VASCO PULIDO VALENTE – Público,
opinião
Quando
Salazar caiu da cadeira e se viu que Marcelo Caetano não era capaz de acabar
com a guerra de África, Portugal entrou, como hoje se diz, num “novo ciclo”.
Começava a haver algum dinheiro e quase não havia desemprego. O futuro não nos
preocupava muito. Pelo contrário: a Ditadura manifestamente não podia durar e a
Europa esperava por nós.
Toda
a gente pensava na Europa: os que tinham emigrado, os que tencionavam emigrar e
os que supunham que Portugal seria tarde ou cedo como a Europa — com
a liberdade e a riqueza que a Europa nos dispensaria. A propaganda do regime
não passava da propaganda de um passado morto. A pequena classe média do tempo
queria a paz da Inglaterra, os salários da Alemanha, o sistema social dos
suecos e a política da França. Impostos não tencionava pagar.
Para
a minha geração, que vai agora morrendo, o “25 de Abril” chegou a tempo.
Andávamos pelos 30 anos, com uma profissão e uma longa vida à nossa frente. Íamos
finalmente mudar Portugal. Fazer um novo cinema, um novo teatro, uma nova
literatura, uma universidade exemplar e um Estado democrático. Íamos varrer a
miséria atávica do país, que manifestamente nos seguiria. Em vez disso, logo do
princípio, apareceu o dr. Cunhal e o PREC, com que, no fundo, ninguém contava.
Não vale a pena insistir nesse delírio sem sentido, que não durou muito: em
Novembro de 1975, as coisas voltaram a uma relativa normalidade. Mas ficou o
sentimento da fragilidade das coisas, que só se consolidaram em 1989-1990.
Nessa altura, a grande esperança da “revolução” já desaparecera.
Cada
um tratou, e não mal, da sua vidinha. Da sua carreira e da sua bolsa. Os
partidos tomaram conta da política, com uma irreprimível irresponsabilidade e
uma corrupção congénita, contra as quais o cidadão comum era impotente. Cada um
meteu-se na sua casca e tentou ignorar o que sucedia fora dela. De qualquer
maneira, a aventura deixara algum dinheiro e um módico de liberdade: o que aos
50 anos bastava. Por sorte, na sua imperfeição, a nossa época fora como a
“Regeneração” e o “fontismo”, uma época “civilizada”, sem guerras civis, sem
“ditaduras”, com menos miséria. Infelizmente, a nossa “sorte” incluía também
uma certa esterilidade pessoal e a amargura de uma colectiva desilusão. E à
nossa volta sucessivos governos criavam as ruínas da nossa velhice.
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