Martinho
Júnior, Luanda (Continuação – ver anteriores)
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– A “abertura” ao mercenarismo foi apenas um dos vírus dum pacote
introduzido por Savimbi durante a década de 90 do século XX, o que correspondeu
à última fase de sua vida humana e“política”.
Desse
pacote de vírus, que teriam sido muito úteis para ele se algum dia Angola
chegasse a ser um“bantustão”, realço:
-
A concentração forçada de angolanos nas cidades do litoral, em fuga à sua acção
no interior, a tal ponto que veio a alterar profundamente a razão demográfica
da ocupação do território;
-
O exacerbado egoísmo com que ele agia, em nome do seu próprio poder autocrático
e despótico, de acordo com a “escola” que ele teve.
O
carácter fascista do seu ego e os resultados de sua tão nefasta acção,
sobreviveram em muitos aspectos à sua morte e têm sido de certo modo
manipulados por aqueles que perfazem a corrente dos impactos do capitalismo neo
liberal em Angola!
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– A alteração demográfica que sua acção de “guerra dos diamantes de sangue” provocou
e está na base de Luanda ter absorvido mais de um quarto da população angolana,
de acordo com o último censo populacional.
De
acordo com o resultado preliminar do censo, Angola possui 24.383.301
habitantes, dos quais vivem em Luanda 6.542.944, o equivalente a 26,6%...
Por
outro lado, o censo permite-nos avaliar que Angola possui 62,1% da população a
viver em áreas urbanas e 37,9% a viver em áreas rurais, sendo 52% do universo
do sexo feminino e 48% do sexo masculino, o que é também leitura dos muitos
rescaldos da “guerra dos diamantes de sangue”!
Em
Luanda apenas 2,5% dos habitantes vivem em áreas consideradas rurais.
Todos
os deslocados perderam em grande parte a cultura de raiz, assim como o modo de
vida que levavam nas regiões e comunidades de origem.
Quando
se instalaram em Luanda em condições precárias, a luta pela sua própria
sobrevivência atirou muitos deles para circuitos
económicos “informais” (recorde-se por exemplo o mercado a céu aberto
Roque Santeiro), alguns para a marginalidade e outros ainda até para a
criminalidade.
No
fundo em Luanda gerou-se uma subcultura de desenraizados provenientes do
interior, que hoje resulta na expressão de muitos dos fenómenos que fazem parte
integrante da vida na capital, desde as falências urbanas e habitacionais, às
condições ambientais precárias que se reflectem nos padrões de saúde humana,
até à repercussão de elevados índices de desemprego ou subemprego.
Esse “vírus” que
tanto influi no carácter dos relacionamentos humanos no espaço da capital do
país, subsiste apesar do crescimento físico-geográfico da entidade Luanda,
apesar dos muitos edifícios imponentes que entretanto se ergueram, apesar da
melhoria da situação das estradas, apesar da criação de novos centros urbanos e
habitacionais, apesar do comércio a retalho e de grandes superfícies, apesar do
salto nas comunicações…
Os
desequilíbrios humanos e sociais cresceram como nunca nessa amálgama de Luanda,
com profundos contrastes.
Por
exemplo, para um povo que havia combatido o “apartheid”, assistiu-se à
criação de“condomínios”, com padrões distintos de urbanização e habitação,
muros altos e arame farpado, que marcam efectivamente o início dum
“apartheid” sócio-cultural de novo tipo, coisa que não se havia registado
na Angola post-independente e que contrasta com o enorme espírito de
solidariedade dos tempos de consentido sacrifício colectivo!
Para
muitos detentores de poder económico e de capital, em especial para aqueles que
vivem do comércio de grandes superfícies, ainda bem que houve tanta gente a
concentrar-se em Luanda, de outro modo haveriam muito menos lucros se a mesma
quantidade de população estivesse a viver num habitat muito mais disperso, ao
nível do enorme espaço que constitui o território angolano…
É
neste insipiente “mercado”, com a concentração humana com esse histórico
ocorrendo em Luanda, que o lucro acumulado de alguns dá pasto ao egoísmo, um
egoísmo que com Savimbi atingiu as raia do absurdo, do surrealismo, com cercos
às cidades e “guerras de diamantes de sangue”, um “vírus” que
hoje repercute nas desequilíbrios sociais e transfere para o interior da
sociedade as potencialidades das contradições e dos antagonismos.
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– Nas últimas eleições o ambiente humano de Luanda, de acordo com essa evolução
histórica e antropológica, reflectiu-se na distribuição do voto tendo em conta
o contexto físico-geográfico da implantação das pessoas, conforme em tempo
oportuno reflecti na série “Sinais controversos”, publicada na Página
Global:
Os
mais abastados e enraizados, que vivem no casco mais urbanizado, tenderam no
voto a favor do MPLA, os menos abastados, particularmente os desenraizados, que
vivem nas periferias urbanas do Cacuaco, de Viana e de Belas, tenderam em
conceder seu voto aos partidos da oposição, até naquele que os impulsionou, por
via da guerra, a movimentar-se de forma tão triste, tão indigna quão precária,
em direcção a Luanda!
Essa
regra poderá radicalizar-se nos próximos tempos, pois uma conjuntura humana com
esse carácter é, em relação à “antítese”, meio caminho andado para a
fermentação de ideologias que podem alimentar “radicais”, “jovens
revolucionários”, “revoluções coloridas”, ou determinado tipo
de “primaveras”!
A
radicalização do argumento e do discurso de algumas entidades da oposição aproveita
as contradições e os antagonismos que têm vindo a desenvolver-se em Luanda, em
função dos poderosos vírus semeados por Savimbi…
Alguns
não se furtam ao “ensaio” desse “verbo radical” quando se
deslocam fora do território nacional e isso por que dentro, esse radicalismo
quase sempre contrapõe-se a outra percepção e a outras interpretações.
Nas
cidades e nos campos que foram traumatizados pelas confrontações armadas, é
evidente que esses “radicalismos” chocam com alguns anti-corpos
históricos, antropológicos, sociais e até psicológicos; o resultado é a não
aceitação desse tipo de ideologias por que é fresca a possibilidade de se
lembrar as suas práticas, ainda que as marcas físicas possam tender em
desaparecer!
O
peso do universo feminino na sociedade angolana contribui sobremodo para as
ideologias e políticas de paz!
Em
Luanda a situação é contudo distinta e se os antagonismos fermentarem a uma
escala maior, podem um dia reverter numa explosão social, que por seu turno
pode ser aproveitada pelas mais aventureiras ideologias…
Ainda
assim é ao MPLA que se abre a oportunidade de se encontrar um rumo que seja por
um lado sequência do passado e por outro continue a perseguir a lógica com
sentido de vida!
Nessa
direcção o MPLA deve assumir um maior rigor em termos de consciência crítica
das situações cujas tendências estão a prevalecer sobretudo na capital e levar
em consideração que há vários dispositivos de inteligências externas que
acompanham, ou estão mesmo por dentro dos factores de desestabilização!
Quer
dizer: a tendência social-democrata já teve o seu tempo de vida útil e tem
demonstrado que não é por si razoável para se interpretarem os fenómenos
humanos à altura das responsabilidades de quem tem rumo histórico como o
MPLA!!!
Foto:
Cerimónia do empossamento do Presidente José Eduardo dos Santos no Memorial do
Fundador da Nação.
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