segunda-feira, 12 de maio de 2014

Portugal: A ARTE DE INVENTAR SUCESSOS



João Galamba – Expresso, opinião

Os dados do emprego divulgados na passada sexta feira pelo INE são um exemplo paradigmático de como os sucessivos "sucessos" do programa de ajustamento se revelam, afinal, uma ilusão.

Foi assim com o ajustamento externo, que depende do empobrecimento do país (quando saímos da recessão, as importações voltam a crescer mais do que as importações); foi assim com a descida dos juros, algo que acontece em toda a periferia, incluindo a Grécia; foi assim com a chamada saída limpa, que não foi uma escolha soberana do país, mas sim o resultado dos nossos parceiros não nos terem dado alternativa. No emprego passou-se o mesmo: decretou-se um sucesso que, em rigor, não o é.

É-nos dito repetidamente que o mercado de trabalho está a recuperar e que isso prova que as reformas estruturais resultam e que a austeridade não é incompatível com a criação de emprego. Acontece que os dados do INE desmentem quaisquer ideias de retoma e de transformação estrutural da economia portuguesa. 

Quando comparado com o pior período desta crise, o emprego subiu, de facto. Mas dos 72 mil empregos criados entre 1º trimestre de 2013 e o 1º trimestre de 2014, 40 mil (55%) foram nos setores O [Administração Pública, Defesa e Segurança Social Obrigatória], P [Educação], Q [Atividades da saúde humana e apoio social]).

Tudo isto são "empregos" criados ou financiados pelo Estado, na grande maioria resultantes das chamadas políticas activas de emprego (estágios, etc. Como é evidente, as políticas activas de emprego não são necessariamente negativas, não podem é ser usadas para fabricar sucessos meramente estatísticos e muito menos para podem servir para sustentar a tese de que estamos perante uma retoma sector privado e um dinamismo induzido pelas famosas reformas estruturais.

Se olharmos para os dois últimos trimestres, ou seja para o período entre outubro de 2013 e março de 2014, constatamos que esse mesmo sector privado destruiu 100 mil empregos líquidos. A destruição de emprego só foi menor porque o Estado - directa ou indirectamente - interveio, atenuando (e mascarando) a dinâmica negativa do sector privado.

Se olharmos apenas para o primeiro trimestre de 2014, constatamos que há menos 40 mil empregos líquidos do que no trimestre anterior. A descida da taxa de desemprego para 15.1% não é, pois, um sucesso, como tem dito o governo e a sua claque (nacional e internacional). É, isso sim, uma enorme tragédia: a taxa de desemprego baixa não porque haja mais emprego, mas sim porque a população activa caiu.

A haver alguma dinâmica ela não é seguramente positiva. A tal transformação estrutural virtuosa, a que pressupunha canalizar recursos para o sector dos bens transacionáveis pura e simplesmente não existiu: desde que este governo entrou em funções, não só se destruiu mais de 350 mil empregos, como o emprego nos setores transacionáveis caiu 14%, enquanto o de bens não transacionáveis a queda foi de  5%.

Não estamos a construir nada, e só não destruimos mais porque o Estado - essa instituição que nos dizem ser um entrave ao desenvolvimento e competitividade do país - tem sido usado como paliativo.

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