Rafael Marques de
Morais – Folha 8 – 12 abril 2014
Já em Julho de 2010
analistas brasileiros reafirmavam que a entrada da Guiné Equatorial como
membro de pleno direito para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
tinha apenas a ver com o petróleo, sendo outras questões basilares, como a
língua, a democracia e os direitos humanos uma farsa. Nessa altura, o porta-voz
da Presidência do Brasil, Marcelo Baumbach, afirmou que o Brasil apoiava o
ingresso da Guiné Equatorial na CPLP, mas, questionado sobre as razões desse
apoio a um país que não fala português e que é alvo de denúncias sobre violações
dos direitos humanos, esquivou-se de responder.
Por sua vez o
analista político António Flávio Testa, da Universidade de Brasília (UnB),
considerava que a aproximação com a Guiné Equatorial era mais uma estratégia do
então Governo Lula da Silva de colocar o Brasil na agenda internacional. “É uma
política de Estado de ocupar espaços estratégicos. Por trás disso, há grandes
interesses de empresas brasileiras, como a Petrobras, a Vale do Rio Doce, a
Andrade Gutierrez. E aí independente da política local, é o lado do Brasil
imperial”, afirmou António Flávio Testa. Na opinião do sociólogo, o Brasil
estava a fazer novas alianças num momento em que está competitivo, buscando reequilibrar
a geopolítica internacional, como mostram também a sua contraposição à criação da
Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a aproximação com a França para a
compra de material militar.
“A visita do
presidente Lula à Guiné Equatorial não é para promover a democracia no país”, ironizou,
por seu turno, o analista político David Fleischer, também
da UnB. “A base de tudo são interesses nacionais. A Petrobras tem interesses na
Guiné Equatorial e, além disso, o Brasil pode estar buscando mais um voto para
o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isso explica o apoio brasileiro para
o país do presidente Obiang Nguema, há mais de trinta anos no poder”, opinou
Fleischer em 2010.
Recorde-se que em
Janeiro de 2006, a Petrobras adquiriu à empresa norte-americana Chevron um
bloco para explorar petróleo na Guiné Equatorial em águas profundas, especialidade
da petrolífera brasileira. A construtora Andrade Gutierrez também tem actuado no
país por intermédio de sua subsidiária em Portugal.
A “Bandeira” de
Bento Bento
Não está mal. A
Guiné Equatorial é uma ditadura? É sim senhor. Mas o que é que isso importa se
tem petróleo, que é um bem muito superior aos direitos humanos?
Na avaliação do
governo brasileiro, as maiores potencialidades do comércio com a Guiné
Equatorial concentram-se nos sectores de gás e petróleo, infra- estruturas,
construção civil, máquinas e equipamentos agrícolas, material de defesa e
aeronaves. Reconheça-se, contudo, que a hipocrisia não é uma característica
específica de Angola. Como agora se vê, o Brasil não deixa os seus créditos por
petróleos alheios. Basta ver que, por exemplo, a UNESCO projectou atribuir um
prémio patrocinado pelo Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema. Vê-se,
por aqui, que própria agência das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura chegou a equacionar dar cobertura a um dos mais infames ditadores
mundiais.
Obiang, que a
revista norte- americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais
rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos
EUA, tem sido acusado (tal como como o seu homólogo angolano) de manipular as
eleições e de ser altamente corrupto, tal como o que se passa em Angola. Obiang,
que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito
com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como em
Angola, com os votos dos mortos), mantendo- se no poder graças a um forte
aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
Gozando, como todos
os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à
grande e à francesa quando um tribunal... francês rejeitou um processo que lhe
fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo
em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo
- os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.
Os vastos proventos
que a Guiné Equatorial recebe da exploração do petróleo e do gás natural
poderiam dar uma vida melhor aos pouco mais de 700 mil habitantes dessa antiga colónia
espanhola, mas a verdade é que a maior parte deles vive abaixo da linha de pobreza.
Em Angola são perto de 70% os pobres... Para além de se saber que a força da
Guiné Equatorial está no petróleo, se calhar sabe bem a alguns países lusófonos
ser enganados por mentiras que tentam ser pela insistência uma verdade.
Questionado sobre
se concordava com a adesão à CPLP de um país que é referenciado pelas
organizações internacionais no que respeita à violação dos direitos humanos, o presidente
moçambicano, Armando Guebuza, disse acreditar que a Guiné Equatorial vai “fazer
tudo para se conformar com aquilo que são as normas na CPLP”. Normas de quê? De
quem? Da CPLP? Mentir é uma coisa, gozar a inteligência dos outros é outra, por
sinal bem diferente, concordem ou não José Eduardo dos Santos, Armando Guebuza,
Cavaco Silva ou Dilma Rousseff.
A verdade, incómoda
para os donos do poder, seja em Portugal, Moçambique, Brasil ou Angola, é
que a CPLP está a ser utilizada de forma descarada para fins comerciais e
económicos, de modo a que empresas portuguesas, angolanas e brasileiras tenham caminho
livre para entrar nos novos membros, caso da Guiné Equatorial. Reconheça-se,
contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné Equatorial preenche todas as regras
para entrar de pleno e total direito na CPLP. Não sabe o que é democracia mas,
por outro lado, tem fartura de petróleo, o que é condição “sine qua non” para
comprar o que bem entender.
Há quem defenda,
certamente à revelia dos mais altos interesses petrolíferos, que o caso da
Guiné Equatorial deveria ser alvo de uma reflexão mais profunda. Não se vê para
quê.
Na foto: Teodore
Obiang
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