Daniel
Deusdado – Jornal de Notícias, opinião
Andava
toda a gente a desfazer o primeiro-ministro e este Governo pela excessiva
austeridade e eis que, vindo do fundo das cavernas comunitárias, um francês
surge em novo fato de comissário europeu das Finanças e diz: Portugal está
"fora de jogo". Porquê? Porque o novo Orçamento não corta o
suficiente. Avisa Bruxelas que o défice será de 3,3%, contra 2,7% nos cálculos
do Governo. Um choque. E não estava isto ainda digerido quando ontem surge o
FMI e anuncia pior: défice abaixo dos 3% nem em 2016... Ou seja, sinal de que
os verdadeiros cortes na economia portuguesa estão por fazer, apesar de tudo o
que já aconteceu...
Ora
isto é uma péssima notícia para todos os portugueses. Porque o "otimismo
do Governo" em conseguir fixar o défice em 2,7% só tinha um bom argumento,
aliás delirante: atingir um valor recorde de cobrança de impostos através desse
toque de Midas chamado "peça a fatura e ganhe um Audi" - desta vez
não apenas em faturas de cabeleireiro ou oficina, mas em tudo.
Só
que a desgraça das previsões internacionais representa, em simultâneo, a
salvação política de Passos Coelho. Repare-se: ainda há uma semana, em pleno Orçamento , a
oposição acusava o Governo de manter o perfil da austeridade, de querer
continuar a cortar nos funcionários públicos e de não promover o crescimento.
No entanto, em simultâneo, os comentadores especializados falavam já em
eleitoralismo e "bónus" para adoçar os lábios aos eleitores. O cúmulo
dessa dupla leitura aconteceu no próprio dia em que o Orçamento foi revelado
pela primeira vez: os dois jornais económicos titulavam em sentido contrário:
um dizia "mais austeridade" e "folga na austeridade".
Pedro
Passos Coelho, que corria o risco de, afinal, hesitar no único argumento
coerente que alimentou toda a sua governação, vê de repente o jogo a regressar
ao seu tabuleiro. Afinal, ele estava certo em não dar folga. Até tentou
abrandá-la... Mas não o deixam. Ainda assim, ele é o garante na nossa soberania
e até já pode falar com voz grossa ao FMI e a Bruxelas porque saímos da subjugação
aos exames da troika. Ou seja, o Governo português olha para as previsões
internacionais e chama-lhes apenas isso: "previsões". Não ordens. Mas
fará tudo o que for preciso para que Portugal não volte ao "défice
excessivo", ou seja, mais de 3%.
Há
aqui um ponto de ordem necessário. Nenhuma instituição internacional tem
realmente a ideia do campo de manobra que existe por cá em arrecadar mais
impostos pela simples saída da clandestinidade de negócios e empresas que não
faturavam. O que isto representa em IVA, IRC e IRS é um jackpot que o
Ministério das Finanças e a Direção-Geral de Impostos têm sugado até ao limite.
Claro,
quando as instituições internacionais olham para os números portugueses e
observam o "esforço fiscal" de que falava Miguel Cadilhe - o mais
elevado da Zona Euro - duvidam que as receitas fiscais possam continuar a subir
como o Governo diz. Mas, a verdade é que podem. Há milagres em Portugal? Há.
Todo o dinheiro que, por boas ou más razões, é arrecadado pelo Estado
representa mais sacrifício. Mas o sacrifício está no nosso ADN, é a herança
salazarista. Os portugueses aguentam? Está provado que aguentam. Aguentaram
décadas.
Um
outro ponto: o Governo pode aproveitar o "agoiro" (ou realismo) dos
organismos internacionais para se bater por eleições em outubro - e não antes
do verão, como aconselharia o bom senso. O primeiro-ministro pode agora,
tranquilamente, chegar a Cavaco Silva e dizer: "Quer mesmo entregar o país
antecipadamente a quem tem uma estratégia despesista?". Se este presidente
da República é conhecido pelo imobilismo, só isto chega para não se meter nessa
guerra.
Por
fim: toda esta conversa é lamentavelmente mais do mesmo. Foi assim que chegamos
a um ponto em que não crescemos nem temos alternativa à austeridade. Mas a
pergunta é esta: perante este cenário, será que os portugueses derrotam mesmo a
aliança PSD/CDS? E se se convencerem que só Passos e Portas evitam nova
bancarrota e a entrada dos credores de novo por aí dentro? António Costa tem
mesmo de pensar em algo de inteligente e coerente para contrapor.
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