Pedro
Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
1 - Segundo um indivíduo de nome Simon O"Connor, há uma grande preocupação em
Bruxelas por causa do aumento do salário mínimo em Portugal para 505 euros.
Escreve o Simon, entre outras boçalidades, que Portugal envia um "sinal
errado em relação ao compromisso do governo de manter as reformas
estruturais", que o nosso país é "imprudente".
O
Simon e a Comissão, por quem fala, não devem saber, mas os trabalhadores
portugueses são os que têm o salário mínimo mais baixo da União Europeia -
tirando os dos países de Leste que mais recentemente entraram. Ou que depois do
aumento fica a mais de 120 euros de distância do grego, o segundo mais baixo.
Francamente, esta é a parte menos importante da ignorância, da estupidez ou da
insuportável arrogância do Simon e da Comissão Europeia.
É,
talvez, mais grave perceber que temos uns tontos que pensam que uma empresa que
em Portugal baseie o seu modelo de negócio em salários de 505 euros, numa
economia aberta, tem hipóteses de sobreviver no mercado e não tem o seu fim
mais do que anunciado. Entendo que se queira transformar Portugal num país de
mão-de-obra miserável que produza atoalhados de baixíssima qualidade ou torres
Eiffel para vender a um cêntimo cada, mas estou convencido de que há países que
serão capazes de pagar sempre menos aos seus homens e mulheres. Ou seja, nem a
vontade de nos mandar para o esgoto económico resultaria.
Ia
discorrer sobre o tipo de inconsciência e de falta de conhecimento da vida das
pessoas que permite a um indivíduo dizer que alguém que recebe 505 euros por
160 horas de trabalho está a ganhar de mais, mas não quero enervar o estimado
leitor. Mais grave, talvez, é constatar que o nosso governo foi tão atento e
venerador a tudo o que a troika impunha, à superioridade moral dos
disciplinadores alemães que representava, à compreensão pelo castigo, à
aceitação de ordens sem discussão, que qualquer burocrata badameco acha que
pode tecer considerações sobre Portugal. Quem se comporta como um criado, como
o nosso governo, será sempre visto como um criado.
O
pior é a incompreensão sobre o papel do salário mínimo na Europa. A ligação ao
valor essencial do trabalho na construção do projeto europeu. Da defesa da sua
importância, da visão do trabalho como parte fundamental da vida do cidadão. O
trabalho não ser visto como um fator de produção como os outros, mas como algo
de central na comunidade. Sendo o trabalho uma parte do que um homem é e do seu
lugar no mundo, não podia ser encarado como um simples bem transacionável: não
se vende o trabalho como se vende um pedaço de terra.
O
salário mínimo garantiria que quem trabalhasse não seria pobre, estava
garantido mais do que a subsistência, era a dignidade de qualquer pessoa que
trabalhasse que estaria em
causa. Estes valores foram consensuais desde o nascimento do projeto
europeu. Não são de direita nem de esquerda, são princípios fundadores.
É
provável que o Simon e a Comissão não saibam que em Portugal, mesmo ganhando
505 euros, não se sai da pobreza, que se é pobre mesmo. Mas querem lá eles
saber. Bate certo com a folha de cálculo? Então está tudo bem. Era capaz de
apostar que estes elementos, no fundo, estão contra a própria existência de
salário mínimo. Sem esse anacronismo até se atingiria o pleno emprego, gente
disposta a trabalhar por uma malga de arroz. Era logo uma competitividade
fantástica.
É
esta gente que manda na União Europeia e enquanto assim for nada de essencial
mudará. É isso, no fundo, o mais preocupante, o que mais assusta.
2 - Abaixo
os privilégios herdados, vivam os direitos conquistados. Viva a República.
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