domingo, 31 de agosto de 2014

Brasil: Walê, coordenador da Marcha contra mortes, diz temer pela vida



Afropress

Salvador/BA – Uma semana depois da II Marcha contra o Genocídio da População Negra, que aconteceu na sexta-feira passada (22/08), em que pelo menos 50 mil pessoas foram as ruas de várias capitais e cidades do país, o principal organizador das manifestações, Hamilton Borges dos Santos, Walê, 47 anos, denunciou que está sendo perseguido pela Polícia e disse temer pela própria vida.

Hamilton, que é coordenador da "Campanha Reaja ou Será Morto. Reaja ou Será Morta”, responsável pela denúncia da morte de jovens negros vítimas da violência policial em Salvador, contou ter sido abordado na última quarta-feira (27/08) pelo tenente coronel Valter Souza Menezes, comandante do 18º Batalhão do Pelourinho.

O militar, que estava acompanhado de oito policiais, todos fardados, segundo o relato do ativista, o esperou na porta da Sorveteria Cubana e teria recomendando que ele “deveria tomar cuidado com quem fala no carro de som da Marcha”, "que era amigo de João Jorge, do Olodum [João Jorge Rodrigues, presidente do Grupo Olodum], de Alaíde do Feijão [quituteira tradicional da Bahia] e filho de santo da Casa Branca [terreiro tradicional de Salvador] e que não era racista”.

“A Polícia sai da comunidade, são pessoas como vocês, maioria negra. Os bons policiais não podem pagar por quem faz coisa errada”, teria dito o militar, sempre segundo palavras do ativista, que estava acompanhado pela coordenadora de comunicação da Marcha e integrante do Conselho de Mulheres, de quem só revelou as iniciais – J.S.S. – “por razões de segurança”.

Intimidação

Hamilton disse ter considerado a abordagem “um flagrante ato de intimidação” e cobrou providências do Ministério Público, da Secretaria da Justiça, da Defensoria Pública do Estado, e uma posição do governador Jacques Wagner.

“Diante da onda de terror e mortes de militantes que lutam contra uma segurança pública no Estado racista, opressora e violenta, tememos por nossas vidas, integridade física e liberdade de expressão e manifestação”, afirmou.

Ofensas

Hamilton disse ainda que o militar queixou-se de que a Polícia teria sido ofendida durante as falas no caminhão de som da Marcha. O tenente teria queixado, especialmente, de alguém que teria anunciado que iria jogar capoeira com a Polícia e que "se ela vier de lá, vai de cá”, o que foi considerado uma insinuação e ameaça de revanche.

Questionado sobre o que pretendia, o comandante disse que a corporação poderia representar ao Ministério Público contra os organizadores da Marcha por ofensa à instituição.  “Tratou-se de um flagrante ato de intimidação e ameaça”, resumiu Walé.

Ele contou que, no ano passado, sua casa foi visitada após às 23h, por policiais militares que alegaram ter recebido uma denúncia anônima, e que também na cidade de Teodoro Sampaio, no interior da Bahia, jovens foram abordados por policiais com armas em punho e tiveram que deitar no chão e retirar as camisas com o símbolo da campanha, sob o argumento da Polícia de que se tratava de “camisa de bandido”.

“A Campanha Reaja não vai ceder a intimidações ou qualquer tipo de ameaça, mais teme por seus militantes nas comunidades onde atua, teme por seus militantes anônimos, militantes que podem sofrer todo tipo de abuso a qualquer momento. Se o comandante tem algo a falar, que seja dito publicamente diante das instituições de direitos e não de forma ilegal, abordando e intimidando as pessoas na rua em tom de ameaça. Lembramos aqui que é esta prática de intimidação que a "Campanha Reaja" vem denunciando e lutando contra", reiterou.

Na entrevista concedida por e-mail ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira, Hamilton Borges Walê, comentou que os objetivos da Marcha foram alcançados.

Sobre os intelectuais que, na véspera lançaram o movimento pela coleta de assinaturas para a criação do Fundo Nacional de Combate ao Racismo, por meio de projeto de iniciativa popular, foi direto e cortante.

“Esse setor ficou olhado de lado para a Marcha, apostando num fracasso dessa Marcha porque ela fala do fracasso dessa perspectiva institucional, de intelectuais iluminados que falam dos pobres e desgraçados mais são incapazes de sentir o sabor de dormir debaixo de uma lona, de entrar nos corredores da cadeia, de sofrerem revistas vexatórias, que querenos nos representar e estudar. Eles são comportados e bem educados na frente dos brancos. Gostam de coquetéis e restaurantes chiques. Sabem usar garfo e faca e ficam brandindo diploma em nossas caras. Nós inauguramos a má educação política”, concluiu.

Veja, na íntegra, a entrevista:

Afropress – Qual o balanço que você faz da II Marcha contra o Genocídio da População Negra, que segundo as primeiras avaliações reuniu pelo menos 50 mil pessoas em várias capitais e cidades do país?

Hamilton Borges Walê - Acreditamos que alcançamos nosso objetivo. Não contamos os números que jornais (nossos inimigos) publicam. Tivemos mais de 100 mil pessoas nas ruas e nós contamos os nossos irmãos encarcerados e ainda contamos os mortos que nos acompanham em cada passo que damos, nos fortalecendo para seguirmos dando nomes aos números que saem dos institutos de pesquisas e programas d eGovernos que não mudam nada como esse Juventude Viva, coordenado pro uma mulher branca, de classe média, filha de políticos de esquerda dos anos 70, que vaticinavam que nossa luta dividia a luta dos trabalhadores.

Se é para ter um programa para enfrentar a violência contra jovem negro, não pode ter vergonha de usar a palavra negro e não pode ter vergonha de ter uma mulher ou homem negro para coordenar esse programa que, pelo caminho que vai sendo conduzido pela Secretaria Geral da Presidência, não vai para lugar nenhum.

Mas, ao fim e ao cabo, não cabe a nós dizermos o que fazer na Secretaria Geral da Presidência. Nós estamos fazendo nossa luta política fora do controle da institucionalidade. Quando for para exigir exigiremos.

Afropress – Como viu a iniciativa de, na véspera da Marcha, intelectuais e ativistas do movimento negro, terem lançado em Brasília a Campanha pela criação do Fundo Nacional de Combate ao Racismo. Como vê a iniciativa? Os participantes dessa campanha tiveram participação ou ajudaram na realização da Marcha.

Hamilton Borges Walê - Esse setor ficou olhado de lado para a Marcha, apostando num fracasso dessa Marcha porque ela fala do fracasso dessa perspectiva institucional, de intelectuais iluminados que falam dos pobres e desgraçados mais são incapazes de sentir o sabor de dormir debaixo de uma lona, de entrar nos corredores da cadeia, de sofrerem revistas vexatórias, que querenos nos representar e estudar. Eles são comportados e bem educados na frente dos brancos. Gostam de coquetéis e restaurantes chiques. Sabem usar garfo e faca e ficam brandindo diploma em nossas caras.

Nós inauguramos a má educação política, demos voz aos desde baixo, estamos na favela e na Academia sem esse ar pomposo de quem venceu.

Eles e outros grupos criaram ações na esteira da Marcha, mas queremos debater outra coisa: a responsabilidade do Governo com o Fundo para combater o racismo. Queremos debater esse Estatuto fraudulento, esse método de dormir com o inimigo e depois vir nos pedir apoio, assinatura. Queremos debater a idéia, a proposta e não ser arrastados por assinaturas.

O Movimento Negro no Brasil não é um pacote monolítico. Tem casa Grande e tem Quilombo e, aqui se fala de dinheiro para se remendar o Brasil racista. Nós queremos demolir o Brasil, criar outra coisa do ponto de vista de negras e negros.

Se querem criar um fundo, bate de frente com o partido do Governo que, em 11 anos, não construiu esse caminho. Fala com a Presidente. E é desde FHC esses intelectuais negros que todo mundo conhece que flertam com nossos opressores precisam brigar com seus colegas.

Que eu saiba essa turma não nos ajudou em nada e nós nem queremos. Tudo o que fazem é com dinheiro de partidos de Governos e de institutos de pesquisa. Se fala em dinheiro. Viraram profissionais dessa desgraça coletiva. Nós não recebemos ajuda nenhuma. Ficaram esperando convite. Mas essa Marcha nasceu nas ruas. Quem comanda ela, são mulheres que perderam filhos, ex-prisioneiros, vagabundos, desempregados, estudantes, gente que trabalha duro.


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