laranja-flacida.html
A consultar (outros autores):
- Ucrania, esceario estratégico – http://www.michelcollon.info/Ucrania-escenario-estrategico.html?lang=es
- A opção europeia será também a opção militar a favor da NATO – http://resistir.info/varios/ucrania_27jan14_p.html
- A OTAN anexará a Ucrânia? – http://port.pravda.ru/mundo/27-02-2014/36315-otan_ucrania-0/
- Como a OTAN cavou na Ucrânia – http://www.globalresearch.ca/como-a-otan-cavou-na-ukraina/5371173
- A Rússia e os eventos na Ucrânia – http://www.diariodarussia.com.br/andrey-budaev/noticias/2014/02/20/a-russia-e-os-eventos-na-ucrania/
- A Ucrânia e o renascimento do fascismo na Europa – http://resistir.info/ucrania/renascimento_fascismo.html
- A última fronteira – http://octopedia.blogspot.com/2014/02/ucrania-ultima-fronteira.html
- Alemanha quer apoiar o opositor-pugilista Klitschko na Ucrânia – http://www.publico.pt/mundo/noticia/alemanha-quer-apoiar-o-opositorpugilista-klitschko-1615514
- Le Parti Svoboda est fasciste – http://www.humanite.fr/monde/ukraine-le-parti-svoboda-est-fasciste-559608
- Protestos orquestrados por Washington desestabilizam a Ucrânia – http://resistir.info/ucrania/roberts_ucr_13fev14.html
- Putin dis que Rússia deve cumprir obrigações com Ucrânia – http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,putin-diz-que-russia-deve-cumprir-obrigacoes-com-ucrania,1124381,0.htm
- Ukraine and the Rebirth of Fascism in Europe – http://www.globalresearch.ca/ukraine-and-the-rebirth-of-fascism-in-europe/5366852
- Ukraine Color Revolutions: At the Crossroads of Euro-Atlantic and Eurasian
Power Politics – http://www.globalresearch.ca/ukraine-colored-revolutions-at-the-crossroads-of-euro-atlantic-and-eurasian-power-politics/5367573
- Washington Collaborates with Ukrainian Neo-Nazis – http://www.globalresearch.ca/washington-collaborates-with-ukranian-neo-nazis/5367798
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