Nuno Ramos de
Almeida / jornal i, opinião
Em Portugal a
corrupção não é um desvio do sistema, é a própria normalidade, num regime em
que os pobres pagam os prejuízos do bancos e os ricos têm o dinheiro na Holanda
O responsável
máximo da fundação do Pingo Doce, um think tank inteligente do neoliberalismo,
declarou, ao jornal i, que os juízes do Tribunal Constitucional
tinham mentalidade de funcionários públicos. Como se isso fosse um insulto,
como se ser professor, médico, polícia, homem do lixo, funcionário de uma
autarquia, bombeiro e enfermeiro desqualificasse as pessoas e significasse que
andam a roubar o dinheiro dos outros.
Para certa gente,
servir a população é um crime. Todos os serviços públicos e o Estado social são
vistos como privilégios de madraços e coisas que em última instância estão a
impedir algum negócio chorudo de um amigo privado.
No fundo o Sr.
Garoupa tem alguma razão: neste país há duas atitudes mais pronunciadas, uma
espécie de ideal de tipo weberiano, que resumiriam as atitudes em disputa: por
um lado, temos a maioria da população, que tem "mentalidade de funcionário
público", por outro lado, temos os governantes, as fundações, que
justificam o nosso sistema, e as elites económicas, que têm mentalidade de
banqueiro.
É essa atitude que
permite o Sr. Ricardo Salgado ir ter com o primeiro-ministro, que ele ajudou a
colocar no poder, e pedir 2500 milhões de euros para tapar um dos buracos no
BES. Mentalidade de banqueiro é aquela que acha natural que os lucros da
especulação sejam para os accionistas e os prejuízos dessa nobre actividade
sejam pagos pelo contribuinte. Foi o que funcionou até agora. Nós pagamos os
BPN, os BCP, as parcerias público-privadas e os swaps especulativos com os
nossos ordenados, impostos e reformas. Infelizmente, para o líder do BES
aproximam-se as eleições e nem mesmo Passos Coelho o pode salvar e tirar mais
2500 milhões de euros da cartola que alimentou tanto rico com o nosso dinheiro.
Mas não sejamos
cegos, a crise continua a ser uma máquina ideológica que destrói a vida da
maioria da população, aquela que tem a "mentalidade de funcionário
público", e permite salvar os negócios da casta que manda neste país. No
meio da maior crise que a Europa viu desde a Segunda Guerra Mundial, os mais
ricos viram crescer a sua riqueza individual. É caso para usar uma expressão,
do na altura primeiro-ministro Cavaco Silva, sobre alguns dos empreendedores
portugueses dos anos 80: "Há milionários prósperos que são donos de
empresas falidas."
Nos países da
periferia da Europa a corrupção não é um acidente. Ela não é combatida pelo
sistema porque é a própria garantia da manutenção das elites e da casta que
manda e lucra. O capitalismo rentista, em que as fortunas são feitas à conta do
Estado e do contribuinte, tem a desigualdade económica e política como condição
de existência. Só uma sociedade em que a maioria da população é expulsa do
campo da decisão política permite o seu roubo e empobrecimento continuado.
Mas de tanto puxar
a corda, as coisas são cada vez mais voláteis. É por isso que ninguém pode
dizer que o rei vai nu. Só assim se percebe que um estudante da Universidade do
Algarve esteja a responder em tribunal por ter feito uma obra em que denunciava
a situação no país. Como fez uma instalação em que enforcava a bandeira
nacional, pode ir preso. Aqui em Portugal quem denuncia a pouca-vergonha pode
acabar na cadeia, aqueles que na realidade enforcam o país e roubam a sua
população ainda ganham medalhas de comendadores.
Editor-executivo / Escreve
à terça-feira
Leia mais em Pagina Global
Sem comentários:
Enviar um comentário