quinta-feira, 6 de novembro de 2014

DESBRAVANDO A LÓGICA COM SENTIDO DE VIDA! – XI



Martinho Júnior, Luanda (Continuação – ver anteriores)

29 – A “abertura” ao mercenarismo foi apenas um dos vírus dum pacote introduzido por Savimbi durante a década de 90 do século XX, o que correspondeu à última fase de sua vida humana e“política”.

Desse pacote de vírus, que teriam sido muito úteis para ele se algum dia Angola chegasse a ser um“bantustão”, realço:

- A concentração forçada de angolanos nas cidades do litoral, em fuga à sua acção no interior, a tal ponto que veio a alterar profundamente a razão demográfica da ocupação do território;

- O exacerbado egoísmo com que ele agia, em nome do seu próprio poder autocrático e despótico, de acordo com a “escola” que ele teve.

O carácter fascista do seu ego e os resultados de sua tão nefasta acção, sobreviveram em muitos aspectos à sua morte e têm sido de certo modo manipulados por aqueles que perfazem a corrente dos impactos do capitalismo neo liberal em Angola!

30 – A alteração demográfica que sua acção de “guerra dos diamantes de sangue” provocou e está na base de Luanda ter absorvido mais de um quarto da população angolana, de acordo com o último censo populacional.

De acordo com o resultado preliminar do censo, Angola possui 24.383.301 habitantes, dos quais vivem em Luanda 6.542.944, o equivalente a 26,6%...

Por outro lado, o censo permite-nos avaliar que Angola possui 62,1% da população a viver em áreas urbanas e 37,9% a viver em áreas rurais, sendo 52% do universo do sexo feminino e 48% do sexo masculino, o que é também leitura dos muitos rescaldos da “guerra dos diamantes de sangue”!

Em Luanda apenas 2,5% dos habitantes vivem em áreas consideradas rurais.

Todos os deslocados perderam em grande parte a cultura de raiz, assim como o modo de vida que levavam nas regiões e comunidades de origem.

Quando se instalaram em Luanda em condições precárias, a luta pela sua própria sobrevivência atirou muitos deles para circuitos económicos “informais” (recorde-se por exemplo o mercado a céu aberto Roque Santeiro), alguns para a marginalidade e outros ainda até para a criminalidade.

No fundo em Luanda gerou-se uma subcultura de desenraizados provenientes do interior, que hoje resulta na expressão de muitos dos fenómenos que fazem parte integrante da vida na capital, desde as falências urbanas e habitacionais, às condições ambientais precárias que se reflectem nos padrões de saúde humana, até à repercussão de elevados índices de desemprego ou subemprego.

Esse “vírus” que tanto influi no carácter dos relacionamentos humanos no espaço da capital do país, subsiste apesar do crescimento físico-geográfico da entidade Luanda, apesar dos muitos edifícios imponentes que entretanto se ergueram, apesar da melhoria da situação das estradas, apesar da criação de novos centros urbanos e habitacionais, apesar do comércio a retalho e de grandes superfícies, apesar do salto nas comunicações…

Os desequilíbrios humanos e sociais cresceram como nunca nessa amálgama de Luanda, com profundos contrastes.

Por exemplo, para um povo que havia combatido o “apartheid”, assistiu-se à criação de“condomínios”, com padrões distintos de urbanização e habitação, muros altos e arame farpado, que marcam efectivamente o início dum “apartheid” sócio-cultural de novo tipo, coisa que não se havia registado na Angola post-independente e que contrasta com o enorme espírito de solidariedade dos tempos de consentido sacrifício colectivo!

Para muitos detentores de poder económico e de capital, em especial para aqueles que vivem do comércio de grandes superfícies, ainda bem que houve tanta gente a concentrar-se em Luanda, de outro modo haveriam muito menos lucros se a mesma quantidade de população estivesse a viver num habitat muito mais disperso, ao nível do enorme espaço que constitui o território angolano…

É neste insipiente “mercado”, com a concentração humana com esse histórico ocorrendo em Luanda, que o lucro acumulado de alguns dá pasto ao egoísmo, um egoísmo que com Savimbi atingiu as raia do absurdo, do surrealismo, com cercos às cidades e “guerras de diamantes de sangue”, um “vírus” que hoje repercute nas desequilíbrios sociais e transfere para o interior da sociedade as potencialidades das contradições e dos antagonismos.

31 – Nas últimas eleições o ambiente humano de Luanda, de acordo com essa evolução histórica e antropológica, reflectiu-se na distribuição do voto tendo em conta o contexto físico-geográfico da implantação das pessoas, conforme em tempo oportuno reflecti na série “Sinais controversos”, publicada na Página Global:

Os mais abastados e enraizados, que vivem no casco mais urbanizado, tenderam no voto a favor do MPLA, os menos abastados, particularmente os desenraizados, que vivem nas periferias urbanas do Cacuaco, de Viana e de Belas, tenderam em conceder seu voto aos partidos da oposição, até naquele que os impulsionou, por via da guerra, a movimentar-se de forma tão triste, tão indigna quão precária, em direcção a Luanda!

Essa regra poderá radicalizar-se nos próximos tempos, pois uma conjuntura humana com esse carácter é, em relação à “antítese”, meio caminho andado para a fermentação de ideologias que podem alimentar “radicais”, “jovens revolucionários”, “revoluções coloridas”, ou determinado tipo de “primaveras”!

A radicalização do argumento e do discurso de algumas entidades da oposição aproveita as contradições e os antagonismos que têm vindo a desenvolver-se em Luanda, em função dos poderosos vírus semeados por Savimbi…

Alguns não se furtam ao “ensaio” desse “verbo radical” quando se deslocam fora do território nacional e isso por que dentro, esse radicalismo quase sempre contrapõe-se a outra percepção e a outras interpretações.

Nas cidades e nos campos que foram traumatizados pelas confrontações armadas, é evidente que esses “radicalismos” chocam com alguns anti-corpos históricos, antropológicos, sociais e até psicológicos; o resultado é a não aceitação desse tipo de ideologias por que é fresca a possibilidade de se lembrar as suas práticas, ainda que as marcas físicas possam tender em desaparecer!

O peso do universo feminino na sociedade angolana contribui sobremodo para as ideologias e políticas de paz!

Em Luanda a situação é contudo distinta e se os antagonismos fermentarem a uma escala maior, podem um dia reverter numa explosão social, que por seu turno pode ser aproveitada pelas mais aventureiras ideologias…

Ainda assim é ao MPLA que se abre a oportunidade de se encontrar um rumo que seja por um lado sequência do passado e por outro continue a perseguir a lógica com sentido de vida!

Nessa direcção o MPLA deve assumir um maior rigor em termos de consciência crítica das situações cujas tendências estão a prevalecer sobretudo na capital e levar em consideração que há vários dispositivos de inteligências externas que acompanham, ou estão mesmo por dentro dos factores de desestabilização!

Quer dizer: a tendência social-democrata já teve o seu tempo de vida útil e tem demonstrado que não é por si razoável para se interpretarem os fenómenos humanos à altura das responsabilidades de quem tem rumo histórico como o MPLA!!! 

Foto: Cerimónia do empossamento do Presidente José Eduardo dos Santos no Memorial do Fundador da Nação.

Sem comentários:

Mais lidas da semana